terça-feira, 26 de outubro de 2010

O primeiro campeonato baiano após a ditadura militar



A derrota da Emenda que restabelecia as eleições diretas para presidente sepultou a possibilidade de que o fim da ditadura no Brasil não fosse furto de negociações de cúpula. A oposição, hegemonizada pelos liberais, foi ao Colégio Eleitoral e elegeu Tancredo Neves de “balaiada” contra Paulo Maluf. A Bahia parecia prestigiada, num ministério onde Roberto Santos, Waldir Pires e ACM teriam posição, embora coubesse a este último o principal espaço, o Ministério das Comunicações.

Na época eu era militante do PT e agimos no sentido de combater aquela enganação. Não respaldamos o Colégio Eleitoral. Denunciamos o perdão aos crimes da ditadura. Combatemos a “Nova República” sarneysista. Eu participei de várias greves no período. Nem bem Sarney tomava posse e eu já estava na greve dos Correios.

Na Bahia havia mudado a conjuntura política. A entrada do governador João Durval na “Aliança Democrática” diminuiu (embora não evitasse) a repressão do governo possibilitando novos espaços para o movimento social na Bahia. De imediato intensificou-se a articulação dos movimentos de funcionários públicos. A Fundação Cultural, onde eu trabalhava, fez uma greve de “despedida” da diretora Olivia Barradas. Na ocasião, os funcionários trancaram a Biblioteca Central, saíram às ruas, sentaram no chão da Avenida sete parando por alguns minutos o transito.

Nesse ano o campeonato baiano estava muito enrolado e só começaria em agosto. Quase a metade dos clubes de Salvador passou a mandar seus jogos no interior, a ABB, em Lauro de Freitas, o Botafogo, em Dias Dávila, e o Leônico, em Ilhéus. O regulamento do campeonato era uma confusão só. Difícil de ser entendido pelo torcedor. Haveria dois turnos, quatro fases, e de quebra mais um turno se o mesmo clube não ganhasse as duas taças em disputa, a Cidade do Salvador e a do Estado da Bahia.

O quadro político nos estados convergia para as eleições de prefeito e governador. Em Salvador o PMDB manteve a candidatura de Mário Kertész, antigo integrante do grupo carlista, e havia um espaço entre os setores democráticos a ocupar. O PFL lançava o radialista França Teixeira, e ACM, então no PDS, lançaria (numa coligação com o PTB) o nome do tributarista afrodescendente Edivaldo Brito. Luís Pugas, do Partido Humanista, completava o elenco de candidatos. O PT lançaria Jorge Almeida após disputa interna.  

                                                                   
O campeonato baiano começou quando ia avançada a campanha salarial dos petroquímicos. Fui aos dois primeiros jogos do Vitória, vendo a goleada contra o Botafogo por 4 X 0(dois gols do nigeriano Ricky) e a vitória contra o Ypiranga por 3 X 1. Quando o time deu pra empatar eu só pude acompanhar pelo rádio, pois estava muito assoberbado pelas tarefas do movimento onde a grande greve do Polo exigiu nossa atenção até meados de setembro. Sofri assim com os empates com o Serrano, Fluminense e Catuense, deixando, pela primeira vez em muitos anos de assistir ao BA-VI com novo empate. Nessa fase o Vitória só ficou em primeiro lugar graças ao Ypiranga, que derrotou a ABB por 2 X 1!

Aí viajei para São Paulo onde iria ser realizado um evento importante, a fusão de três importantes organizações políticas que daria lugar ao Movimento Comunista Revolucionário que fiz parte. Nesta viagem e no retorno da campanha eleitoral, perdi a melhor fase do meu clube onde Ricky desandou a fazer gols que lhe levaria á artilharia do campeonato. Tive dificuldade de saber o resultado dos primeiros jogos em São Paulo, quando ganhamos do Ypiranga (1 X 0) e do Serrano (5 X 1). O restante foi um passeio, novo 4 X 0 contra o Botafogo, 1 X 0 no Fluminense, 0 X 0 com a Catuense, e, pra coroar o primeiro turno, 2 X 0 no Bahia (gols de Ricky e Zé Augusto).

Tudo isto tive que acompanhar pelo rádio, pois estava na maior trabalheira como coordenador da campanha do PT a prefeito de Salvador. Lembro que praticamente me mudei para a sede do partido, que era também sede da campanha, na medida em que não havia dinheiro para alugar dois locais. Passava o tempo elaborando programas, discutindo a intervenção do candidato junto á imprensa, animando os apoiadores, defendendo-nos na disputa interna, organizando panfletagens, pichações e outras atividades de campanha, e, finalmente, dando plantões na sede. Com se vê, pouca coisa!

O Vitória decidiria o turno contra a Catuense jogando por dois empates. Não deu outra coisa! Eu ainda consegui “fugir” das minhas atividades (é bom que ninguém saiba disto!) pra ver o segundo jogo onde Fernando fez o nosso gol contra o de Bobô, que na época jogava pelo time de Alagoinhas. Foi um jogão!

Enquanto isto a eleição solteira dificultava a mobilização para a campanha eleitoral. Mário Kertész (que liderava folgadamente as pesquisas de opinião) se negou a fazer debates, o que retirou das TVs esse importante instrumento de campanha, sendo que não foram feitas sequer entrevistas nas emissoras de rádio e televisão. Nossa campanha era de uma pobreza franciscana. Não tivemos jingle, adesivo ou bandeiras de candidato. Só no final, quando foram chegando os apoios, é que pudemos confeccionar a marca do programa de TV e adquirir camisetas para a boca de urna.

Nas proximidades do horário politico a Radio Educadora dispôs uma cabine no seu prédio para prepararmos os programas eleitorais. Nossa falta de estrutura era tão grande que sequer tivemos condições de preparar os primeiros programas, que só foram ao ar porque “picotamos” um programa anterior do PT, e onde o candidato a prefeito aparecia somente como presidente do partido. Mesmo assim, o candidato foi o único a colocar os movimentos sociais no ar e teve boa audiência a sua denúncia da sonegação de impostos por Mário Kertész.
                          
Mas continuava acompanhando o futebol. Para o Vitória bastava ganhar o segundo turno pra voltar a ser campeão do estado. Mas qual, o time desceu pela ladeira, após ganhar as quatro primeiras partidas, acabou sendo derrotado dentro da Fonte Nova pelo Itabuna e Leônico, deixando o título da primeira fase deste turno com o primeiro, e acabando em terceiro lugar.

Na segunda fase melhorou, ganhando todas as partidas de seu grupo somente com um empate com o Itabuna. Mas havia deixado que o seu arquirrival se soerguesse e este acabou ganhando o segundo turno em duas partidas contra o Vitória (1 X 3 e 1 X 1). Eu, pelo menos, continuava invicto, não tendo visto nenhuma derrota até agora, pois a ainda estava na apuração dos votos.

Na véspera da eleição a greve dos gráficos provocaria um susto enorme em todos os candidatos, pois causou problemas para a saída dos materiais eleitorais. Como apoiávamos o movimento não pudemos “furá-lo” tendo que aceitar as dificuldades para a impressão de materiais, que só seria resolvida (para nosso alívio) poucos dias antes da eleição. Teríamos pelo menos farto material de boca de urna!

Intensificamos nos últimos quinze dias a campanha, a encerrando com uma carreata no último dia permitido. O governo estadual de última hora deu reajuste aos funcionários, mas não “colou”, pois apenas 10% teve INPC integral. Mário Kertész e Edivaldo Brito, encerraram as suas campanhas com comícios e nós só conseguimos fazer uma carreata. Mesmo assim, realizamos uma combativa boca de urna, que passou a ser uma marca do PT nas eleições assim como o era da esquerda desde a segunda parte dos anos 70.

Chegamos a 5,14% dos votos, o que eu e a organização consideramos uma vitória. Mário Kertész teria uma vitória esmagadora alcançando 56,41% dos votos validos. Logo abaixo ficaria Edivaldo Brito com 16,52%, França Teixeira com 11,62% e, abaixo de nós Luís Pugas com 1,88%. Nosso candidato Jorge Almeida declararia á imprensa que o partido iria “assumir a oposição ao novo prefeito” ao qual pretenderia cobrar as promessas de campanha. Disse ainda não acreditar em mudanças expressivas em virtude dos “compromissos assumidos por este com grandes grupos e setores reacionários e retrógados da política estadual”.

Agora era recuperar o leite derramado no campeonato. O Vitória havia deixado que o seu arquirrival se soerguesse e este acabou ganhando o segundo turno em duas partidas contra nós (1 X 3 e 1 X 1). Eu, pelo menos, continuava invicto, não tendo visto nenhuma derrota até agora, pois ainda estava na apuração dos votos.

Quase que pedia uma “licença política” pra ver as finais. Pro Vitória ganhar o título tinha que começar tudo de novo. Haveria um quadrangular decisivo com os dois campeões de turno contra dois clubes interioranos, o Serrano(de Vitória da Conquista)e a Catuense(de Alagoinhas). Tanto o Vitória como o Bahia já levariam dois pontos de bonificação neste turno extra.

A tabela agora ajudaria a que eu assistisse aos jogos. É que Vitória e Bahia jogaram no interior as primeiras rodadas, com o meu clube ganhando as duas (3 X 1 do Serrano e 3 X 2 da Catuense) e o Bahia empatando uma (1 X 1 com a catuense) e perdendo a outra (2 X 1 para o Serrano). Foi em meados de dezembro que ocorreu o BA-VI onde o título estaria quase ganho, se meu clube vencesse os dois clubes do interior empatassem.

Ah que decepção! Foi minha primeira derrota no campeonato, por um a zero. Nesse dia o Serrano ganhou a Catuense fazendo com que um suor frio escorresse por minhas costas. Dobrava o terceiro turno com Vitória e Serrano com quatro pontos, o Bahia tinha três e a Catuense um. Será que iríamos conseguir perder este título?

Vem à segunda fase do terceiro turno (faça força pra entender!) e, logo na primeira rodada o Vitória repõe a vantagem ganhando de quatro do Serrano enquanto o Bahia perde para a Catuense (2 X 1). A segunda rodada seria decisiva para meu clube, quando enfrentaríamos a Catuense. Se o Serrano empatasse a vitória nos daria o título. E eis que tudo nos sorri. No dia vinte de dezembro ganhamos de 2 X 1 da “laranja mecânica” (gols de Bigu e Ivan) enquanto o nosso rival nos faz o favor de derrotar o Serrano. Era o sonhado título. O Vitória com dez pontos já não podia ser alcançado pelo Bahia que só tinha sete pontos.

O jogo final foi pra receber o caneco e colocar as faixas de campeão baiano de 1985. Mas não é que o Bahia colocou agua no nosso Chopp? Teve gente na torcida que acusou os jogadores de fazerem “corpo mole”, pois o título já estava ganho, só se salvando Ricky pelo gol que fez, fazendo com que perdêssemos mais uma vez para nosso adversário, agora por 2 X 1. Mas aí faltavam três dias para o Natal e foi só comemorar!

O ano de 1985 se encerrou com outro pacote de Sarney. São reduzidos os gastos, privatizadas empresas estatais, unificados os índices de correção monetária e salarial. Quanto a nós continuaríamos lutando contra seu governo.


*  Agradeço ao blogs História do Futebol, pelas informações, e aos novahistorianet.blogspot.com,mariokertesz.jpg e rickycampeao.opg,pelas imagens.

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