quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Assistindo ao Miss Bahia no “Balbininho”



Ninguém sabe bem sua origem, no entanto os concursos de beleza ”pegaram” muito bem na sociedade nacional-desenvolvimentista que se instalou no século passado no Brasil. Uns dizem que vem na mitologia grega do culto a Afrodite. Outros afirmam que tem origem no culto pagão á Primavera. Há quem vá buscar na escolha da imperatriz da China as antecessoras das misses.  O certo é que deve ser um mix de tudo isto, naturalmente, reforçados pelo machismo reinante que reconhecia nas mulheres papel de reprodução familiar.
Com o capitalismo as sociedades reforçaram a característica da mulher-objeto, com seus atributos físicos vendidos como qualquer outra mercadoria.  Os concursos de beleza surgiram no Século XIX ainda sem caráter oficial aparecendo ao mesmo tempo do surgimento da fotografia e da inserção desta na mídia escrita. Conta-se que nesta época foi eleita a primeira miss no Rio de Janeiro em 1865. No entanto, somente nas primeiras décadas do novo século ganhariam maior regularidade. Em 1930, no concurso Miss Universo realizado no Rio de Janeiro, o júri deu a vitória para uma conterrânea, a gaúcha Yolanda Ferreira. No entanto este concurso continuaria não oficial por mais duas décadas.
No Brasil o concurso só é reconhecido oficialmente em 1954 sendo ali reconhecida a beleza das mulheres baianas. Na ocasião, a beleza estonteante da baiana Martha Rocha arrebata os que estavam no Hotel Quitandinha em Petrópolis-RJ conquistando o primeira título de Miss Brasil. O júri do Miss Universo realizado nos EUA deve ter ficado bastante constrangido ao dar o título a uma sua conterrânea, Mirian Stevenson, cabendo à baiana apenas o segundo lugar. Eram tempos de estremecimento nas relações desse país com o Brasil, que neste mesmo ano vai aprovar a Lei 2004 constituindo a PETROBRAS. Um mês depois do concurso o presidente Getúlio Vargas enfia uma bala na cabeça denunciando “decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais”.
Nessa época não assistia o Miss Bahia, só me lembrando da revolta da minha mãe com as tais “duas polegadas a mais” que entraram na mitologia do concurso. Passariam alguns anos para que fôssemos ao concurso no Ginásio Antônio Balbino (“Balbininho”).
Antes que minhas leitoras me chamem de machista devo dizer que só compreenderá o que significaram esses concursos quem viveu na nossa época. É claro que houve sempre quem criticasse o concurso, particularmente chamando a atenção para outras qualidades das mulheres que não o seu aspecto físico.  A ideologia conservadora também era denunciada por grupos internacionais. No entanto, a própria mídia usava seus argumentos para promover o certame.  Com o tempo, o concurso tornou-se um caminho para a ascensão profissional como modelo, atriz ou jornalista.
Naquele tempo ia à família toda. Sentávamos nas arquibancadas e ficávamos durante horas vendo o desfile. O ginásio ficava cheio, inclusive com delegações do interior, todo mundo torcendo por suas candidatas.
Apesar de a mídia divulgar antecipadamente as candidatas nós costumávamos não tomar partida. Preferíamos acompanhar os desfiles de vestido de noite e de maiô (não existia ainda o biquíni). Quando a TV surgiu a Itapoá entrou logo na jogada. Aí fazia entrevista com as candidatas e, inclusive, os próprios jornalistas da emissora trabalhavam como apresentadores do concurso. O que me recordo era das besteiras que diziam. Muitas só tinham beleza e nada mais. Houve uma que demonstrou completo desconhecimento sobre o que era uma pinacoteca. Outra confundiu monumentos baianos. Mas, nesse tempo onde se culpa a imprensa por tudo que acontece, quero dizer que os responsáveis por essas gafes eram os jornalistas que ficavam fazendo perguntas “difíceis”.
Depois do concurso ficávamos aguardando pra ver pela TV Itapoá o Miss Brasil. Na ocasião presenciamos várias “injustiças” com a desclassificação das baianas, mas também de suas seleções entre as melhores.  Isso, entretanto, era logo esquecido com a emoção da vencedora que desfilava acompanhada por musicas tocantes. Confesso que chorei muitas vezes nestas ocasiões, principalmente quando ganhamos.
Os anos 60 foram gloriosos para o Miss Bahia. Ali vimos no “Balbininho” (e não gostamos) a itabunense Maria Olívia Rebouças Cavalcanti destronar várias candidatas da capital e de outros municípios e ganhar o título em 1962. Conquistaria mais tarde o Miss Brasil no Maracanãzinho e ficaria em quinto lugar no Miss Universo. O que lhe faltou na ocasião, sobraria para outra gaúcha, Ieda Maria Vargas, no próximo ano. Mas a sensação mesmo ficaria com Martha Vasconcelos, que vingaria a sua homônima 14 anos depois. Após ganhar de “barbada” o Miss Bahia arrebataria novamente no Maracanãzinho o Miss Brasil, e no Auditorium em Miami Beach o Miss Universo.
Na ocasião o apresentador foi o norte-americano Bob Barker, mas aí a política norte-americana era outra com o continente. Os EUA eram governado por Lyndon Johnson, que havia sido vice de John Kennedy e, apesar de ser do “Partido Democrata”, havia ajudado a derrubar Jango e financiou os primeiros anos da ditadura militar brasileira. A formidável conquista nunca mais foi repetida pelas baianas. Nossa família foi toda pra Avenida Sete ver o desfile em carro aberto onde à outra Martha desfilou acenando para milhares de pessoas.  

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A Fonte Nova e minha militância política



No ano que vem completarei cinquenta anos como apreciador de futebol. Como não me lembro de nada no tempo em que meu pai, que era jogador e remava no EC Vitória, me levava pra entrar na Fonte Nova com o clube nos jogos, tenho que contar do primeiro jogo que assisti das arquibancadas, quando o EC Bahia decidiu com o Santos a terceira Taça Brasil.

No entanto, apaixonado por futebol, fui surpreendido pelo absoluto desprezo com que os militantes das organizações políticas que participei tratavam o futebol. Quando passei a orbitar em torno da política estudantil já era assim. E aí não dava pra ficar calado quando marcavam reuniões exatamente na hora dos jogos. Neste momento os demais, mesmo com suas simpatias clubísticas, me deixavam sozinho nesta questão.  

-Mas porque não pode ser em outra hora ou um dia depois?

-Aí se arranjava as desculpas mais esfarrapadas pra fazer a reunião coincidir com o jogo com a nítida intenção de me colocar perante um impasse afim de que fosse “testado” o meu nível ideológico.

Hoje a realidade dos grupos de esquerda é outra em relação a esse tempo. Os militantes são capazes de preservarem seus clubes e encontro alguns deles quando compareço ao Barradão. Recentemente, o saudoso amigo Paulo Colombiano, diretor do Sindicato dos Rodoviários e militante do PCdoB, foi enterrado envolto na bandeira do Vitória. Aliás, aproveito a ocasião para exigir que a SSP-Bahia acelere as investigações sobre as circunstâncias de seu covarde assassinato.

Mas até atingir a cidadania esportiva foi um parto. Tive que enfrentar toda sorte de incompreensão dos dirigentes da APML, OCDP e MCR para comparecer aos jogos de meu clube na Fonte Nova. Convivi com esses trogloditas esportivos, chegando a abrir mão de certos jogos (quase sempre quando não haviam decisões importantes). Tendo que omitir o dia e horário deles sempre que podia, inclusive para que pudesse faltar a algumas reuniões e não sofrer chacotas e reprimendas.  

Ao longo de minha atuação politica nesses anos acompanhei como pude os campeonatos ganhos pelo meu clube. Como naquela época foram poucos (1972, 1980, 1985, 1989 e 1990) deu pra “conciliar” com a militância política e cultural.  

Posteriormente, tive oportunidade de entender que essas atitudes provinham de um profundo distanciamento das “massas”, que se expressava na discriminação do principal esporte popular, o futebol. Recentemente, ajudou as minhas reflexões sobre o fenômeno, a leitura da dissertação “O descobrimento do futebol”, de autoria de Bernardo Borges Buarque de Holanda, defendida no Programa de Pós-Graduação de História Social da Cultura da PUC-RJ.

No trabalho o autor examina o aparecimento do tema na obra dos chamados modernistas da literatura brasileira. Informa-nos que nos anos vinte esses consideraram o esporte como “subproduto da importação” que era transplantada por uma elite política anglófila e francófila movida por novidades e pelo exotismo. Caracterizaria a dependência cultural brasileira. O saudoso Mario de Andrade, apesar de observar o entusiasmo com que o esporte era percebido, chega a classifica-la de uma “moda fútil”, entre as inúmeras que aqui aportaram vindas da Europa. O escritor Antônio de Alcântara Machado teria sido o primeiro a observar em 1927 o futebol de outro ângulo em seu conto Corinthians 2 versus Palestra 1.

Nos anos 30 o futebol tomaria outra dimensão. São realizadas três copas do mundo e realizados torneios sul-americanos. Craques como Friendenreich e Domingos da Guia criam dificuldades para ignorar a recepção do esporte em nosso país, embora a participação brasileira nestes torneios ainda fosse precária.  

No entanto, uma visão diferente só iria se disseminar na década seguinte. Surgem grandes times, entre eles o Flamengo que obtém o seu primeiro tricampeonato. O esporte é usado ostensivamente pelo Estado Novo em grandes eventos, aos quais comparecia o próprio presidente Getúlio Vargas que utilizaria inclusive em seu governo intelectuais modernistas.

O debate, entretanto, seria retomado por “regionalistas” como o sociólogo Gilberto Freyre e o escritor Jose Lins do Rêgo, o primeiro preocupado em assinalar a importância da mestiçagem brasileira na adoção do esporte, e o segundo, salientando o tema em sua literatura e tornando-se dirigente de ligas da época. O ápice desta tendência se registra na obra do jornalista Mário Filho (que depois daria o nome do Maracanã) e que escreveria quatro livros sob a temática do futebol, entre eles uma História do Flamengo (1945). O futebol ajuda inclusive a desenvolver o gênero das crônicas desportivas.

A adesão ao futebol por vários intelectuais não afasta a incompreensão que se registra na própria obra de homens como Osvald de Andrade que na época, na contramão do esforço de compreensão do fenômeno futebolístico, publica um manifesto contra o futebol taxando-o de “novo ópio” do povo. 

Se meus camaradas de esquerda da época tivessem se preocupado em ler tais coisas talvez tivessem tido um comportamento menos sintonizado com o elitismo de tais representações futebolísticas, aliás, já abandonado por setores mais esclarecidos.  

terça-feira, 28 de setembro de 2010

O show de Jimmy Cliff e Gilberto Gil na Fonte Nova


O estádio da Fonte Nova, tal como o Ginásio Antônio Balbino, não foi utilizado em sua história apenas para práticas desportivas. A inexistência, durante muito tempo, de equipamentos em Salvador deste porte fizeram com que fosse utilizado pera méga espetáculos tão logo se desenvolveu por aqui a indústria cultural.

Se nos anos 60, 70 e 80, já era utilizado para as Olímpiadas da Primavera, para fins de mobilização civil e, posteriormente, para atividades religiosas e até para lutas de boxe, o que chama mesmo a atenção são os shows musicais. Além dos artistas citados aqui se apresentaram os Menudos (1985), Xuxa (1989) e Ivete Sangalo comemorou seus dez anos de carreira gravando DVD (2003).

Nos anos 70 o movimento Black chegava a Salvador depois de alcançar seu ápice no Rio de Janeiro. Sob a influência da chamada abertura política aportariam a dance music, Michael Jackson e outros artistas negros. O reggae ainda não havia deslanchado em nosso país apesar da simpatia dos maranhenses. Naquele ano, porém receberíamos visitas ilustres. Bob Marley viria ao Rio de Janeiro para divulgar o gênero. Peter Tosh se apresentaria em São Paulo durante o Festival Internacional de... Jazz no Centro de Convenções. E Jimmy Cliff viria passar uma temporada em Salvador.

Gilberto Gil, que há certo tempo havia enveredado por uma musica dançante que lhe permitiria gravar o álbum Realce, traduz então o hit No woman no cry de Bob Marley e The Wailers, que em português levou o nome de Não chores mais. A popularização do ritmo necessitou de méga espetáculos pelo Brasil, com a dupla Jimmy Cliff e Gilberto Gil onde se apresentariam no “Geraldão” (Recife), no “Mineirinho” (Belo Horizonte), no estádio da Portuguesa (São Paulo), no “Maracanãzinho” (Rio de Janeiro) e na Fonte Nova.

Naquele tempo eu era um militante político, recentemente saído dos bancos da UFBA, e iniciando-me no movimento sindical. Lembro-me de que participei da solidariedade aos metalúrgicos de São Paulo que realizavam a maior greve de sua história pouco antes do show na Fonte Nova. Na ocasião, a falta de acordo entre operários e patrões sobre o índice de aumento levaria a greve, e com ela, a uma pesada repressão. O II Exército organiza uma verdadeira operação de guerra, que coloca São Paulo sob seu comando, ocupando as cidades afetadas (inclusive parte da capital) utilizando armas pesadas, veículos blindados, helicópteros, tropas de infantaria e de choque. Centenas de trabalhadores são presos, e o ministério intervém novamente nos sindicatos, destituindo e prendendo lideranças proibindo as empresas de negociarem diretamente.
No dia 24 de abril completei 32 anos, comemorados em uma passeata de solidariedade aos metalúrgicos e a Igreja Católica. A repressão havia prendido diversos dirigentes sindicais em Santos, Santo André, São Bernardo e São Caetano, entre os quais Lula, seu irmão Frei “Chico”, Arnaldo Gonçalves, Devanir Ribeiro, José Cicotti e Djalma Bom. Aqui na Bahia o movimento foi organizado pelo Comitê de Solidariedade aos Metalúrgicos e “o pau comeu”, com a PM utilizando milhares de soldados espalhados pelo trajeto entre o campo Grande e a Praça Municipal.

Cães foram jogados contra os manifestantes e houve por volta de quinze prisões. A ordem era impedir qualquer aglomeração. Na ocasião o governador ACM (que deu a ordem de repressão de acordo com o governo Figueiredo) tentou colocar a culpa na “intransigência” do deputado Elquisson Soares. A ironia da repressão policial foi que, pouco tempo depois, o governador mandava demitir dezenas daqueles soldados por tomarem parte de uma tentativa de greve na corporação.

O show de Jimmy Cliff e Gilberto Gil na Fonte Nova seria logo depois.
No período milhares de pessoas haviam ocupado a embaixada do Peru em Havana e ocorre a morte de Tito na Iugoslávia. Naqueles dias realizamos participei do dia internacional dos trabalhadores realizado, pela primeira vez, em local aberto, onde havia sido liberado o Campo Grande. A chegada do jamaicano coincidiu com a apresentação da cantora Mercedes Sosa no TCA e com o início da prática do topless que, entretanto, iria causar sérios constrangimentos e agressões às mulheres pioneiras na Praia dos Artistas.

Muitos repetem o número de cinquenta mil pessoas, mas creio que havia mais. O estádio tinha poucos claros estando bem cheio, parecendo dia de “Ba-Vi”. Tecnicamente o espetáculo teve muitos “furos”. Acho que foi a primeira vez que um espetáculo desses ocorreu na Bahia.

Já admirava Bob Marley há certo tempo, mas foi o primeiro show de reggae que fui. A entrada foi uma confusão só. A venda de bebidas “correu solta”. Creio que entrou muita gente de graça. O retorno do som estava longe de ser dos melhores. Mesmo assim quando os artistas começaram a cantar agradaram em cheio. A esta altura do campeonato não me lembro mais das musicas que tocaram, mas uma das mais aplaudidas foi o sucesso No woman no cry cantado pela dupla em português e em inglês.

Dois meses após o espetáculo presenciaríamos mais um, a visita do papa João Paulo II a Bahia. Na oportunidade passa aqui dois dias. No entanto, seja por motivos políticos do regime ou intenção da alta hierarquia da Igreja Católica, sua agenda e sua segurança foi um sufoco. Teve aparições no Campo Grande, CAB, Igreja NS dos Alagados, Catedral e Centro de Treinamento de Lideres em Itapoá, em algumas delas meteoricamente. Quem achou que viria condenar o regime militar se machucou. O discurso de João Paulo II foi praticamente restrito a questões eclesiais e de evangelização. Figueiredo aproveitaria a visita do papa ao Brasil para defender a “união nacional”.

A Escola de Musica onde eu trabalhava fez uma homenagem ao papa na ocasião, realizando um concerto na reitoria, para o qual foi encomendada ao colega Lindenberg Cardoso a Missa Joao Paulo II na Bahia que depois gravamos. Desta vez, porém, não se usaria a Fonte Nova, particularmente por se esperar um público ainda maior. O maior evento foi à missa no CAB, estimando-se em 500.000 os que ali compareceram. Um coral de seiscentas vozes se apresentou no palanque, sendo acompanhado ao órgão pela saudosa colega Hildebranda Káteb (“Dedé”).

No entanto, bastou o papa sair do país para recomeçar a repressão provisoriamente interrompida. Um atentado a bala em São Paulo atinge o prédio onde funcionavam a sede do PT e a anistia. O jurista Dalmo Dallari é sequestrado e é assassinado o sindicalista Wilson de Souza Pinheiro. Duas bombas explodem no Rio de Janeiro, na sede da OAB (morte de Lyda Monteiro) e no gabinete do Vereador do PMDB Antônio Carlos. E até em Salvador cartas-bomba são enviadas a donos de bancas de revistas em função da venda de jornais alternativos como o Em Tempo.

Naquele ano os baianos veriam a interrupção da maior sequencia de títulos já ocorridos na Bahia, o heptacampeonato do EC Bahia, com a conquista do EC Vitória derrotando o Galícia na final por 1 X 0, gol de pênalti cobrado pelo zagueiro Paulo Mauricio, para cinquenta mil pessoas. O time na ocasião tinha como técnico o gaúcho Carlos Froner e tinha jogadores como o centro avante “Careca”, o zagueiro “Xaxa” e o meia Alberto “Leguelé”.









segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O único campeonato do Ypiranga na Era da Fonte Nova

Criado por trabalhadores de ofícios e negros como reação aos clubes criados pelas elites e classes médias o glorioso Esporte Clube Ypiranga é o segundo mais antigo do estado em atividade. O clube conquistaria dez campeonatos baianos sendo o primeiro obtido no ano da revolução soviética, seguido imediatamente de bicampeonato.
O estádio da Graça foi inaugurado em 1920 como o grande templo do clube que ali, na década de vinte, acumularia metade dos títulos, e inclusive dois bicampeonatos. A adoção do profissionalismo, porém, imporia um sério revés ao Ypiranga que, ainda obteria dois títulos nos anos 30, para “passar em branco” os anos 40. A pá de cal definitiva no clube seria jogada pelo clima de desenvolvimentismo que percorreu o estado nos anos 50, cujo ícone futebolístico foi à construção de um estádio mais sintonizado com o entretenimento de massa, a Fonte Nova, estádio onde seria exacerbado o profissionalismo e ofuscadas as glorias do Ypiranga.
Curiosamente, o estádio que seria tão hostil ao Ypiranga veria o primeiro campeonato ser conquistado pelo clube. Pelo menos alguns jogos, pois não deixariam que a decisão fosse jogada ali. Durante a década de 50 pagaria com sobras esta façanha, com a consolidação de um novo clássico no estado, o BA-VI. No entanto foi ainda possível manter a pluralidade do nosso futebol até o início dos anos 70, agora o clube se reduziria apenas a conquistar torneios inícios, o que faz em 1956, 1959 e 1963. 
Quando a CBD faz a opção pela representação fixa daqueles no Campeonato Brasileiro se dá o naufrágio de vez do Ypiranga, assim como de outros clubes tradicionais como o Botafogo e o Galícia. Não haveria espaço para mais de dois clubes na capital, que iria engolindo vorazmente o Leônico, o Monte Líbano, a AABB, o Redenção, o Guarany e o São Cristóvão.  Quanto ao Ypiranga e Galícia resistem bravamente na segunda divisão.
Mas lembremos da última façanha do Ypiranga, a conquista do campeonato de 1951. Na verdade devemos falar de campeonato 1951-1952, pois o campeonato se estendeu de abril a fevereiro. O regulamento dos certames da época previa a disputa em três turnos dando ao clube que ganhasse mais de um turno a vantagem de jogar uma partida final pelo empate.  Só participaram clubes de Salvador e os clubes fariam seis partidas em cada turno.
O campeonato começou apenas três meses após a inauguração do novo estádio, ainda só com poucas arquibancadas e pegando 20.000 pessoas. Desenrolou-se em meio de obras que se estenderiam por uns oito anos. O Ypiranga teria o prazer de jogar na Fonte Nova o Torneio Início(onde perderia a final para o Bahia) e um clássico contra o Bahia. E foi só! Estrearia na Graça, empatando contra o Guarany de 1 X 1 fazando uma campanha regular no primeiro turno onde ficando em terceiro lugar e sofreria sua única derrota em todo o campeonato, 2 X 0 para o Galícia. O clube obtém apenas duas vitórias, contra três empates e uma derrota, sendo o turno empalmado pelo EC Vitória que, no entanto, seria esmagado pelo Ypiranga no campinho da Graça por cinco a zero.
A derrota do primeiro turno seria aprendida pelo clube que não mais perderia turnos nem partidas. Com uma capacidade enorme de reação o time começaria o segundo turno, ainda no campo da Graça, com quatro empates de 1 X 1(contra Guarany, Galícia, Vitória e Bahia) deixando pra ganhar o turno nos jogos finais contra São Cristóvão (2 X 1) e Botafogo (1 X 0). A estratégia se repete no terceiro turno quando, faltando duas rodadas para o final, supera Bahia e o Vitória.
Parte então para a decisão do título em partida que poderia ser fulminante para a obtenção do título que não conquista há doze anos.  A ingratidão da Fonte Nova com o Ypiranga se manifesta inclusive nesta situação. É que não deixaram que o jogo final fosse disputado no estádio tendo que os finalistas se contentarem a decidir o título no acanhado campo da Graça. Foi por isto que intitulamos este artigo de título obtido na “era da Fonte Nova”, pois, na verdade, o clube jamais ganhou um título naquele estádio.
Naquele dia de fevereiro de 1952 o Ypiranga entrou no campo da Graça no tradicional esquema WM com Ferrari, Pequeno e Valder; Valter, Zizo e Raimundo I; Antônio Mário, Chaves, Novinha, Israel e Raimundinho. A renda apurada foi apenas de Crs. 59.047,00. O Vitória saiu de novo na frente, com Juvenal anotando belo gol aos 17 minutos do primeiro tempo. Mas os deuses do futebol não permitiriam que o Ypiranga passasse um mau pedaço. Nove minutos depois Raimundinho chutaria de fora da área e Periperi, que tinha vários jogadores á frente, aceitaria, fazendo com que o primeiro tempo terminasse empatado. Bastaria administrar o segundo tempo para garantir o título para o clube amarelo e preto.
No próximo ano completará sessenta anos desta conquista, ao mesmo tempo do aniversário da Fonte Nova. Não seria o caso de celebrar esta façanha?

·         Agradeço as informações constantes dos arquivos de Alexandre Alves Lima.

Chuva de balas na Fonte Nova

                                                      
Em 1967 o campeonato baiano foi definitivamente interiorizado. Até então só o Fluminense de feira vinha participando. Neste ano, porém, metade dos quatorze times que disputaram era do interior, entrando o Bahia (Feira), o Itabuna, o Conquista, e três clubes de Ilhéus (!), o Vitória, o Flamengo e o Colo Colo. 
A inspiração era justa quebrando sessenta anos de predomínio absoluto da capital do estado no futebol e tornava o nosso campeonato realmente estadual e não resumido aos clubes de Salvador. Não faltou quem contestasse a novidade. Havia quem achasse “muito” a inclusão de chofre de sete clubes. Outros objetavam a entrada de dois clubes de Feira de Santana e três de Ilhéus.
O futebol nesse último era bastante antigo, remetendo ao início do século passado. Seu estádio havia sido construído nos anos 30 como um dos mais modernos do país. Mas o período áureo do futebol da cidade começou neste ano. Depois surgiriam o Ilhéus e o River nos anos 90, e o Colo Colo se sagraria campeão baiano de 2006 aproveitando-se de uma situação onde os grandes clubes da Bahia estavam na terceira divisão.
No entanto, mesmo com toda a justiça, só houve vontade política da interiorização após sair do governo o municipalista Antônio Lomanto Jr.
Eu e meu irmão “Toínho” éramos assíduos á Fonte Nova. No campeonato deste ano estreamos uma enorme bandeira amarrada a um cano de mais de dois metros de altura. Era a maior da torcida do EC Vitória e tínhamos orgulho de balança-la ao vento. Cedo, porém percebemos que dava um trabalho danado. Nos jogos pequenos podíamos ficar com a bandeira em pé nos revezando no trabalho. No entanto nos jogos maiores tínhamos de erguer e baixar constantemente, pois incomodava quem estava sentado atrás.
Em um desses jogos pequenos, quase houve uma tragédia na Fonte Nova. Era um dia de noite e jogavam Vitória X Flamengo de Ilhéus. Nosso time estava se arrastando no campeonato e neste dia jogava ainda pior. O primeiro gol do time de Ilhéus foi recebido por nós como “fogo de palha”, só se preocupando quando saiu o segundo. Nesta ocasião um sujeito que estava sentado um pouco acima de nós começou a falar bastante alto demonstrando satisfação com o resultado. Isto nos irritou bastante!
Mais tarde, quando o Flamengo fez o terceiro gol o sujeito pulou e comemorou. Era um acinte, e não podíamos permitir isto dentro da nossa própria torcida. Aí, não nos fizemos de rogado. Levantamos eu e meu irmão e tacamos-lhe a pesada bandeira nas costas. Qual não foi a nossa surpresa quando o “cara” meteu a mão na cintura e sacou de uma arma começando a ameaçar a todos.
Foi uma corrida só de torcedores para todos os lados. Eu e meu irmão pulamos para degraus das arquibancadas situados mais abaixo e, protegidos convenientemente, começamos a xingá-lo de nomes impublicáveis. O “cara” ai começou a dar tiros pra cima.  Só parou quando chegou à polícia e o levou! Nós fomos cumprimentados pelos torcedores, mas não havia mais clima para o jogo. O Vitória fez dois gols, mas o jogo se arrastou até o final na mesma toada, apresentando ao final o resultado de 3 X 2 para os nossos adversários. Mas, pelo menos, neste dia conseguimos sair vivos do estádio.

Os torneios inicios da Fonte Nova


Os “torneios inicios” surgiram no Brasil uma década depois de começarem os primeiros campeonatos estaduais. Na ocasião, a iniciativa ocorre no Sudeste em um mundo conflagrado pela Primeira Guerra Mundial. A Associação dos Cronistas Desportivos é a primeira a realiza-lo no Rio de Janeiro sagrando-se o Fluminense como campeão, sendo logo seguido por Minas Gerais e Espírito Santo.
O Paraná ainda o realiza em 1918, mas as demais regiões brasileiras só iriam fazê-lo no pós-guerra e, até, nos anos vinte. Assim, começa uma nova fase do empreendimento onde a Bahia entra na promoção em 1919, ao lado de São Paulo e Pernambuco.
Os anos do pós-guerra, porém, foram muito atribulados. O Brasil perde seu presidente Rodrigo Alves assumindo o vice Epitácio Pessoa. Na Bahia ocorre o episódio conhecido como “Revolta do sertão”, onde tradicionais coronéis marcham para Salvador durante a sucessão do governador Antônio Ferrão Moniz de Aragão. O episódio se projeta também para o futebol, cujo campeonato transcorre em meio a uma crise somente solucionada com a presença do presidente da liga do Rio de Janeiro. Os baianos chegariam a um entendimento para a criação da Liga Bahiana de Desportos Terrestres e o Sport Club Victoria retornaria as competições de futebol.
A promoção parecia ter vindo pra ficar. Na época poucos clubes participavam do campeonato. O evento era uma verdadeira abertura solene do campeonato e, mais do que este, todos tinham chances de ganhar o título. Os clubes traziam seus melhores jogadores que competiam entre si em partidas de vinte minutos (divididas em dois tempos de dez minutos), aspirando chegar a uma final onde se jogava por uma hora, também dividida em dois tempos. Em função dos constantes empates de zero a zero que surgiam nos jogos normais, o regulamento foi sendo aperfeiçoado passando a prever uma série de critérios de desempate, como pênaltis e até corners (o que chamamos hoje escanteios) e bolas na trave.
Alguns clubes se tornaram verdadeiros “papões” de torneios inicios, sendo os mais famosos o ABC, com 33 títulos, o Rio Branco (ES), com 24 títulos, e o Sport Clube Recife, com 18 títulos. O primeiro ainda apresenta a formidável marca de ter sido octa campeão, durante a transição do amadorismo para o profissionalismo, entre 1935 e 1942. O Vitória, apesar de deter o maior número de torneios na Bahia com onze títulos, figura apenas em 12º lugar no ranking nacional, depois de América (RN), América (MG), Avaí, Náutico, Santa Cruz, Figueirense, Ceará e Fortaleza.
A Fonte Nova guarda o marco de ter feito 21 desses torneios, embora tenha sido aonde estes chegaram ao fim. Apesar de esses terem durado até 1980 no estado, e em outros locais até mais tarde, desde o final dos anos 50 a promoção se mostrar incompatível com o interesse insaciável dos clubes, federações e empresários de auferir lucro. Entre os anos 50 e 60 o torneio deixa de ser realizado em uma série de estados importantes, embora em outros tenha sobrevivido por mais tempo. Na Bahia, sua regularidade termina em 1967, quando o título é conquistado pelo EC Bahia. Por coincidência, na contramão dos anos do chamado “milagre econômico”, entre 1968 e 1973. Seu retorno, porém, é por pouco tempo, recomeça em 1975, é novamente suspenso por dois anos, até que sobrevêm as suas três edições finais, cuja última em 1980, foi ganha pelo EC Vitória decidindo o título contra a extinta AABB.
Podemos dizer que na velha Fonte Nova a marca da pluralidade com que o torneio foi criado se manteve. Em nosso maior estádio sete clubes conquistaram os vinte e um títulos desses torneios, apresentando uma média de três para cada um, com o Vitória (5), Bahia (4), Leônico, Galícia e Ypiranga (3), Botafogo (2) e até o extinto São Cristóvão ganhou em 1966. Apesar de serem as principais forças do nosso futebol a dupla Ba-Vi só decidiu ali o torneio por três vezes, na inauguração do estádio em 1951(Bahia), em 1955(Vitória) e em 1964(Bahia).  
Nesses dias onde se fala em voltar a promover esses torneios é importante que se lembre das razões pelas quais foram extintos: cupidez empresarial, custos com o evento, deslocamentos e despesas com os jogadores, gratuidade, desinteresse de colocar os jogadores titulares, e problemas de cobertura pela imprensa.

A Mini Copa de 1972 na Bahia


Nestes tempos onde se anuncia a realização de uma chave da Copa do Mundo em 2014 em Salvador é necessário que os torcedores fiquem de olho muito aberto. É que há antecedentes históricos relativos á Copa do Mundo no Brasil. Em 1950 houve jogo da Copa em alguns estados mas preteriram a Bahia que já era um estado progressista. 

Em 1972 foi articulada outra copa no país, uma intermediária, com o objetivo de celebrar os 150 anos da independência do país, e influir nas eleições, pois ninguém é de ferro! A Mini Copa de 1972, entretanto, se constituiu de uma grande decepção, pelo menos na Bahia.

Sua realização mereceu muita mídia nacional e local. O que se afirmava era que pela primeira vez vários estados veriam as grandes seleções do planeta. Que viria até a seleção brasileira jogar aqui. Na “hora h” a prática foi totalmente diferente. Muitos craques internacionais não vieram e a prometida seleção brasileira acabou ficando no Sudeste.

Quanto as grandes seleções só me lembro da França, mesmo assim apenas em um jogo “emocionante” quando aplicou cinco a zero na... CONCACAF, um catado de jogadores feitos pela confederação de futebol da América Central para fazer vergonha na Bahia. No entanto, o torcedor baiano deu sua resposta na mesma medida, conferindo ao jogo a pior renda da rodada.



"Seu sete"

                                           
No dia 29 de junho de 1972 compareci á Fonte Nova com meu irmão pra assistir o amistoso Vitória X Ceará Sporting (é assim que se chamava naquele tempo!). Na oportunidade iriam estrear novos jogadores e o time se prepararia para disputar seu primeiro campeonato brasileiro.

A escalação do time causou certa preocupação, pois achamos que foram poupados jogadores e promovidas mais estreias do que seria prudente fazer. No entanto, estavam ali vários jogadores titulares e nos preparamos para assistir um bom jogo.
Mas o que se viu depois só reforçou nossas preocupações. A defesa do Vitória era só um avenida e a bola foi entrando uma, duas, três, quatro, cinco vezes. Quando já estava 5 X1 nem mais adiantava chamar o técnico de “burro” e os jogadores de mercenários. A solução foi rezar mesmo! Pois não é que entrou o 6º e o 7º enquanto o Vitória só fazia o segundo.

Ainda faltavam alguns minutos para o desespero geral dos poucos torcedores que aguentaram ficar até o fim do vexame. Ficamos atônitos. Era a maior vergonha dos onze anos que já torcia pelo clube. Já nem tínhamos forças pra dizer que os jogadores estavam fazendo “corpo mole”. A esta altura já não era lá muito religioso mas pedi a Deus pra acabar logo o jogo pra não tomarmos mais. Pelo menos, mais umas duas vezes os jogadores do Ceará entraram de cara e perderam gols, lembrando a nós que ainda podíamos perder de mais.

Depois da partida subimos a Ladeira da Fonte Nova com um peso nas costas e mal consegui dormir esta noite. A derrota, no entanto, era o preâmbulo de uma nova situação, onde o clube passava a disputar títulos nacionais superando a sua condição localista. Doravante começaríamos a enfrentar as vicissitudes desta  condição.

Durante um bom tempo suportamos as maiores gozações dos torcedores rivais sendo apelidados de “seu sete” . Por anos, a imprensa tricolor toda vez que o Vitória jogava com o Ceará cobrava a vingança do massacre de 1972 que nunca veio. No entanto não fazia o mesmo quando o nosso adversário sofreu antológicas goleadas como as do Santos (9X2 e 7X0), do Ferroviário do Ceará (7X3) e do Cruzeiro (7X0).

Política, alistamento militar e perda do tricampeonato

1966 foi um ano de lutas estudantis na Bahia. No caminho de minha casa não tinha como não ver os movimentos dos quais participavam inclusive colegas baderneiros entrando Neles, em sua maioria sem saber o que estavam fazendo. Para alguns, entretanto, foi à antessala de uma consciência politica.

Eu completava 18 anos e ainda estava mais pra “bater um baba” e jogar botão. No entanto, era um ano importante para um rapaz que alcançava a maioridade e teria que servir ao Exército e votar pela primeira vez.

Servir constituía uma demonstração de “civismo” que estava longe de me interessar. Assim, procurei me informar com amigos sobre como driblar a exigência obtendo a informação de que pessoas com deficiência física não eram convocados. No dia em que fui me apresentar tomei uns óculos emprestado e compareci ao Forte de São Pedro. Entrei na fila do primeiro andar e já arranjei logo problema com um oficial. É que, como a fila estava grande, peguei uma cadeira pra sentar acompanhando a fila enquanto esta andava e fui severamente repreendido.

Ao chegar a minha vez tive que tirar toda a roupa sendo examinado fisicamente. Na ocasião me pediram para tirar os óculos e ler algumas coisas o que aproveitei para mostrar dificuldades exagerando os meus problemas de visão. Depois foi só esperar o resultado e sair pro abraço. Foi à rejeição mais comemorada que tive, por “insuficiência física temporária para o serviço militar, podendo exercer atividades civis”.

Apesar de satisfeito com o diagnostico, me intrigou uma linha do documento, a que dizia que em caso de convocação deveria apresentar-me imediatamente. Apesar da preocupação a dúvida foi dirimida por meu pai que me disse isto normal e que eu não me preocupasse, pois não seria convocado. Algum tempo depois cheguei a me perguntar se ele realmente havia ficado satisfeito com a “solução”. Afinal ele era oficial da reserva do CPOR e pode ter pensado que o Exército podia ter-me “consertado”.

No futebol tínhamos superado há pouco tempo o boicote da imprensa ao nosso futebol. A razão foi o espancamento do jornalista Cléo Meirelles, atribuído ao mando do então presidente do Vitória Raimundo Rocha Pires, o “Pirinho”. Na época o jornal A Tarde chegou a divulgar que teria sido invadido por pistoleiros. Assim, as rádios não transmitiam os jogos, nem os jornais os divulgavam sendo a única forma de acompanhá-los o comparecimento ao estádio ou lendo o Esporte Jornal. Neste ano o Vitória se sagraria “bi”, em abril, jogando com o Botafogo (já ouviu falar, pois existiu e ganhou sete campeonatos!). O título foi obtido no “sufoco” após dois empates de 0 x 0, e ao vencer a última partida por 1 x 0 (gol de pênalti batido por Tinho).

Acompanhei o processo de definição da seleção brasileira que parecia democrático, contemplando jogadores de vários estados ao invés do costume de só convocá-los no eixo Rio-São Paulo. No entanto, na “hora h” dos 45 convocados 42 pertenciam ao eixo Rio-São Paulo, não ficando ninguém da Bahia. O que resultou foi um fiasco, um caso raro da nossa seleção morrer já na primeira fase onde só conseguiu ganhar da Bulgária. Para culminar, um episódio tragicômico no fim do ano, o roubo da própria Taça Jules Rimet.

No início de 1967 chegaria o cruzeiro novo. No carnaval já contaríamos com o Clube de Regatas Itapagipe, que inauguraria a sua sede. Foi um dos anos onde houve mais “gritos”, no Tororó, Macaúbas, Liberdade e Uruguai. A Mudança do Garcia já começa a ganhar corpo numa festa onde aparece o Bloco do Barão e os Corujas.

Ninguém deixou de reparar na posse do novo prefeito de Salvador, inclusive por seu temperamento polemico e chegado á mídia: Antônio Carlos Magalhães. Começaria um longo reinado desta sombria figura que, intermitentemente, percorreria quatro décadas de minha vida, onde governaria o estado por duas vezes e ocuparia a presidência da ELETROBRAS durante a ditadura, e, sobrevivendo ao seu fim, ainda voltaria a ser governador e ocuparia os cargos de ministro das comunicações e presidente do Senado.

Em função das paixões muito a gosto da Bahia, só com sua morte é que os analistas passaram a analisar o projeto de fôlego que aqui implantou com seus epígonos, junto e contra diversos segmentos das classes- dominantes, que lhe permitiu, inclusive, cooptar diversos intelectuais e universitários que tiveram a veleidade no passado de atuarem no campo da esquerda.

O Vitória neste ano conseguiria a “façanha” de perder o tricampeonato numa melhor de quatro pontos contra a Associação Desportiva Leônico. Eu fui assistir as três partidas. Na primeira perdemos por dois a zero, na segunda ganhamos de dois a um e, na terceira, quando esperávamos o inédito título de tricampeão, perdemos novamente por dois a um gols de Bassu de pênalti para o Vitória e do carrasco Zé Reis para nosso adversário. Para se ter uma ideia de como aquele esperava o título o juiz Clinamurti França teve que parar algumas vezes o jogo em função do goleiro Gomes se encontrar rezando.

Em meados do ano o marechal Castelo Branco morreria em estranho acidente aéreo no Ceará e uma nova constituição passaria a vigorar no país que, com outros decretos, priorizaria o ensino privado e, promoveria uma reforma universitária sob a influência de modelos norte-americanos. Mas eu e meu irmão “Toínho” estávamos mais preocupados com o inicio do Campeonato Baiano quando iriamos estrear uma enorme bandeira que confeccionamos. A mesma era amarrada em um cano de dois metros de altura, e era a maior entre as levadas pela torcida.

sábado, 25 de setembro de 2010

O governador que azarou o EC Bahia


Não sei qual é o time que Antônio Lomanto Jr. torce. O que sei é que quando ele foi governador deu um azar danado ao EC Bahia ! É claro que isto não se deve só a ele mas a uma época de transição onde mudaram as regras de poder político, inclusive no futebol.

Lomanto se elegeu em 1962. Na época minha família estava muito motivada para participar da campanha que verificava, pela primeira vez, um concorrente da família, Waldir Pires, esposo de Iolanda Avena, prima carnal de minha mãe Helena.

Eu era apenas um garoto de quatorze anos e não me preocupava com outra coisa que ir ao cinema, ouvir musica e fazer traquinagens no Instituto Baiano de Ensino. Não perdia os filmes de James Bond, numa indústria cinematográfica cada vez mais internacionalizada e que recrutava seus protagonistas na Itália, França, Suécia, entre outros, e se destacavam Sidney Potier, Gina Lollobrigida, Marilyn Monroe, Brigitte Bardot, Sofia Loren e Marcello Mastroianni.

No Brasil surgia a bossa nova, disputando espaços com o bolero e o samba canção. Era lançado o clássico Garota de Ipanema de Vinicius de Morais e “Tom” Jobim. Minha relação com esta última, porém, demoraria alguns anos, quando eu acessaria primeiro a musica mais leve de Carlos Lyra, Pery Ribeiro e Nara Leão para, no clima dos festivais, adotar artistas mais complexos como Johnny Alf, Claudete Soares e Elis Regina.

Eu ouvia Miltinho, Cauby Peixoto, Agnaldo Rayol e Ângela Maria. Apreciava cantores românticos como Frank Sinatra, Bing Crosby e Nat King Cole, mas também inovadores, que introduziram fusões rítmicas, como Ray Charles e Stevie Wonder. Numa época onde os gostos musicais jovens começavam a frequentar a indústria musical passava a estar atento para o rock de Elvis Presley e dos irmãos Cely e Tony  Campelo.

Neste ano assistimos pela primeira vez na televisão a Copa do Mundo no Chile, onde a seleção brasileira obteve o bicampeonato, e pelo rádio o título carioca obtido pelo Botafogo, time que meu pai torcia, adquirindo uma imorredoura admiração por Garrincha, Quarentinha e outros craques. Vibraria com a vitória da itabunense Maria Olívia Rebouças no Miss Brasil e ficaria chocado com a morte de Marilyn Monroe, por overdose.

Lomanto era prefeito de Jequié, presidente da Associação Brasileira de Municípios desfrutava do apoio da Igreja Católica e do jornal A Tarde. Talvez tenha sido o introdutor do marketing eleitoral na Bahia.

Na campanha ressaltava a sua condição de municipalista, de filho de agricultor. Era “o amigo do pobre, irmão do trabalhador”. O jingle de campanha também assinalava que Lomanto era “a esperança do povo, renovação”. Divulgava a marcha do interior para a capital e distribuía a seus adeptos um brinde para colocar na lapela, o feijão, antevendo a sua colocação na panela após a vitória.

A campanha para governador foi muito disputada. Lomanto foi apoiado por Jango e Waldir por Juscelino. Meu primo acabou perdendo por apenas 5%, pouco mais de 40.000 votos. 

Não sei se foi coincidência, mas no ano que o municipalista Lomanto assumiu o governo começou a crescer o Fluminense de Feira. Pouco depois é decidida a 5ª edição da Taça Brasil aonde o EC Bahia iria pela terceira vez as finais contra o Santos sendo derrotado após duas partidas, 1 X 1 na Fonte Nova e 5 X 1 em Vila Belmiro.

O campeonato baiano de 1963 só seria decidido no ano seguinte, ás vésperas do golpe militar. Como era comum na época os vencedores dos turnos (Bahia e Fluminense) partiram para uma “melhor de quatro pontos” (na época contava-se dois pontos por vitória). Houve necessidade de três jogos, registrando-se empates nos dois primeiros jogos realizados em Salvador e Feira de Santana. Na finalíssima, Renato fez dois gols virando o jogo nos minutos finais contra o esquadrão de aço que havia feito apenas um gol através de Biriba.

Lomanto mudaria seu secretariado pera incorporar os grupos que haviam apoiado o golpe, e continuou azarando o EC Bahia. Neste ano o seu maior rival quebraria um jejum de sete anos voltando a ganhar o título estadual (em decisão contra o próprio EC Bahia), repetindo o feito no ano seguinte.

A última façanha de Lomanto, no ano em que encerrou o seu governo, foi presenciar o único título de campeão baiano da história da AD Leônico em 1966, obtido em memorável final com o EC Vitória onde não faltaram as rezas do goleiro Gomes admitidas pelo árbitro Clinamurti França. 

Logo depois Lomanto entregaria o cargo de governador a Luiz Vianna Filho que, escolhido pela Assembleia Legislativa, abriria um longo período de governadores biônicos na Bahia. Quanto aos torcedores do EC Bahia só podiam dizer vade retro, pois, bastou a sua saída para o time voltar a se sagrar campeão estadual numa final com o Galícia.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A seleção brasileira na Fonte Nova


A história da seleção “brasileira” é ingrata com a Bahia. Ali, os jogos oficiais mostram uma pré-seleção (1906-1913) onde eram escalados para os jogos um combinado dos jogadores do Rio e São Paulo. Não contente com isto também só eram realizados jogos neste eixo. A fase posterior (1914-1922), onde é reconhecida como da “seleção”, quando passou o país a ser apresentado na América Latina, pouco modificou esta toada, continuando a recrutar jogadores e a realizar jogos naqueles estados.
O primeiro jogador convocado fora do eixo Rio-São Paulo, foi do Brasil do Rio Grande do Sul em 1920. Quanto à Bahia só seria honrada com a deferência em 1923, quando a seleção brasileira não investiu muito no Sul Americano de Montevidéu, sendo convocado o zagueiro Mica (Botafogo) que costumava jogar com mais dez jogadores do Rio de Janeiro.  A experiência parece não ter recomendado muito, pois no próximo torneio, realizado dois anos depois, volta-se a exclusividade anterior, sendo que o próprio Nilo (Brasil-RS), já tinha sido contratado pelo Fluminense do Rio de Janeiro.
A Bahia só apareceria de novo na história da seleção brasileira onze anos depois quando esta se dignou, pela primeira vez a jogar fora do Rio-São Paulo. Naquela altura a seleção havia sido formada para disputar a Copa do Mundo de 1934 disputada na Itália. No entanto, foi eliminada na primeira partida, perdendo para a Espanha por 3 X 1. Pra não perder o trabalho feito a equipe excursionou pela Europa onde colheu melhores resultados contra times e combinados.
Dois meses depois aporta no Nordeste para realizar diversas partidas trazendo um time que tinha como base o Botafogo do Rio de Janeiro. Estavam previstas dez partidas, sendo cinco na Bahia e cinco em Pernambuco. Chegou por aqui há exatos 76 anos fazendo com que os jogos do Campo da Graça fossem um verdadeiro passeio. Estreou dando de 10 X 4 no Galícia, enfiando logo depois 5 X 1 no Ypiranga. O Vitória ainda resistiu, perdendo apenas por 2 X1, para logo a seguir arrasar o Bahia por 8 X1. Despediu-se num jogo excepcionalmente duro, onde ganhou também por 2 X 1 a seleção baiana.
O passeio prometia continuar em Recife, onde foram caindo sucessivamente seus melhores clubes e a seleção pernambucana. No entanto, no último jogo, que marcaria a despedida da seleção em sua primeira excursão fora de sua região “sede”, o Sudeste, foi derrotada pelo Santa Cruz por 3 X 2. O resultado não foi aceito pelos dirigentes do futebol brasileiro que tentaram sem êxito uma revanche com o clube. O jeito foi voltar à Bahia aceitando a revanche pedida pelo Bahia para arrumar uma despedida melhor com nova vitória, agora de 5 X 1.
A Fonte Nova marcaria uma nova etapa no relacionamento da Bahia com a seleção brasileira ocorrendo aqui onze jogos. O EC Bahia se constituiria em um dos clubes que mais a enfrentou em toda a sua história.  Em 1969, trinta e cinco anos depois, o confronto se repetiria com nova goleada, 4 X 0. Na ocasião a seleção excursionava preparando-se para a Copa do Mundo do ano onde jogaria apenas com clubes, registrando também vitórias em Sergipe (8X2) e Pernambuco (6 X 1).
As próximas três décadas registrariam jogos na Fonte Nova. Em 1979, no governo Figueiredo, que prometia “arrebentar” quem fosse contra a chamada abertura política, o EC Bahia alcançaria um inédito heptacampeonato. Na ocasião o governo nos brindou com a apresentação de uma seleção reserva dirigida, entretanto, pelo técnico titular, o capitão do Exército Claudio Coutinho. Esta, no entanto alcançaria o melhor resultado da história do futebol baiano em jogos contra a seleção arrancando um empate de 1 X 1. A partir daí nunca mais a seleção jogou contra baianos.
Mas foi nos anos 80, quando os ventos da abertura realmente começaram a chegar, tomamos uma overdose de seleção com esta jogando por seis vezes em Salvador. A nova década se abre em 1981 com um amistoso contra a Espanha, vencido pela seleção por 1 X 0.  Dois anos depois, quando se iniciam os atos pelas Diretas Já, tivemos aqui o jogo decisivo da Copa América registrando-se empate de 1 X 1 contra o Uruguai. A entrada do país na “Nova República” foi comemorada na Bahia com um amistoso contra a Argentina, outro clássico do futebol latino-americano que presenciamos, com nossa vitória por 2 X 1.
A lua de mel com a seleção só acabaria em 1989, durante os jogos da Copa América daquele ano. É que no ano anterior o EC Bahia havia sido campeão brasileiro, e a seleção teve a “cara de pau” de aparecer por aqui após o corte do atacante Charles do EC Bahia e sem qualquer jogador atuando no estado. Teve de tudo, vaias, arremesso de objetos no campo, aplausos às seleções adversárias, e hostilidade local. A confederação acabou transferindo o jogo contra o Paraguai. Apesar de o episódio ter entrado para a história como motivo do fracasso da seleção neste torneio, trata-se de uma grande mentira. A seleção iria mostrar como era ruim na Copa do próximo ano que disputou. Nesse ano, na Fonte Nova, colheria apenas uma vitória (3 X 1 contra a Venezuela) em três jogos, empatando a zero com o Peru e a Colômbia.
Nunca mais um torneio oficial seria realizado na Bahia, sendo os três jogos da seleção da década de 90 simples amistosos, realizados no governo de FHC. Em 1995 a seleção derrotaria o Uruguai por 2 X 0. Dois anos depois seria a vez de o Equador cair por 4 X 2. Por último, em 1999, um empate de 2 X 2 com a única seleção europeia que a Bahia veria em quase cem anos de história da seleção, a Holanda.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

A INAUGURAÇÃO DO ANEL SUPERIOR DA FONTE NOVA

      
No início dos anos 70, em plenos anos sombrios de ainda maior endurecimento da ditadura militar prosperava a pornochanchada quando assistíamos a ex miss Vera Fischer, Jardel Filho, Nuno Leal Maia, Milton Morais e outros. Na época morrem a inesquecível cantora Dalva de Oliveira e o poeta tropicalista Torquato Neto põe fim a sua inquietação criadora. O carnaval de Salvador era patrocinado pelas cervejarias CIBEB e Carlberg que se concentravam nos grandes trios elétricos. Já se podia brincar o carnaval na sede do Vitória que ficava então em Amaralina. Nas ruas se via o bloco carnavalesco Os internacionais e ainda dava pra levar a família pra Avenida Sete. Chegávamos pela manhã e levávamos nossas cadeiras amarrando-as ás que lá haviam. Quando chegávamos á noitinha para o desfile ainda estavam lá, acreditem se quiserem, ninguém roubava! Começava a chegar a público as atrocidades cometidas pela quadrilha do policial Manoel Quadros, versão baiana do esquadrão da morte e a toda hora apareciam mais corpos.

Nessa época houve acontecimentos inusitados para mim, quase todos ocorridos no Estádio da Fonte Nova. Meu pai, desde os anos 50 vinha tendo atuação constante no mercado da engenharia civil do estado. Para saber das obras e agilizar o pagamento dos serviços contava com conhecidos na máquina governamental. Durante vários anos, entre 1955 e 1973, trabalhou no antigo Departamento de Energia, sob a chefia de Lídio, inclusive quando Tarcísio Vieira de Melo “mandava” no setor onde meu pai varou dezenas de municípios para levar energia elétrica. Durante o primeiro governo ACM era com Barbosa Romeu, da Casa Civil, com quem procurava agilizar o empenho de suas notas.

Em 1969 meu pai, e seu irmão José Carvalho, criariam uma nova firma, a EMBACIL, em função das obras de iluminação da ampliação do Estádio da Fonte Nova. Desta forma, ao fim do primeiro governo de ACM lidei com a minha primeira greve, só que do lado patronal, o da empresa dos irmãos Carvalho. Era fim de semana, quando os operários costumavam receber, e o banco estava muito cheio. Assim, meu tio acabou atrasando o horário do pagamento do pessoal.

Foi um sufoco para meu pai. Eu e meu irmão tivemos de ir ajudar. Os operários foram para o escritório, que funcionava no próprio estádio, e fizeram um escarcéu, exigindo o pagamento. Ajudei a colocar um balcão pra separar a administração do pessoal em fúria. Nunca tinha visto aquilo! Tentamos contemporizar e pedimos para aguardar. Naquele tempo não tinha celular então não podíamos saber quanto tempo ia demorar meu tio no banco. Quando o dinheiro chegou foi um alívio. Nunca mais a EMBACIL foi buscar o dinheiro na hora. Meu tio passou a ser um dos primeiros a chegar ao banco.

Depois a empresa levou um tempão pra receber, pois como é comum no Brasil o novo governo ficou remanchando pra pagar a obra autorizada no governo de Luiz Viana Filho. A empresa teve que fazer um acordo com o governador ACM sendo obrigado a dar 25% de desconto. Até hoje meu pai fala nisso, afirmando que seus amigos, os empreiteiros Norberto Odebrecht e Nilton Simas, sofreram a mesma chantagem!

Outro sufoco foi quando das primeiras partidas após a colocação da parte de cima do estádio. Este havia sido ampliado acrescentando-se um anel superior ao primeiro lance de arquibancadas que existia desde os anos 50. Sua capacidade aumentava de 40.000 para mais de 90.000 pessoas. Os jogos ocorreram no dia 4 de março de 1971. Nesse dia estava “socado” de gente. Depois divulgaram um público de 94.000 pessoas, mas acredito que havia mais de 120.000, inclusive por terem mandado abrir as portas. 

Havia ficado aborrecido na preliminar, quando nosso arquirrival ganhou do Flamengo por dois a um e, na partida principal, já estávamos tomando um a zero do Grêmio. Tínhamos sentado na parte de cima da torcida do Vitória quando vimos o mundo vir abaixo no segundo tempo. Não sabíamos como havia começado, apenas víamos um mar de gente correndo e caindo do segundo para o primeiro nível das arquibancadas. Na torcida do Vitória todo mundo corria não se sabendo bem pra onde, pois o estádio “balançava” provocando uma verdadeira histeria coletiva parecendo mesmo que ia cair.

Nesse dia eu passei vergonha, abandonei o meu irmão menor e saí correndo me pendurando na grade que separava a arquibancada do setor das cadeiras. Enquanto isto já via gente se jogando no fosso e adentrando o campo que já abrigava milhares de pessoas. Mesmo lotada a torcida do Vitória esvaziou em poucos minutos. Depois de algum tempo pendurado, e com a redução dos tremores, me dei conta do ridículo da minha atitude. Ora, se o estádio fosse cair mesmo, pouco iria adiantar estar pendurado na grade!

Só aí me lembrei de meu querido irmão, procurando ver onde estava. O descobri então um pouco atrás, pendurado como muitos na mesma grade. É que vários imitaram o meu gesto desesperado. Olhamos então para a nossa volta. Vimos dezenas de milhares de pessoas andando a esmo. Outros milhares estavam no campo, alguns estirados imóveis, outros sendo socorridos, e ainda outros sendo levados por ambulâncias.

Imaginamos então o que nossos pais deviam estar pensando e então subimos a Ladeira da Fonte de volta pra casa. Debitei á censura reinante os números divulgados pela imprensa, de dois mortos e dois mil feridos! Até hoje se divulga esta versão esquecendo que estávamos numa ditadura. Acho sim, que foi esta a maior tragédia da história da Fonte Nova e do Brasil e nunca a esquecerei.

Circularam na imprensa várias versões sobre o que teria ocorrido. Uma das versões afirmava que uma lâmpada havia explodido outra que teria havido uma briga envolvendo várias pessoas. Independente do motivo em minha opinião o que pesou mesmo no incidente foi o inconsciente coletivo.  É que durante as semanas anteriores os meios de comunicação deram ampla cobertura a uma discussão sobre a segurança do estádio com alguns especialistas levantando dúvidas.

A política não poderia ficar de fora. Nas proximidades do estádio vi uma pichação contra o governo militar, que soube muito tempo depois tratar-se de uma iniciativa da Ação Popular-AP, pois a inauguração teve a presença do general-presidente Garrastazu Médici.