sábado, 29 de janeiro de 2011

No tempo em que a Fonte Nova ia ao salão

Espelho, espelho meu, diga se existe um estádio mais bonito do que eu!

                                                                                           A vida sem vaidade é quase insuportável.
                                                                                                                                              Leon Tolstoi
Quero dar meus parabens aos quarenta visitantes do meu blog no Egito que, certamente, devem estar na linha de frente das manifestações pra derrubar a ditadura de Hosni Mubarak. Aproveitem pra mandar dizer alguma coisa! Infelizmente ainda não tenho acessantes da Tunísia pra dizer o mesmo. Bem, mas vamos ao assunto de hoje, os jogos internacionais na Fonte Nova. 

Creio que nos artigos postados neste blog conseguimos humanizar este monumento que foi a Fonte Nova. Vimos que ela, ao longo de seis décadas, chorou, sofreu, senti raiva, vibrou, da mesma forma que os torcedores do estado. Quisemos assim mostrar a identificação que ela, como mulher, tinha com o povo da capital da Bahia.
Hoje vamos contar um segredo do estádio, os dias e as noites onde ela incorreu naquele que é considerado o mais grave dos pecados capitais, a vaidade. Gente, eu me permito discordar do pessoal que fala mal da vaidade. Fui ler uma penca de escritores famosos e percebi que eles “metem o pau” com vontade neste nobre sentimento confundindo-o com o orgulho e até com a corrupção, como faz Machado de Assis.
Tenho mais concordância com Gustave Flaubert e Leon Tolstoi com a maneira de encarar a questão. Aliás, vamos ser sinceros, no começo a Fonte Nova não tinha esse sentimento, que a pessoal acha digamos, pouco nobre. Mas ficou assim de tanto ver certos dirigentes, juízes e jogadores se comportarem. Aí ela foi reclamar com a federação e o órgão responsável pelo estádio. Não entendia porque não havia espelhos no estádio. Seria porque tinham vergonha do que viam? E, se espelhos como ela poderia se admirar? Assim ficava a mercê dos elogios que lhe eram feitos, geralmente, por quem vencia.

Durante muito tempo a Fonte Nova viveu de campeonatos baianos. Era o feijão com arroz do estádio tendo em sua vida abrigado cinquenta e sete. Torneios nem é bom falar, foram tantos que nem mais se lembrava. Já tinha assistido dezenas de vezes todos os clubes da Bahia jogar. E, quando começaram os certames nacionais, se acostumou com os grandes clubes brasileiros. Até com seleção brasileira, que jogou aqui diversas vezes, ela se ambientou.
Só com uma coisa ela nunca se acostumou e ficava toda excitada quando ocorria: os jogos internacionais. Os dirigentes esportivos nunca entenderam o prazer que a Fonte Nova sentia quando chegava um clube estrangeiro pra jogar. Esses jogos eram pra ela um verdadeiro ritual. Logo de manhazinha se banhava repetidas vezes nas aguas do Dique do Tororó deixando correr devagar a agua por suas arquibancadas. A seguir ia ao salão pra fazer as unhas, tirar as cutículas, e fazer o cabelo onde, não raro, colocava apliques. Nestas ocasiões lavava, secava e escovava e, ás vezes tingia seu vasto gramado.
As partidas eram uma atração á parte. Quem prestava atenção ao seu comportamento via quando ela se deliciava com o sotaque dos “gringos”, com a forma de passar a bola, com o jeito gentil de conversar, e até vibrava (naturalmente escondido) com os gols que faziam.
Sempre teve esta paixão escondida no mais recôndito do seu ser. Ao fim da primeira década de funcionamento, ainda menina, assistia com empolgação os relatos dos jogadores e dirigentes das primeiras excursões a Europa dos clubes baianos. Nossa, jogaram em Londres, Paris, Moscou! Nunca a deixaram viajar, pois estava sempre ocupada sediando jogos, e só conhecia o Big Bem, a Torre Eiffel e o Kremlin de fotografias!

Só no fim da sua primeira década de funcionamento é que chegariam os primeiros clubes estrangeiros. Na época tinha ainda nove anos e viu o Benfica e o San Lorenzo de Almagro. A Fontinha vibrou ao receber o primeiro, honra e glória do futebol mundial que iria conquistar dois títulos de campeão europeu. O clube esteve na Bahia no auge de seu prestígio, inclusive como campeão português, embora não fosse tão feliz em sua temporada no Brasil.
Teve certa decepção com o clube português. Primeiro, por seus jogadores terem pouco sotaque de maneira que entendeu praticamente tudo o que eles disseram. E, segundo, por sofrerem a maior goleada no Brasil, justamente pro expressinho tricolor, por quatro a um. Mas, mesmo assim, vibrou com a atuação de grandes craques como Costa Pereira, Coluna, Águas e Cavém. Aceitou logo a revanche pedida pelo clube, que desta vez, venceria o time titular do EC Bahia que havia chegado naqueles dias da Europa, por dois a um.
Naquele ano a Fontinha se engalanou outra vez, pois, ainda menina, iria participar de uma Taça Libertadores da América. Na ocasião receberia o San Lorenzo de Almagro do veterano craque Sanfilippo. O Bahia havia perdido a primeira partida em Buenos Aires por três a zero e perseguia um resultado praticamente impossível em casa, golear os argentinos por quatro a zero. Na ocasião o pior aconteceu, enquanto a Fontinha olhava inebriado os passes dos argentinos a bola ia entrando na meta tricolor tornando ainda mais difícil a tarefa. Sua desatenção seria culpada da pouca serventia da vitória tricolor por três a dois.

Levaria muitos anos pra vir novo clube estrangeiro na Fonte Nova. Ela cansou de reclamar com os dirigentes. Debutou nos seus quinze anos, completou maioridade simples e nada. Aí resolveu ameaçar uma greve que seria deflagrada quando completasse a maioridade definitiva aos 21 anos.  Aí os dirigentes resolveram comemorar esta importante data realizando, inclusive, um grande torneio com Fluminense, Grêmio Porto Alegrense, Vitória, e a inesquecível equipe do River Plate.
Foi um “choque internacional” pra Fonte Nova que viu três jogos do clube argentino, mas que, não ficaria com o título que iria para o Rio Grande do Sul. A Fonte Nova, agora definitivamente de maior, engalanou-se pra receber os hermanos que estreariam contra o EC Vitória. Os rubro negros, que seriam campeões naquele ano, até que surpreenderam, mas acabaram por se render a qualidade de atacantes como Alonso, Martinez, Moretti e Ghizo que venceriam por dois a um. Os argentinos ainda empatariam com o Fluminense e perderiam pelo escore mínimo para a grande equipe dirigida por Oto Glória do Grêmio onde jogavam o goleiro Jair, os laterais Espinosa e Everaldo, o volante Jader e o ponta Loivo, autor do gol do título.
A comemoração da maioridade da Fonte Nova foi à única da história que seria pra valer. Também a Fonte Nova estava linda e viçosa na ocasião. Tinham até lhe feito proposta de casamento dando-lhe um anel superior. Foi por isto que os dirigentes trouxeram a Mini Copa pra Salvador. Enganou-se quem pensou que foi pra comemorar o sesquicentenário da chamada independência ou pra capitalizar pra ditadura a conquista da Copa do Mundo de dois anos antes no México. Na verdade, foi pra cortejar uma Fonte Nova no auge de sua forma e, que agora, de maior, podia dirigir carro, votar, tomar financiamento, e otras cositas, mas.
                                                                Benfica em 1960
A Mini Copa teve seis partidas na Bahia, mas os jogos foram uma enganação. Deu pra notar os desfalques nas seleções que aqui compareceram e, o pior, estava mesmo reservado para um estranho jogo França 5 X 0 na CONCACAF, que era um amontoado de jogadores convocados ás pressas nos países da América Central! Pra vocês terem uma ideia, os torcedores baianos ficaram tão insatisfeitos que deixaram o estádio ás moscas durante a copinha ganha pela seleção brasileira que, por sinal, não “deu as caras” por aqui.
Depois daí levou cinco anos para um novo jogo internacional na Fonte Nova. E só ocorreu quando esta estava ameaçando de novo uma greve. Não adiantou as desculpas de terem sido realizadas seis partidas na copinha, pois não valia. Aí acertaram o San Lorenzo pra voltar a Bahia. Era o dia 28 de junho de 1977 e a Fonte Nova se preparou como se fosse a um casamento.
Até que não deu tanta gente, pois, afinal de contas, foi um jogo amistoso. Mas, quem assistiu à partida naquele dia notou que a Fonte Nova, agora uma mulher feita com seus 26 anos, estava linda. Suas arquibancadas reluziam. O gramado estava fofinho, e a Tribuna de Honra estava cheia de corbeilles que seus amigos-estádios haviam enviado. O San Lorenzo não era mais aquele mais tinha ainda uma boa equipe que empataria sem gols com o Bahia.
Vendo que a Fonte Nova já era uma mulher feita os dirigentes resolveram não mais deixar passar tanto tempo sem jogos internacionais. Dois anos depois trouxeram a própria Seleção da Tchecoslováquia em excursão ao país. O jogo foi em quatro de fevereiro de 1979 e nosso estádio não continha sua emoção. A esta altura havia visto de tudo, mas não uma seleção europeia jogar.
                                                             River Plate em 1972
Aqui pra nós já a esta altura era uma mulher madura e não queria que dissessem a sua idade, era a crise dos quarenta anos. Nesse dia recebeu várias equipes do salão que escovaram os cabelos do gramado, as unhas das pilastras e os cílios das torres de iluminação. De tarde a Fonte Nova estendeu um tapete vermelho pra entrada dos torcedores que nunca tinham visto aquilo. Nesse dia não faltou agua no vestiário nem lugar no estacionamento. Não entendia nada o que os tchecos falavam, mas era tudo o que sonhava. Ah aqueles passes, aquela delicadeza em rolar a bola... isto não era coisa de baiano! Aliás, os próprios jogadores tricolores não entenderam o que eles gritaram no passe que resultou no único gol da Tchecoslováquia levando-a a vencer os baianos.
No ano seguinte a Fonte Nova ficaria chateada. É que o papa viria a Salvador e sequer a visitaria. Na ocasião ficou decepcionada pois soube até que uma missa seria realizada no estádio. Logo ela que se disse tão católica! Passou o tempo e nada de jogo internacional. O Brasil estava preocupado com outra coisa, lutava pra ver se as Diretas Já saíam, queriam terminar com a ditadura militar. Mas aqui teve que ser feita uma inflexão pra dar atenção á Fonte Nova. Desta vez começaria a cumprir sua ameaça de greve. Não permitia mais que lavassem as arquibancadas, nem que pintassem seus muros, nem muito menos o corte do gramado. A situação chegou ao ponto dos torcedores não verem mais a bola que sumia no campo.
Aí resolveram promover um amistoso com o Kamel da Alemanha. Os visitantes do meu blog deste grande país vão me desculpar, mas, decididamente, este não é um clube dos mais famosos do país. Mas a Fonte Nova teve que engolir. Afinal, já não podia pedir tanta coisa do alto de seus 43 anos quando o pessoal que antes a cortejava buscava estádios mais novos. Foi no dia 27 de maio de 1984, quando não havia mais esperança de eleger o presidente da apregoada república, que o EC Vitória enfrentaria os alemães.

O argentino José Sanfilippo que atuou no San Lorenzo(1953-1963) e mais tarde jogaria no Bangu e no Bahia. Voltaria para o San Lorenzo mas se aposentadoria no ano anterior daquele em que o clube joparia de novo na Fonte Nova.

A Fonte Nova até que se divertiu muito com a partida. É certo que foi ao salão, marcou com blush as pistas de atletismo, tirou o lixo da piscina e do ginásio, e decidiu que não ia faltar cerveja gelada nos bares. Até os ambulantes ganharam um uniforme. Chegou a vibrar com o “gol de honra” alemão em sua derrota para o rubro negro por três a um.
No outro ano outra enrolação, digo, anunciaram a comemoração dos 44 anos da Fonte Nova e, dizendo atender ao seu desejo, trouxeram um clube internacional. Assim, convidaram o... Aarau para a festa. Peço desculpa aos suíços que visitam meu blog, mas essa foi de lascar. É que ninguém que foi ao estádio no dia 22 de janeiro de 1985 já tinha ouvido falar dele! Poxa, a Fonte Nova merecia uma homenagem melhor, foi sacanagem!
A promoção gerou muita gritaria da torcida tricolor cuja preocupação era com o assumimento da presidência do país pela “raposa” Tancredo Neves. Mas o estádio era muito generoso e não guardava rancor. Só não gostou da divulgação de sua idade! Terminou se aprontando pra festa na qual, se não compareceu muita gente, pelo menos teve bolo, presentes e sopraram velinhas que a Fonte Nova só aceitou que colocassem uma vela.

O final da década presenciaria os últimos jogos internacionais da Fonte Nova. Em 1989 seria a vez de o estádio voltar aos velhos tempos e participar pela segunda vez de uma Taça Libertadores da América, agora ás vésperas de completar cinquenta anos. Sua glória foi entre março e abril quando receberia três visitas internacionais pra jogar contra o EC Bahia, o Marítimo, o Tachira da Venezuela, e o Universitário de Lima. Dessa vez não houve nem como reclamar contra os dois primeiros que ninguém tinha visto “mais gordo”, afinal de contas era a Libertadores, né!
A Fonte Nova não se continha de satisfação em receber o maior torneio das Américas. Ela mesma foi pegar no balde e no pincel pra dar uma “recauchutada” geral na sua aparência de 49 anos. Não tinha quem segurasse a sua vaidade neste dia em que foi por duas vezes ao salão onde, aqui pra nós, teve que utilizar um “pistolão” pra furar a fila do! O próprio Paulo Maracajá apelou pra sensibilidade dos esteticistas!
No dia 17 de março chegaria o Marítimo aqui, caindo por três a dois. Logo na outra semana seria a vez do Tachira, goleado por quatro a um. E, por último, em treze de abril, viria o forte Universitário, que baquearia por dois a um. Quanto ao tricolor até que passaria de fase, mas, como a Fonte Nova não se interessou por jogos com clubes nacionais, esbarraria no Internacional (RS).
  
                    O papa que não rezaria missa na Fonte Nova. Será que já estava prevendo o fim?
A despedida dos seus adorados clubes estrangeiros seria neste ano, em 19 de agosto de 1990. Na oportunidade o EC Vitória foi prestar uma homenagem a cidade em que a seleção brasileira ficou hospedada na Copa do Mundo de vinte anos antes, trazendo o Guadalajara pra jogar aqui. Os outros estádios telefonaram pra Fonte Nova pedindo atenção especial pro time mexicano. Afinal eles tinham sido muito bem recebidos pelo colega-estádio de lá onde os brasileiros ganharam todas.
A Fonte Nova, estando pra completar cinquenta, nem queria saber de falar de idade. Abriu a tribuna de honra para os visitantes, Veio até os novos amigos-estádios Pituaçu e “Barradão”. Estava linda de morrer (ih, não devia ter usado esta palavra!). Até parecia que previa que este seria seu último jogo internacional. Como estava muito ocupada neste dia não pode ir ao salão. Assim foi uma romaria de todo tipo de profissional de estética na Fonte Nova. Vieram pedicuras, manicures, cabelereiros, massagistas e até dermatologistas! O vaidoso estádio deu um trato geral na pele das arquibancadas e assinalou todas as linhas do campo com rímel escolhendo tonalidades bem vistosas.
A partida foi de uma amizade sem par. Vitória e Guadalajara trocaram abraços e flores e parecia até um jogo de comadre, até que a equipe mexicana fez um gol e as coisas mudaram um pouco. A própria Fonte Nova teve que entrar em campo pra advertir os jogadores que a partida era comemorativa. Só aí que deixaram de “baixar o pau”, mas à custa da derrota do Vitória, que se “sacrificou” em nome da amizade dos povos. Foi assim que terminaram os jogos que tanto gostava!
Soube depois que ficou com ciúme de seus amigos-estádios Pituaçu e “Barradão”. É que seriam eles que trariam os próximos visitantes estrangeiros, a Seleção do Chile, o Olímpia do Paraguai, entre outros. Ela não entendia porque não vinham jogar nela. Sofreu até o final com a falta de seus adorados estrangeiros.

·       Agradeço as informações dos sites Futebol 80 e Futipédia. globo.com e a assistência estética de Cida e Cybele. Sou grato também as imagens dos blogs: xaferica.wegblog.com.pt,cissacosta.com.br,amngopol.wordpress.com,diaadia.pr.gov.br,osmeussonhosdourados.blogspot.com,donooctavio.com.br,novidadesdebeleza.com.br erivermillionarios.com.br   

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