Se há alguma coisa que pode levar a perder um amigo é servir de testemunha num processo na Justiça. Eu já passei por isso várias vezes e minha mulher diz que não tomo vergonha. Tudo recomeçou, recentemente, com um processo que ganhei contra certa empresa de educação, e, como um monte de ex-colegas também processaram a empresa me vi na obrigação moral de servir como testemunha para todos os que solicitassem. Ainda mais que trabalhei como gerente e as pessoas que ocupam esse cargo tem certa “fé pública” nos tribunais.
Os problemas começam quando você se sente utilizado por certos colegas. Como você não vê o cara(ou a cara) há alguns anos, a coisa acontece como um cerca Lourenço. Recebe um e mail informando que há vagas de professor abertas na faculdade tal e agradece que o colega que não vê há tanto tempo tenha se lembrado de você para o cargo. Mas é muita ingenuidade pensar nisso, pois é apenas uma forma de reconectar a ligação do passado.
Não dá nem pra consultar nada!
Alguns dias depois dessa inusitada abordagem vem a infalível proposta:
Caro amigo, recordo com satisfação os tempos que trabalhamos juntos na faculdade tal, que, infelizmente, não cumpriu com os seus compromissos para conosco. Por este motivo, entrei com uma queixa trabalhista contra a mesma e gostaria de contar com o seu depoimento confirmando a nossa convivência no período.
Sem mais, agradece o amigo tal
Pouco resta a fazer a quem é generoso e solidário do que aceitar tal convite. Aí é só perguntar quando, em que vara, a que horário, e, naturalmente, quando haverá reunião com o advogado para discutir o caso. Sim, pois você não é obrigado a lembrar exatamente quando trabalhou com o(a) cara(a), de que curso ele era, se fazia ou não hora extra, se era vinte ou quarenta horas, se batia ponto, recebia por nota fiscal e outros babados do tipo. Quem não tem todas essas informações se arrisca a aumentar a cartela de inimigos.
Se você rir perde o amigo!
A relação com o advogado é um problema. Primeiro o ex-colega inventa uma reunião prévia com as testemunhas que nunca funcionam. Eu acho que a maioria das pessoas pensa que já está prestando favor suficiente servindo de testemunha e geralmente não comparece a reuniões prévias. Até eu furo algumas. De sorte que elas acabam sendo marcadas para “uma hora antes” do próprio dia da audiência.
Se você nunca passou por isso preste atenção nesses conselhos. Desligue o celular pois senão receberá ligações do ex-colega lhe oferecendo carona, perguntando se já chegou, se sabe onde é a vara, e outras que não tem nenhuma preocupação contigo a não ser garantir o seu comparecimento.
Se prepare para ter surpresas!
Entre no site do tribunal para acessar a audiência. É costume que os ex-colegas contem inocentes mentiras sobre o horário da mesma. Se está marcada para as 14:30 ele diz que é 14:00. Sabe como é né, como o horário não serve pra nada na Bahia é comum se pensar que todo mundo vai atrasar e usar essa “mentirinha boba” que me irrita profundamente, pois sou rigorosamente pontual em meus compromissos.
Na semana passada, por exemplo, ao comparecer a mais uma audiência de ex-colega, em função da informação de que a mesma estava marcada para as 14: 00 e que o advogado compareceria uma hora antes para conversar com as testemunhas, compareci no horário, mesmo sem acreditar muito que isso se realizaria. Não deu outra! Esperei das 13:00 até faltar dez minutos para o prazo previsto e só aí que chegaram o reclamante e outra testemunha. O advogado chegou ainda alguns minutos mais tarde.
Tem gente escrevendo tudo o que você diz!
Lembre-se que os advogados são complicados. Tem colega que não quer gastar e contrata um amigo que cobra mais barato. Outros pegam um escritório que está cheio de causas e não tem tempo pra nada, o resultado é vir um advogado que tem pouca intimidade com o processo.
Como chegam geralmente em cima da hora os advogados não tem tempo de informarem praticamente nada e ainda confundem alhos com bugalhos. Não sabem que funções as testemunhas exerciam na empresa e muito menos que relações tiveram com seu cliente. Não perguntam se estão ou não acostumadas a depor em audiências. Não informam chongas do processo, sobre o que o ex-colega está pedindo, são um saco. Imaginem a firmeza com que agente comparece na frente do juiz.
Não adianta chorar!
É por isso que no caso de uma ex-colega de sala deu o maior problema. Eu havia lhe avisado da importância de reunir com as testemunhas e informar os seus pedidos á Justiça, mas ela deixou tudo a cargo do advogado. O que aconteceu foi uma repetição do que está aí em cima. O cara chegou na hora, não falou nada que se aproveitasse pras testemunhas, e o resultado é que eu fui prum lado e a ex-colega foi pro outro...o que levou a que ela perdesse a reivindicação das horas extras. E olhem que o advogado teve a cara de pau de nos culpar pela tragédia!
Gente, é raro a secretária do juiz chamar no horário! Acreditem que esse pessoal marca as audiências de cinco em cinco minutos mas nada funciona no horário previsto. É que umas audiências são iniciais, e funcionam apenas pra trocar documentos. Outras são para juntar provas, e há ainda as que ouvem testemunhas.
Um advogado de empresa trabalhando!
Assim, há audiência que dura apenas dois minutos e aquelas que se arrastam por horas. E haja banco de espera! Um conselho: quando você for servir de testemunha não marque nada no turno que for depor. E nem pense em sair se não aguentar mais esperar pois arranja um inimigo pro resto da vida!
Bem, mas isso é antes, outra coisa é durante a audiência. Na vera funciona assim. Seu nome é chamado pelo autofalante, você comparece perante o juiz e senta numa cadeira entregando os documentos para a secretária. Além dela e do juiz estão lá seu ex-colega e o advogado, e o preposto da empresa com o seu advogado. Nem pense em falar com o ex-colega para que o juiz não pergunte se vocês são amigos, caso de impugnação do seu depoimento. No máximo um bom dia em geral para todos na sala.
Se fosse Bruno eu não toparia!
Não fique pensando que vai dizer tudo o que quer senão vai tomar a maior dura do juiz, tipo:
Limite-se a responder aquilo que lhe for perguntado!
Fale pouco e restrinja-se a informar seu cargo na empresa, como conheceu o reclamante, e o que pode atestar da relação de trabalho que ele mantinha com a mesma. Enquanto estava esperando minha vez de depor já vi depoimentos que eram o fim da picada, gente que mente, que gagueja na frente do juiz, que não consegue responder as perguntas do advogado da empresa, o diabo.
Nem pense em intimidades na Justiça!
O maior conselho que se pode dar nessas horas é não mentir, dizer exatamente o que sabe da relação entre o reclamante e a empresa, e estar bem informado dos pedidos do ex-colega. Lembre-se que não é a você que cabe provar tudo e que você só pode, no máximo, contribuir para comprovar parte dos pedidos.
Depois do juiz, prepare-se para sofrer nas mãos do advogado da empresa. Você vai se surpreender com a cara de pau do cara. A coisa mais comum é dizer que seu ex-colega não trabalho na empresa, e, se admitem o trabalho, dizer que era apenas um colaborador eventual, que não cumpria horário, que não recebia ordens, e tudo que convém para não ser classificado como empregado. Assim, o cara vai fazer tudo pra distorcer suas afirmações e lhe colocar em contradição. Se você não se sair bem seu ex-colega está f... e você perdeu definitivamente o amigo. É muito risco pra manter uma amizade! Pense nisso quando for convidado a depor, você tem que se sair bem!
Fique brincando Rafinha!
Está pensando que acabou? Qual nada! Depois de todo esse sofrimento, ainda tem que esperar as outras testemunhas deporem e o juiz encerrar a audiência para você assinar o diabo da ata. É de bom tom descer o elevador comentar a audiência dizer que foi tudo bem para o ex-colega e desejar-lhe que ganhe rios de dinheiro.
Ah, quase ia me esquecendo, não espere mais e-mails e ligações do ex-colega. É que uma simples audiência não serve sequer pra restaurar uma amizade, apenas pra fazer com que você não ganhe inimigos. Até a próxima!