quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O adeus do Botafogo SC


                                                     
O Botafogo Sport Club foi uma das agremiações mais tradicionais da Bahia. Iniciou sua participação em campeonatos estaduais durante a Primeira Grande Guerra no amadorismo e atravessou décadas de profissionalismo atuando por 73 anos. Foi mais que um time de futebol tornando-se um clube social e recreativo que faz parte da memória de muitos baianos. Quem não se lembra da sua sede de praia que funcionava na praia de Armação? E dos uniformes de seus jogadores? Eram camisas vermelhas e calções brancos ou ao contrário. Às vezes vestiam calções brancos e camisas de listras brancas e vermelhas. Mas, se não me engano, uma vez vi o time todo de branco com meiões vermelhos.
O clube revelou muitos jogadores para o futebol baiano, nacional e internacional, como Mica, Zague e Cabinho. O primeiro seria, durante mais de 30 anos, o único jogador da Bahia a vestir a camisa da seleção brasileira durante o Campeonato Sul Americano que disputaria nos anos 30. Os dois últimos brilharam no futebol mexicano.
O Botafogo detém até hoje o quarto lugar entre os clubes que mais conquistaram títulos de campeão estadual, embora seja esquecido por várias publicações de futebol.  O site futebol2009, ao listar os campeões baianos de todos os tempos suprime os títulos do Botafogo. Já o blog Bola na área omite o seu vice-campeonato de 1965 creditando-o ao EC Bahia.  Por último, mas não por fim, o blog Campeões de futebol não registra qualquer de seus cinco vice-campeonatos obtidos nos anos de 1929, 1932, 1943, 1954 e 1965.
Seus tempos áureos foram nas décadas de 20/30 quando ganhou seis títulos de campeão baiano.  Na primeira, disputava a hegemonia do futebol com Ypiranga e Galícia. Já nos anos 30 a estes se acrescentou o Bahia. Ganhou por várias vezes o antigo campeonato de “aspirantes” e seis torneios inícios. Sua história acompanha todas as fases do futebol baiano atuando no Campo da Pólvora, no antigo campo do Rio Vermelho, no Estádio da Graça e na era da Fonte Nova, tendo nesta última metade das suas participações.

A principal característica da sua história é a de crescer em épocas de crise. Seu primeiro campeonato ocorre em 1919, quando o mundo se recuperava de um conflito que tinha destruído mais da metade da Europa e deixado dezenas de milhões de mortos e o Brasil sofria com as serias restrições ao comércio internacional.  Estávamos nos tristes anos do presidente Epitácio Pessoa e na Bahia haveria uma verdadeira revolta dos coronéis do interior que se aliaram com J.J. Seabra pra derrotar o candidato do seu rival que estava no governo do estado. O EC Vitória continuava sem participar do campeonato, do qual havia se retirado desde 1913.
Mesmo neste ambiente de crise o Botafogo fez uma bela campanha onde somou 17 pontos, com apenas uma derrota e um empate e tomando cinco gols. Como o antigo Fluminense de Salvador imitou-lhe os resultados houve necessidade de um jogo extra ganho pelo alvi rubro por um a zero ficando com o título.
Alguns anos depois o Botafogo ganharia os dois primeiros campeonatos do Estádio da Graça, inaugurado em 1922. Estávamos em tempos da Revolta do Forte de Copacabana e da Semana de Arte Moderna e era tumultuada a sucessão presidencial. O clube, porém, continuaria sua trajetória vitoriosa sofrendo na campanha do “bi” apenas três derrotas, e tendo necessidade de jogo extra apenas no segundo título onde venceria a antiga Associação Athlética da Bahia por um a zero.
                                          
Em 1924 o Brasil entraria em guerra civil quando São Paulo chegou a ser bombardeada por vários dias levando a retirada da cidade de boa parte de sua população. O episódio teria sérias decorrências, com a insubordinação de militares no Sul do país e a formação da lendária Coluna Prestes. Esta percorreu o Brasil sem ser derrotada tendo lutado inclusive na Bahia. O estado formava ao lado do governo da chamada “República velha” contra os paulistas e revoltosos. Mas, por mais inusitado que possa parecer, nesta época o Botafogo se agiganta, sendo bicampeão do torneio início (1924-1925) e conquistando o campeonato baiano de 1926 após uma sensacional goleada no Ypiranga por 7 X 2 no jogo extra que foi necessário para decidir o título.
O Crack da Bolsa de Nova Iorque faz um grande estrago na economia mundial. O cenário dificultou a manutenção do mecanismo de socialização das perdas na agricultura brasileira, onde todo o país financiava os cafeicultores, cujos representantes políticos governavam o Brasil com aliança com os pecuaristas mineiros. Nesse cenário o Botafogo seria vice campeão baiano só perdendo o título para o maravilhoso time do Ypiranga que obteria o título de forma invicta.
O processo político brasileiro vai culminar na Revolução de 1930, quando, dissidentes do regime aliados a civis e oficiais modernistas derrotados nas eleições fraudadas, põem abaixo o governo de Washington Luís. As elites baianas, porém, ficariam do lado derrotado, o que levaria ao estado a sofrer intervenção por vários anos.  Os problemas agravariam as disputas do nosso futebol fazendo com que o Vitória e Galícia não participassem, sendo o campeonato disputado por apenas cinco clubes. É ocasião de o Botafogo dar um verdadeiro passeio ganhando o título enquanto ecoavam os primeiros tiros da revolta contra um regime que infelicitava o país há quatro décadas.

A Revolução de 30 parecia ter vindo pra mudar. No entanto, o bloco político que lhe deu origem logo começou a se desfazer quando o programa com o qual foi deflagrada deixou de ser aplicado. A corrupção continuava campeando, assim como o arrocho salarial dos trabalhadores, que tinham seus sindicatos controlados pelo Estado. Os paulistas novamente se revoltam, influenciando vários segmentos do país com a Revolta Constitucionalista de 1932. A crise, porém, continua sendo energia para o Botafogo, que, deparando-se novamente com o invicto Ypiranga, obtém novo vice campeonato em 1932, e conquistaria o torneio início do próximo ano.
Num cenário de agravamento das tensões mundiais o país se divide entre comunistas/nacionalistas e integralistas. A Aliança Nacional Libertadora cresce rapidamente em todo o país. O ato de sua criação em Salvador lota o antigo Cine Jandaia na Baixa dos Sapateiros. Sentindo-se forte para coibir os desmandos getulistas a ANL tenta tomar o poder em novembro de 1935. Nesse tempo, entre passeatas e balas o Botafogo volta a se agigantar e recupera o campeonato baiano neste mesmo ano fazendo uma média de três gols por partida e com apenas duas derrotas.   
A derrota da ANL inaugura um cenário de inaudita repressão e perseguição no Brasil que irá culminar no golpe do Estado Novo. Aqui na Bahia, frustrado com o cancelamento das eleições presidenciais o governador baiano Juracy Magalhães renuncia levando o estado a amargar vários anos de interventoria. As condições de obscurantismo levam o campeonato a um desenlace inusitado. O primeiro turno se desenrola em meio a um Botafogo absoluto que vai derrubando uma a uma as equipes que cruzam o seu caminho. Assim caem os Yankees (4 X 1), o Galícia (5 X 3), o Energia Circular (3 X 1), o Vitória (6 X 2) e o Bahia (3 X 1), com exceção do Ypiranga que obtém honroso empate em 2 X 2.
A liga, entretanto, alegando falta de público, resolve “suspender” aquele campeonato começando tudo de novo mudando as regras do jogo no meio do campeonato em flagrante prejuízo ao Botafogo. Quando o campeonato foi retomado dois meses depois o alvi rubro não foi mais o mesmo sendo o “novo título” conquistado pelo EC Bahia. Assim, seriam proclamados “dois campeões”, coisa que só voltaria a ocorrer na Bahia 60 anos depois. Seria o último título de campeão baiano do Botafogo que sequer pode comemorar condignamente.
O Botafogo, porém, continuaria a ter bom desempenho em torneios inícios durante a interventoria, “papando” o de 1940 e obtendo dois vices, em 1939 e 1941. Durante o “tri” do Galícia, chegaria a disputar um supercampeonato em 1943 com o azulino e o Vitória, sagrando-se vice campeão.
Durante as obras da construção da Fonte Nova, continuaria brilhante nos torneios inicios em 1948(campeão) e 1949(vice) jogados ainda no campo da Graça. O novo estádio, porém iria ser muito ingrato para os alvi rubros baianos. A partir da década de 50 rareia cada vez mais a presença do Botafogo na linha de frente do futebol baiano. No entanto, em dois momentos de crise aguda renasce o Botafogo.
                                     
As eleições presidenciais de 1950 mostrariam um Getúlio Vargas aparentemente renovado e vinculado a bandeiras dos trabalhadores. Seu novo governo abre um período difícil na vida nacional que, se por um lado abriu espaço para conquistas populares como a PETROBRAS, por outro, iniciava um ciclo de lideranças populistas cujos interesses políticos estavam em primeiro lugar. Nesta época volta a aparecer o clube, ao ganhar o torneio início de 1952 e a se sagrar vice campeão de 1954 sob a comoção do suicídio de Getúlio. Na ocasião a Fonte Nova veria um dos seus poucos supercampeonatos entre Vitória, Bahia e Botafogo, cada qual vencedor de um dos três turnos, onde o segundo só superaria o alvi rubro pelo saldo de gols.
Na primeira parte da década de 60 novo sopro anima o Botafogo. O país entra em tempos de crise que levariam a renúncia do presidente Jânio Quadros e a um quase golpe que suscitou uma campanha da legalidade para garantir a posse de João Goulart. O episódio, entretanto, se resolveria com um acordo de mudança de regime fazendo com que o Brasil passasse por uma inédita experiência parlamentarista. Nesses anos o clube se reorganiza, monta um bom time base e volta a ter bom desempenho, que o levam a conquistar os torneios inícios de 1962, e a sagrar-se vice no próximo ano.
                                  
O agravamento do cenário político leva a um golpe militar com o apoio dos EUA que então alterava a sua política para a América Latina.  O governador Lomanto Junior é preservado após jurar fidelidade aos golpistas e aceitar incorporar no seu secretariado a turma de aliados do regime. Em todos os setores da vida do estado ocorre limpeza, que afasta dirigentes futebolísticos.  É neste quadro, que uma agressão ao jornalista Cléo Meirelles (da qual é acusado o presidente do EC Vitória Ney Ferreira), vai servir de justificativa para a imprensa local boicotar o futebol. Com o país em “regime de exceção”, crise na FBF e pouco público nos estádios é que será realizado o campeonato de 1965 em que o Botafogo tem notável atuação.
O clube chegou a final contra o Vitória em igualdade de condições, após ganhar o primeiro turno (em superturno) e perder o segundo, e com um ataque que era disparadamente, o melhor do campeonato. Menos de dez mil pessoas presenciaram aquelas finais do mês de abril que só eram noticiadas pelo Esporte Jornal. A decisão era “melhor de quatro pontos”, e a estratégia do Vitória foi de jogar com paciência, fortalecendo ainda mais a sua boa defesa. Conseguiu assim neutralizar o ponto mais forte do alvi rubro que era seu forte ataque. O rubro negro empatou o primeiro jogo por zero a zero e, no segundo, conseguiu um pênalti que foi convertido por Tinho. Agora era só administrar o terceiro jogo onde jogava por novo empate.
Nesta partida, porém, o Botafogo “foi pra cima”, e maior volume de jogo. O Vitória passou o tempo cozinhando o adversário em fogo brando. Quando as coisas apertavam eis que aparecia o goleiro Ouri para resolver a questão. No fim da partida eis que o arqueiro salva a pátria numa grande intervenção em um chute de “Lapão” (o atual grande médico esportivo). Quase que a partida termina empatada. Eis o time do Botafogo que conseguiria a última façanha da sua longa vida, a de ser vice campeão baiano: Beto, Quidú, Da Silva, Lapão e Pão; Vadu e Alencar; Paraná (Nilo), Nilson, Cabinho e Machado.
Depois daí Cabinho iria pro México e o time do Botafogo quase seria desmontado. A década de 60 tinha acabado para o clube. Na próxima deixaria de participar do certame pela primeira vez em 1978, no entanto ainda voltaria a tempo de se sagrar vice campeão no ano posterior, quando foi realizado o penúltimo torneio início da história do campeonato baiano. No período os clubes de Salvador iniciam uma debacle que se aprofunda com a reestruturação econômica que começa a ocorrer ao final da ditadura. O clube deixa de participar do certame mais uma vez de 1984. Sobrevive agora a duras penas até que chega o fatídico ano de 1989.

Sua campanha já tinha sido sofrível em 1988, mas neste ano o clube esteve irreconhecível. Os jogos que realizava com a dupla BA-VI muitas vezes eram duros, sendo que ganhavam com dificuldade. Era comum inclusive perder pontos para o clube durante os turnos do campeonato. Nesse ano, porém, acho que o Vitória ganhou os dois jogos. O regulamento ia ficando cada vez mais confuso. Eram nesse ano quatro turnos e os clubes ficavam mudando de chaves em cada turno. O Botafogo caiu na “B” no primeiro e terceiro turno, sendo vice lanterna em um e lanterna no outro. Não ajudou trocar para a chave “A” pois continuou do mesmo jeito. Só ganhou duas partidas em todo o campeonato que foi ganho pelo EC Vitória. Só conseguiu fazer doze gols tomando 36!
Uma trágica coincidência acompanhou o clube que nasceu das camadas populares da nossa sociedade. Havia surgido na vespera da grande revolução proletária soviética e acabou quando esta chegava ao fim.  O Botafogo cumpria sua sina no campeonato ao tempo em que o muro de Berlim caia. Pouco depois seria a vez do ditador romeno Nicolau Ceausesco e da "revolução de veludo" na Thecoslovaquia. Era o fim de uma era que, por coincidência havia começado com o surgimento do Botafogo. 
O clube assim resolveu “dar um tempo”. Em 1990 se reduziu a pagar a licença de funcionamento sem disputar competições profissionais. No novo milênio, porém inscreveu-se para disputar as categorias de base. Quem se der o trabalho de pesquisar no site da FBF verá que ainda consta seu nome entre os integrantes da segunda divisão. Erro? Benevolência? Ou intenção de um dia voltar? Com a palavra os velhos botafoguenses. Mas que dá saudade do velho e glorioso alvi rubro dá!
* Agradeço aos blogs Historia do futebol, campeões do futebol, pelas informações, e historiaupf.blogspot.com, colunaprestes.jpg, vargasjpg, rev30.jpg, golpe64.jpg, muro-de-berlim3.jpg e vovoblogbarata.blogspot.com.

2 comentários:

  1. Boa lembrança Franklin!!
    abs
    Edu Cacella

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  2. Em 1977 o Botafogo venceu o Bahia por 1 a 0 quebrando um tabu de mais de 13 anos sem vencer o tricolor no famoso clássico do Pote, como fucou conhecido o jogo entre Botafogo x Bahia desde de meados do anos 30.

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