Essa noite eu tive um sonho
de sonhador.
Maluco que sou, eu sonhei
com o dia em que a terra parou.
Raul Seixas
Os anos sessenta foram a era dos certames nacionais. Antes praticamente só existia o Torneio Rio-São Paulo e o pessoal dos outros estados não tinha vez. Mas em 1959 a Confederação Sul Americana de Futebol decidiu criar a Taça Libertadora da América como recomendação da FIFA para a escolha de quem ia decidir um titulo mundial com o campeão da Europa. Foi assim que surgiu uma Taça Brasil ás presas e que só acabou em abril de 1960 com o título do EC Bahia.
O novo certame mostrou a CBF novas possibilidades, inclusive de arrecadação, pois seria a primeira vez que os demais estados teriam a possibilidade de ver jogos oficiais com a participação de seus clubes. É aí, quando ficou claro os limites da Taça Brasil (só participava um por estado) criaram o Torneio Gomes Pedrosa, como ampliação do Torneio Rio São Paulo, que desde 1955 tinha esse nome para homenagear o antigo goleiro do São Paulo e presidente da Federação Paulista de Futebol que havia morrido no ano anterior.
O povo logo apelidou o novo certame de “Robertão” pois contou em 1967 com a presença de clubes de Minas, Paraná e Rio Grande do Sul e que viria a substituir a Taça Brasil que funcionou apenas dez anos. Houve quatro desses torneios sendo três ganhos pelos paulistas (Palmeiras dois e Santos um) escapando apenas um título para o Fluminense carioca.
Só a terra parando mesmo Geninho, pra ver se o Vitória sobe!
Mas o que eu vou contar hoje ocorreu no ano emblemático de “68”. É que esse ano, além de ser marcado pelas revoltas estudantis, protestos contra a Guerra do Vietnam, as lutas anti-ditadura e o AI-5, foi também o da segunda edição do “Robertão” quando participaram 17 clubes de sete estados, sendo finalmente incluído Bahia (EC Bahia) e Pernambuco (Náutico).
O torneio foi disputado num clima de mobilização nacional contra a ditadura militar no Brasil que ocorre desde março, quando ocorre o assassinato do secundarista Edson Luís no restaurante Calabouço no Rio de Janeiro, até outubro/novembro, com as prisões do Congresso de Ibiúna e o processo no Congresso contra o deputado Márcio Moreira Alves.
Reinava muita expectativa no Nordeste quando começou o certame em 24 de agosto, dia em que se completava treze anos do suicídio de Getúlio Vargas, com a vitória da Portuguesa de Desportos sobre o São Paulo pelo escore mínimo. Bahia e Pernambuco desejavam incluir mais clubes e havia o interesse do Ceará e outros estados em participarem. O que se dizia é que essas coisas dependeriam do desempenho dos nordestinos.
Mas esses aí ficam parados todo dia!
Mas os baianos chiaram muito com a tabela que previa cinco dos seis primeiros jogos fora de casa. Lembro-me que o EC Bahia estreou uma semana depois do dia consagrado á independência, num sábado, apanhando do Atlético Mineiro em Belo Horizonte por um a zero. E, no sábado seguinte, teve que voltar á Minas pra perder de novo pelo mesmo placar, desta vez para o Cruzeiro.
Ficou por lá mesmo pois seu próximo itinerário era Porto Alegre onde jogaria na quarta feira com o Inter e no domingo com o Grêmio. Na época até que não se saiu mal, pois conseguiria empatar com o colorado por um gol embora perdesse para o tricolor gaúcho por dois a um. Voltava assim pra casa “invicto” sem ganhar uma, para a delícia dos torcedores rubro negros que se lamentavam de não terem sido incluídos no certame. Pô, a CBD havia preferido colocar um número impar só pra não botar o Vitória!
A primeira partida do tricolor baiano na Fonte Nova seria contra a Portuguesa de Desportos. Esta parecia ser do “tope” do Bahia e o clube pretendia calar a boca do seu despeitado arquirrival. No dia cinco de outubro não deu outra coisa com o esquadrão partindo pra cima da lusa desde o início da partida. Martelou, martelou, mas não adiantou, pois os paulistas acabaram faturando por um a zero.
Foi de nove meu amigo!
O antigo tricolor de aço já via a sua camisa virar lata, eram quatro derrotas em cinco jogos. Ah que tabela ingrata miserável! O próximo jogo seria na famosa Vila Belmiro o reduto do peixe Santos FC. Lembro-me como hoje deste dia. Foi 10 de outubro, véspera do dia das crianças, e o mercado funcionava a toda para a compra dos presentes. Mas quem ia dar o maior presente aos torcedores do leão seria mesmo o Bahia.
A TV Itapoá anunciou durante dias a transmissão do jogo e acho que naquela noite a Bahia parou para ver a partida de Pelé, Coutinho, Pepe e Cia contra os tricolores. Na ocasião, um jornalista chegou a recordar que no próximo ano seriam comemorados os dez anos da conquista da Taça Brasil me exatamente sobre o adversário do jogo á noite. Quem sabe se o tricolor, assim como naquela época, não surpreenderia começando uma reação no “Robertão”?
Lá em casa mesmo todo mundo parou pra assistir o jogo que foi ao ar depois da novela. Até minha mãe ficou dando umas olhadinhas pra ver se via a caveira o Bahia. A TV entrou no ar e os jornalistas estavam animados e, a animação aumentou quando Biriba abriu o placar pro tricolor aos quatro minutos.
Nem precisou de disco voador!
Foi uma decepção lá em casa. Ainda mais que ouvimos os gritos da casa vizinha. Será que era a recuperação tão ansiada pelos torcedores? Mas, o Santos nem deu bola continuando a jogar como se nada tivesse acontecido. O Bahia então recuou e deixou o campo aberto para o peixe tocar a bola. Não me lembro de quem empatou e desempatou para os paulistas.
O que me lembro é que o locutor da TV só fazia reclamar da “má sorte” do esquadrão, e a bola só ficava do meio do campo para frente santista, só se falando dos nomes de Dorval, do maestro Zito, das infernais tabelinhas entre Pelé e Coutinho, e das “bombas” de Pepe. Veio o terceiro, o quarto e quando entrou o quinto gol o juiz ficou com pena e encerrou o primeiro tempo.
No intervalo os vizinhos foram para a rua e não mais voltaram pra assistir a TV. Mas agente “tava colado” querendo mais. Éramos mesmo insaciáveis querendo ver a desgraça do Bahia. O telefone não parava. Rubro negros riam “às bandeiras despregadas”. Nunca vi o pessoal querer tanto que passasse rápido os comerciais para voltar a transmitir da vila famosa.
Êta turma de "miseravão"!
Veio o segundo tempo e o Santos não diminuiu o ritmo. Entrou o sexto, o sétimo, o oitavo e o nono e “painho” ainda pedia o décimo. Só Pelé fez uns três ou quatro. O ataque cardíaco tricolor conseguiria diminuir o massacre anotando o segundo gol.
Queríamos que o jogo não terminasse jamais. Nunca rimos tanto lá em casa. Dormi pensando no que ia gozar com a cara dos torcedores tricolores na vizinhança e no Colégio Hugo Baltazar da Silveira onde estudava contabilidade (um horror!).
Quanto ao Bahia continuou a sua sina. Depois dos vexame fora faria quatro partidas em casa. Perderia do Bangu (0 X 1) e Fluminense (1 X 3), empataria com o Atlético Paranaense (1 X 1) e venceria o pobre alvi negro de General Severiano (1 X 0). Sairia de novo para fazer o clássico dos desesperados contra o Náutico perdendo de novo (0 X 1) e, quando ninguém esperava mais nada do elenco, começou a ganhar.
Não adiantou nem amarrar pois não pararam de fazer gols!
Derrotou o Flamengo (2 X 1), o São Paulo (23 X 1) e o Vasco da Gama (3 X 1). Nada disso conseguiu lhe livrar de ser o lanterna do Grupo B, enquanto o Náutico ficaria com a lanterna do Grupo A. Foi assim que a miséria nordestina se transplantou pro futebol.
· Agradeço o site Bola na Área e aos blogs submarino.com.br, cameraonda.com.br e falasparadoislados.com.
Nenhum comentário:
Postar um comentário