sábado, 9 de outubro de 2010

Como surgiu a Fonte Nova?

                                         Local onde seria construído o estádio em 1945
Quem vê o atual Dique do Tororó não tem uma ideia do seu tamanho e significado para a história de Salvador. A história do estádio da Fonte Nova é inseparável da do dique. No entanto, a trajetória daquele que foi considerado pelo arquiduque da Áustria Maximilian Von Habsburg como a “joia da Bahia”, é bem anterior á fundação da capital da Bahia. Nesta, durante muitos anos a vida social concentrou-se nos limites e nos portões do antigo Centro Histórico cognominado de Cidade Alta e Cidade Baixa.
Fora da cidade antiga o território revelar-se-ia inóspito, dominado por diversas nações indígenas, e acidentado, com várias elevações que se situavam ao Norte, ao Sul, e ao Leste. O território da nova cidade, entretanto, experimentaria sucessivas ampliações nos próximos anos, em função das guerras contra os indígenas, do crescimento das atividades econômicas e do esgotamento de terrenos mais perto da sede.  
Quando das guerras contra os holandeses já havia populações instaladas na região próxima ao dique. Seja nos Barris, no Largo da Palma, em Santana e no Desterro. Aquelas cercanias dariam origem a pelo menos dois bairros, os Barris e Nazaré, sendo que o que ficaria conhecido como Dique do Tororó separava a elevação de outro morro, o de Brotas, onde se começava a estabelecer residências. A própria denominação de Tororó, segundo Edelweiss, apud Luiz Eduardo Dórea, indica rumor de agua corrente, o que remete a fonte, mas também ao dique. 
No Desterro, uma década após a fundação da cidade, foi construída uma pequena ermida dedicada á Sagrada Família onde, a invocação de milagre faria construir mais tarde o Convento e Igreja da Santa Clara.  Desde o início do Século XVII começa a ser ocupado o que se chamaria de bairro de Nazaré em louvor á Nossa Senhora, e que será efetivada no século posterior a partir da fixação de populações que ali fazem comércio, residem, abastecem-se de água, tendo em seu entorno construções religiosas. No antigo campo do Desterro será fixada a Casa da Pólvora (por volta de 1680).
Ao longo dos séculos o lago do Tororó possuiu funções religiosas e econômicas. Foi local de culto dos orixás. De abastecimento de aguadeiros. Local preferido pelas lavadeiras e pela população que ia buscar ali tomar banho e buscar gratuitamente o precioso líquido, ou simplesmente atraída por momentos de lazer e esporte.  Sua extensão era muito maior do que veio a ter nos últimos 40 anos. Ocupava praticamente todo o vale que separava Nazaré de Brotas, e se estendia desde o sopé do morro da Ladeira da Fonte das Pedras aos caminhos que levam aos Barris, Campo Grande e Garcia.  Aterros sucessivos foram-no reduzindo.
Os primeiros grandes aterros ocorreram em meados do Século XIX, quando da construção da Ladeira dos Galés que levará a Brotas (1810) e da estrada que levou ao Rio Vermelho (1859). Com as reformas urbanas que foram adotadas a partir dos anos 1920 partes do lago foram afetados em praticamente todas as direções, culminando décadas depois, com a abertura das grandes avenidas que o margeiam atualmente.

Linha de bonde nas margens do Dique em 1945
                                                                                              
Tem sido comum no Brasil a utilização de apelidos para os estádios de futebol que intentaram homenagear dirigentes políticos ou figuras ligadas ao esporte. A cultura popular acabou geralmente conferindo nomes mais ligados aos logradouros onde se situavam. Assim, o Estádio Mário Filho virou “Maracanã”, o Paulo Machado de Carvalho “Pacaembu”, e a Praça de Esporte da Bahia Octávio Mangabeira acabou sendo conhecida pelo nome de “Fonte Nova”. Mas porque “fonte nova”?
As fontes foram uma herança colonial de quando o abastecimento da cidade era garantido por uma série de chafarizes e alambiques que, com o crescimento e expansão da população, tenderam a se espalhar pela cidade.  Nas proximidades do dique existiam várias fontes, entre as quais a que deu nome á ladeira, a Fonte das Pedras, onde havia muitas residências. Ali, ainda nos anos 40, havia um barranco que dava para o vale do dique do Tororó, cujas margens, em função dos constantes aterramentos, serviam como um dos aterros sanitários de Salvador.  O que suponho é que as mudanças efetuadas na antiga ladeira, que passou a se constituir no principal acesso ao estádio, fizeram com que a mesma e o próprio equipamento passassem a serem chamados de “fonte nova”.   
Foi ali o local escolhido para o projeto do estádio, de autoria de Diógenes Rebouças e Hélio Duarte. Será, no entanto, uma simples coincidência que tenha sido nas proximidades do “Campo da Pólvora”? O local é emblemático, vez que foi ali que foram jogados os primeiros campeonatos baianos, antes de passarem ao Rio Vermelho e ao campo da Graça. O escritório de Diógenes Rebouças idealizou uma série de obras modernistas que no Brasil e na Bahia forneceram expoentes como Oscar Niemayer, Bina Fonyat, Lucio Costa e Pasqualino Magnavita. Diógenes havia feito parte da equipe de Mario Leal Ferreira, criador do EPUCS, uma impressionante experiência de planejamento urbano de Salvador nos anos 1930.
A concepção do projeto era integrada e multidisciplinar, para o qual podem ter colaborado, pelo menos, influências de Anísio Teixeira e Oscar Niemeyer. Em pleno contexto da segunda grande guerra anunciou-se um custo de trinta milhões de cruzeiros. Á ocasião (diferentemente do reducionismo do projeto para a Copa de 2014), o arquiteto e urbanista Diógenes Rebouças imaginou um centro onde se articulasse a prática esportiva á educação física, congregando futebol, o esporte amador, a ginástica, o atletismo, a natação as regatas (no dique), e um pavilhão de eventos esportivos (o futuro Ginásio Antônio Balbino).   
Sua ideia inicial foi a de dotar a cidade de uma praça esportiva em condições de satisfazer o público que então lotava o acanhado campo da Graça com suas arquibancadas de madeira. O anuncio do retorno da organização da Copa do Mundo em 1950 permitiu uma nova audiência para a proposta, que se fortaleceu em virtude de vários países não teriam aceitado realizá-la face às prioridades de reconstrução do pós-guerra. Assim, o projeto apresentado pelo Brasil se viu vitorioso. O discurso desenvolvimentista assim, se viu embalado nas necessidades concretas da cidade e na carona da copa. A proposta apresentada a Secretaria de Viação e Obras Públicas previa uma construção em etapas, terminando em 1949, que além de ser véspera da copa comemoraria o quarto centenário de Salvador.
Após o Estado Novo, cujo representante na Bahia era o interventor Landulpho Alves, o estado, entretanto, entraria em novo clima que levaria a resistências ao projeto.  Em 1946, é eleito governador Octávio Mangabeira através eleições democráticas, quando o assunto deixa de ser prioridade passando a ocupar sua atenção com túneis, hotéis, a RLAM e a CHESF.  Além do mais, o passar do tempo sem agir havia colocado a Bahia a margem da organização da copa que previa apenas as cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Recife.
Afastada a copa, o outro motivo, porém continuou saltando aos olhos. Os campeonatos baianos se tornavam a cada dia mais competitivos, com Galícia, Botafogo, Ypiranga, Bahia e Vitória, disputando os títulos palmo a palmo. As multidões acorriam às velhas arquibancadas da Graça, que veria inclusive a volta do CR Flamengo a Salvador depois de vários anos. Antes do final da década aquele espaço presenciaria um inédito Fla X Flu.  As pressões políticas, entre as quais se inclui uma passeata, resolveram o problema. Foi criado um grupo de Trabalho, lançado proclama (agosto de 1947) e três meses depois colocada à pedra fundamental do estádio.
                                               O arquiteto e urbanista Diógenes Rebouças

A obra foi realizada em etapas, sendo que o estádio foi inaugurado às pressas no mês de setembro de 1950, ás vésperas das eleições, com apenas três dos cinco prédios e escolas previstos. No período, particularmente em função de sua frustração por não ser escolhido pelo partido para concorrer à presidência da república, Octávio Mangabeira expressaria o seu desgosto com a política que passou a história.
A verdadeira inauguração só se deu no início do ano seguinte com a realização do torneio que levou o nome do governador e ganho pelo EC Bahia.  Na ocasião apenas uma parte das arquibancadas estavam prontas. Perdurariam ainda por três anos as obras para que o estádio alcançasse a capacidade de 40.000 pessoas. Diógenes Rebouças, no entanto, ainda se ocuparia com o estádio durante as décadas seguintes, seja integrando outros prédios e equipamentos á sua estrutura, como elaborando o projeto da ampliação do estádio incorporando o seu anel superior. A história fez justiça com este grande personagem levando-o em 1994 não permitindo que visse a destruição de sua obra 16 anos depois.

·       Este breve artigo não poderia ser escrito ser as informações de trabalhos e estudos anteriores de Luiz Eduardo Dórea, Marcio Correia, Ana Fernandes, Thiago Pacheco, Cid Teixeira, dos blogs Fontedasemoçoes. blogspot.com, osvaldocampos.blogspot.com, e do site de Fernandodannemann.recantodasletras.com.br.  Agradeço especialmente as fotos expostas no site http://www.urbanrecycle.com.br/

Nenhum comentário:

Postar um comentário