terça-feira, 21 de setembro de 2010

O maior público e a maior tragédia da Fonte Nova

                     

Há dois erros na história da Fonte Nova que devem ser corrigidos. O primeiro deles é que a maior tragédia da Fonte Nova ocorreu durante um jogo do Bahia  ocasionando a interdição do estádio. E o outro é que o maior público do estádio foi verificado num jogo do Bahia contra o Fluminense do Rio de Janeiro. A verdade é bem outra.

A maior tragédia da história do nosso estádio se deu quando da inauguração da sua parte superior em 1971. E neste mesmo dia compareceu o maior público de nosso futebol. O estádio havia sido ampliado, acrescentando-se um anel superior ao primeiro lance de arquibancadas que existia desde os anos 50. Sua capacidade aumentou de 40.000 para mais de 90.000 pessoas. Nesse dia estava “socado” de gente. Depois divulgaram um público de 94.000 pessoas, mas havia muito mais, inclusive por terem mandado abrir as portas. Eu e meu irmão ficamos apertados nas arquibancadas e muita gente ficou em pé no anel da ferradura.  

Nesse dia havíamos ficado aborrecidos na preliminar, quando nosso arquirrival ganhou do Flamengo por um a zero e, na partida principal, já apanhávamos pelo mesmo placar do Grêmio. Estávamos sentados na parte de cima da torcida do Vitória quando vimos o mundo vir abaixo no segundo tempo. Não sabíamos como havia começado, apenas víamos um mar de gente correndo e caindo do segundo para o primeiro nível das arquibancadas. Na torcida do Vitória todo mundo corria não se sabendo bem pra onde, pois o estádio “balançava” provocando uma verdadeira histeria coletiva parecendo mesmo que ia cair.

Nesse dia eu passei vergonha! Abandonei o meu irmão menor e saí  correndo, me pendurando na grade que separava a arquibancada do setor das cadeiras. Enquanto isto via gente se jogando no fosso e adentrando um campo que já abrigava milhares de pessoas. Mesmo estando lotada a torcida do Vitória esvaziou em poucos minutos. Depois de algum tempo pendurado, e com a redução dos tremores, me dei conta do ridículo da minha atitude. Ora, se o estádio fosse cair mesmo, pouco iria adiantar estar pendurado na grade!

Só aí me lembrei de meu querido irmão, procurando ver onde estava. O descobri então um pouco atrás, pendurado como muitos na mesma grade. É que vários imitaram o meu gesto desesperado. Olhamos então para a nossa volta. O quadro era dantesco. Nunca vou me esquecer. Dezenas de milhares de pessoas andavam a esmo. Outros milhares estavam no campo, muitos estirados imóveis, outros sendo socorridos, e ainda outros sendo levados por ambulâncias.

Imaginamos então o que nossos pais deviam estar pensando nesta situação e então subimos correndo a Ladeira da Fonte de volta pra casa.

No outro dia o que foi divulgado pela imprensa não era nada parecido com o que presenciamos. Não era á toa! É que se tratava de um ano eleitoral, o próprio presidente Médici estava entre os assistentes(deve ter corrido apavorado também), e a imprensa estava sob a mais rígida censura. É por isto que até hoje divulgam estas absurdas mentiras, a de que houve apenas dois mortos e dois mil feridos e a de que estiveram ali apenas 94.000 pessoas.  

Circularam na imprensa também, várias versões sobre o que teria ocorrido. Uma delas afirmava que a tragédia havia sido deflagrada por uma lâmpada que havia explodido. Outra que teria havido uma briga envolvendo várias pessoas. Independente do motivo, na minha opinião o que pesou mesmo no incidente foi o inconsciente coletivo.  Durante as semanas anteriores os meios de comunicação deram ampla cobertura a uma discussão sobre a segurança do estádio com alguns especialistas levantando duvidas da sua eficácia. O radialista França Teixeira foi o que mais fez agitação em torno desta questão.

Ah, quase me esqueço! Quando saímos correndo do estádio vimos em suas proximidades uma pichação contra o governo militar, que soube muito tempo depois tratar-se de uma iniciativa do grupo Ação Popular-AP.

2 comentários:

  1. Franklin,

    Ficamos muito orgulhosos e felizes pela iniciativa. Seu blog é muito interessante. Iremos ler com carinho suas publicações e acompanhá-lo.
    Um abraço
    Evandro e Cláudia

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  2. Franklin
    Muito bem lembrado. Eu estava lá!!! Foi exatamente como vc descreveu. Eu, amigos e familiares, conscientes do perigo, e tentando nos proteger da multidão apavorada, ficamos atrás de uma das colunas de sustentação por acreditar serem mais difíceis de tombar e, de lá, podemos ver um curto circuito num dos conjuntos de Holofotes, o que acredito motivou a correria pois as pessoas ali presentes estavam temerosas do estádio não suportar o público que o superlotava... Ficávamos brincando e comentando que ia cair, bem antes da confusão e isso ia sendo passado de boca em boca. A trepidação sentida sob nossos pés adveio exatamente do povo todo se deslocando às pressas para as saídas. Eu rezava contritamente implorando que nada acontecesse comigo. Saimos ilesos do estádio... mas vimos como o povo se descontrola diante de determinadas situações de perigo...

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