sábado, 14 de julho de 2012

O último lugar do mundo



Não sei por que ninguém fala do sanitário. Se agente olha a literatura nem pensar, ele está literalmente excluído. Parece que nem existe nem inspira qualquer poesia. Ali se fala de tudo, sexo, drogas, discos voadores, futebol, mas de sanitário nem pensar. É um verdadeiro tema tabu. Apesar de haver sanitários por todo o mundo eles não são um tema universal como os demais.
Nas conversas em sociedade não é de bom tom se falar no sanitário. Imaginem que quando alguém sai da mesa diz que vai ao “toillette” afrancesando este ato tão comum na vida dos seres humanos. Outros simplesmente falam no banheiro como se fossem tomar banho e não fazer outros serviços igualmente impublicáveis.
                                                 Aí não!

Já estou cheio de falar da crise mundial. Isso todo mundo já sabe embora escondam que já chegou ao Brasil. Da corrupção aqui não tem nem graça pois, numa semana que cassaram o Demóstenes, deixaram impune seu suplente que é ainda pior. Aliás na Bahia o governo não está nem aí para a educação, pois professores de todos os níveis do Estado estão em greve. Também pra que se preocupar se os filhos dos políticos estudam em escolas particulares?
Foi por tudo isso que resolvi escrever sobre o sanitário num dia em que não achei assunto para a minha crônica. Primeiro acessei o Google pra ver o significado da palavra e descobri que o nome desse espaço sagrado veio do vaso que contém. Nossos antepassados usavam qualquer lugar pra livrar-se do que o intestino não queria. Desde as moitas até um buraco cava no chão.
                                                               Isso era antigamente!

Na Grécia, que dizem que foi onde surgiu a civilização, as pessoas preferiam usar a rua para isso, pelo menos até o Século V AC. E olha que os romanos fizeram isso até bem depois. Dizem até que os pinicos, ou os urinóis como alguns chamam, são mais antigos que os vasos sanitários.
Com o aparecimento da civilização, as pessoas deixaram de fazer em qualquer lugar e passaram a ter um espaço em casa para a função deixando na tarefa de livrar-se deles por conta do poder público. Tem historiador que data isso no terceiro milênio antes de JC. Teriam começado as aves que lá trinam no Vale do Indo que hoje é o Paquistão. Havia até agua corrente ligando os vasos a canais construídos com tijolos integrando um sistema sanitário que tinha câmaras e bueiros.
                                                Marx e Weber iam também ao sanitário!

Mas as pessoas tinham que se agachar para usar o primitivo sanitário. Só no Egito é que teria surgido o sanitário das pessoas sentadas e apenas mil anos depois foi usado no Golfo Pérsico a descarga hidráulica. Os romanos levaram muito tempo preferindo fazer esse negócio coletivamente. Foi por isso que construíram os banheiros públicos onde as pessoas faziam suas necessidades socialmente. Tinha gente que marcava reunião no sanitário público. Mas o governo não provia esses lugares das necessidades mais básicas e, como não havia papel, usava-se qualquer coisa pra se aliviar, até areia ou grama.
O negócio foi evoluindo de forma a virar cômodo da casa. Só no Século XVI um poeta inglês da Corte inventou um vaso parecido com o que temos hoje, uma peça de louça com a boca em formato oval. Sua obra (sem trocadilho) foi saudada nas elites (que se tornaram menos sujas) e a partir daí o hábito foi descendo para toda a escala social fazendo com que em 1668 o Comissário de Polícia de Paris determinasse que todas as casas da cidade devessem ter um banheiro. No Século XVIII foi criada a bacia sanitária e ainda teríamos que esperar cem anos para que fosse inventado o tão útil papel higiênico.  
                                            Uns amigos meus usam pra outras coisas!

Como vocês o hábito que surgiu público acabou “evoluindo” pra privado ao longo desses mais de 2000 anos de história Agora é que entendi porque minha mulher vai entrando, sem a menor cerimônia, no sanitário quando estou fazendo tanto esforço para entender o mundo.
É que aqui em casa nós destoamos do comportamento dos demais seres humanos. Começa por dar o nome aos bois. Quanto há visitas em casa e alguém precisa se ausentar falamos claramente aonde vamos, é bem verdade que usamos o diminutivo. Assim dizemos “um minuto pois vou ao sany”.
                                             Realmente, pode-se fazer tudo no sanitário!

Minha mulher deu um toque todo especial a aquele que, ao ser privatizado, virou o último repouso do guerreiro. Colocou um piso de cerâmica azul e ladrilhos da mesma cor. Tacou-lhe uma imitação de mármore na pia, e um bonito Box no banheiro, dando um clima de nobreza ao espaço. Foi por conta disso que o sanitário moderno virou um local bem diferente do passado. Ali se faz de tudo e é onde, inclusive posso sentar na privada e refletir sobre o mundo, a filosofia, e os destinos da humanidade.
Mas quem pensa que o sanitário é apenas o lugar onde se goza da intimidade com a merecida solidão está enganado. Os casados, infelizmente, face a herança pública desse espaço, são os que mais sofrem, vendo constantemente a invasão de seu espaço pela cara metade para tratar dos assuntos mais prosaicos ou escovar os dentes, isso da maneira mais cínica fazendo de conta que não percebe o seu esforço mental.
                                                               Socrates também usava!

Qualquer motivo é desculpa para invadir este recinto sagrado. Apanhar o lixo, tomar banho, utilizar as toalhas, e até se olhar no espelho. Um dia, confesso, num acesso de intimidade, tranquei a porta do dito cujo. Mas a experiência não foi feliz pois minha mulher batia no banheiro desconfiada do que eu poderia estar fazendo lá dentro. Foi aí que percebi que a solidão é um perigo para o casamento.
Mas, mesmo com todas essas invasões de privacidade, quero dizer que desde criança passo algumas horas do dia no sanitário. Uso as mais variadas desculpas, fazer a barba, tomar banho, colocar pra fora líquidos e sólidos, o escambau. Mas na verdade passo o tempo lendo jornais, fazendo projeções do Vitória na tabela da Segundona, pensando na vida e na última utopia de plantão. Li em algum lugar que a história é um carro que vai atropelando costumes, mitos e sistemas. Porque não vai criar um recinto realmente privado?
  

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