Santos X Bahia nos anos 60 na Fonte Nova
Edson Arantes do Nascimento (“Pelé”) jogou entre 1956 e 1983, atuando apenas até 1975 no Brasil. São ao todo 1375 jogos onde ele conseguiu a marca extraordinária de 1275 gols. Os jogos foram disputados em centenas de estádios por todo o mundo. O campo da Fonte Nova tem o orgulho de ter presenciado o maior jogador do mundo por dezesseis vezes, a maioria das vezes pelo Santos FC. E eu, de tê-lo assistido a metade delas e vê-lo pelo menos fazer quatro gols na Fonte Nova.
Pelé jogou 16 partidas na Fonte Nova, com 9 vitórias, 3 empates e 3 derrotas. As equipes de que participava marcaram 26 gols e tomaram 13. Atuou aqui pelo Santos, pela seleção brasileira e pela seleção paulista marcando seis gols. Um na primeira partida da decisão da I Taça Brasil em 1959; dois na decisão da 5a Taça Brasil, um na única vez que se apresentou pela seleção brasileira; e os dois últimos em 1971 na única derrota contra o EC Bahia no estádio e, três dias depois, na vitória contra o Galícia.
Um ano após ter adentrado o profissionalismo os arquivos dos campeões do futebol registram uma partida entre o Santos de Pelé e um combinado de Salvador, empatando de 2 X 2. A primeira partida contra o EC Bahia seria no ano em que este se sagraria campeão da Taça Brasil em jogo amistoso ganho pelos paulistas por 2 X 1. Os próximos confrontos seriam por este torneio, que em suas 1ª, 3ª, e 5a edições, registrariam saldo favorável ao clube paulista que obteve resultados na Fonte Nova contra o mesmo adversário de 2 X 0, 1 X 1 e 2 X 0.
Eu só assistiria Pelé jogar na Fonte Nova a partir dos anos 60. Aliás, o primeiro jogo que assisti com meu pai e meu irmão foi o da decisão da 3a Taça Brasil. Eu ainda não completara quatorze anos e vi o estádio (que naquela época tinha apenas a parte baixa) completamente lotado. Pegava umas 40.000 pessoas no ocasião. Sentaríamos sempre do lado esquerdo das cabines de rádio, onde se situava a torcida do EC Vitória. A única recordação que tenho do jogo foi o gol de Coutinho logo no início que fez os rubro negros vibrarem. Depois o Bahia empataria. A vingança santista da derrota da 1a Taça Brasil viria poucos dias depois através da voz do admirável locutor Waldir Amaral da Rádio Globo. “Menino competente este Pelé”. Não foi á toa, pois a dupla Pelé e Coutinho esteve endiabrada naquele dia. Só no primeiro tempo já estava 4 X 0. No final, deu de 5 X 1 no tricolor baiano.
Na 5a Taça Brasil ficou de novo Santos e Bahia na final. Mas não teve graça, pois o Bahia jogou poucas partidas. Lembro que antes de chegar ali o Bahia teve que passar pelo Botafogo. Ganhou aqui de 1 X 0, mas eu não iria ao jogo, limitando-me a acompanhar pelo rádio o empate de 0 X 0 no Maracanã. É que meu pai torcia pro Botafogo e acompanhávamos todos os seus jogos pela rádio. Éramos fãs de Garrincha, Jairzinho, Amarildo, Quarentinha, Manga (menos na seleção) e Nilton Santos. Lembro que este último chegou a advertir o time pra não ir todo mundo pra frente pra que não perdessem de novo pra “esse time”.
Desta vez a decisão foi na Bahia após o Santos aplicar nova goleada de 6 X 0 na primeira partida em São Paulo. Naquele tempo, porém, não havia saldo de gols e se o Bahia ganhasse haveria uma terceira partida. O jogo na Fonte Nova foi logo depois. Foi quase na véspera do golpe militar de 64. Eu agora ia completar 16 anos e sentamos no lugar de sempre. Vi as poucas defesas de Gilmar. As arrancadas do tricolor Biriba pela esquerda. O domínio dos santistas Lima e Mengalvio no meio do campo. Um Pepe pouco inspirado em suas “bombas”. As tabelinhas geniais entre Coutinho e Pelé. Foi o maior jogo do “rei” que assisti. Que saudade! Foi o diabo em campo.
Ficou em minha memória uma de suas jogadas geniais feita na intermediária do lado do campo que dava pro gol da Ladeira da Fonte. Na ocasião o Bahia tinha dois grandes zagueiros. Digo grandes pelo tamanho, mas eles eram também eficientes. O beque central era Henrique, um negão alto e forte, e o centro médio era Roberto, um brancão que se destacava por sua virilidade. Com eles passava o jogador ou a bola, mas não os dois juntos. Pelé fingiu que entraria por um lado e entrou pelo outro deixando os dois enrolados no chão. Foi uma risada geral no estádio. Acredito que até os torcedores do Bahia riram.
Lendo os arquivos dos gols de Pelé, confesso que não me lembro do jogo que consta na estatística dos campeões do futebol em 1965 na Fonte Nova que teria registrado a vitória santista por 3 X 1. Só se for amistoso, mas estranha à realização de um na Bahia e outro em São Paulo, ambos registrando derrotas do Bahia. Bem, pode ser o fato é que não me lembro. Na época estávamos mais preocupados com a campanha do EC Vitória na Tala Brasil, esperando que repetisse as façanhas conseguidas na época pelo EC Bahia. No entanto, após passar bem pelo Campinense, fomos eliminados pelo Náutico que tinha um ataque incrível formado por Nado, Bita, Nino e Lala. Mas aí a crise já tinha tomado conta de nosso futebol e a imprensa não transmitia os jogos. Pra saber de futebol tínhamos que ir ao estádio ou ler o Esporte Jornal.
Em julho de 1969 Pelé viria com a seleção brasileira na Bahia quando da excursão ao Nordeste para preparação da Copa de 70. O estádio já estava fechando para a ampliação do anel superior, mas abriu para ver os “canarinhos” que jogariam ainda em Sergipe e em Pernambuco. Na ocasião achei um absurdo à escolha do EC Bahia para enfrenta-la, pois nos outros estados havia sido escolhido a seleção local.
Quase não fui ao estádio, mas não foi só por isto. É que tinha divergência com João Saldanha na escalação de uma seleção onde até Dario seria convocado. Queria Manga ou Castilho ao invés do goleiro Felix. Embora adorasse Gerson, achava que dava pra escalar também Rivelino como titular ao invés de fazê-lo entrar durante as partidas. Não tinha objeções quanto ao ataque embora achasse que Edu tinha altos e baixos. Aqui mesmo não jogou bem. A opção pelo EC Bahia não evitaria a goleada de 4 X 0. Aliás, a seleção deu goleadas em toda a excursão. Pelé teria uma atuação discreta e até o gol que marcou não foi grande coisa.
Quatro meses depois eu voltaria a Fonte Nova para ver um jogo que ficou famoso. É que nesta época só se falava no milésimo gol de Pelé. Mas aí eu já tinha 21 anos, participava do Grupo Comunicação e contava com certo potencial crítico. Essa é a primeira vez que conto esta história, pois o folclore baiano divulga outra versão. Diz-se que Pelé “quase” fez o milésimo gol na Bahia não fosse o “malvado” Nildo, zagueiro do EC Bahia. Mas na verdade as coisas se passaram bem diferente.
Fui ao estádio com meu irmão “Toínho” e fiquei desconfiado do milésimo gol sair mesmo. É que o Santos vinha em excursão pelo Nordeste e havia jogado alguns dias antes na Paraíba onde achou oportunidades de fazer o gol 1000 e perdeu. Além disto, sabia do jogo que haveria logo depois no Maracanã contra o Vasco da Gama. Perguntava-me em qual estádio Pelé preferiria fazer o gol.
No jogo Pelé teria uma atuação muito discreta ficando ali pela intermediária. Nas poucas vezes que partiu pro gol perdeu a bola. E na única que apresentou real perigo de gol, fez uma bela jogada e passou pelo goleiro tocando displicentemente a bola para o gol, dando oportunidade a Nildo de tirá-la antes que ultrapassasse a linha da meta. Pudemos ouvir o “oh” no estádio. Não me lembro da torcida do Bahia ter vaiado Nildo como se apregoou depois. O que sei é que na torcida do Vitória ficamos revoltados com Pelé por não ter querido fazer o gol 1000 na Bahia preferindo os holofotes do Maracanã.
A FBF corrigiria o erro anterior designando uma seleção baiana para enfrentar a seleção paulista que nos visitaria no final do ano, mas não evitaria a derrota de 2 X 1. Eu não pude ir a este jogo, não me lembro bem porque, ainda mais que a seleção tinha alguns jogadores do Vitória.
A década de 70 presenciaria os últimos jogos de Pelé no estádio, democratizando os seus adversários. O EC Bahia jogaria em 1971 e 1972, colhendo sua primeira vitória (3 X 2) e outra derrota (2 X 0). Eu não veria nenhuma das duas, preferindo ver Pelé jogar contra o Galícia em 1971 e ganhar de 2 X 0 um amistoso. Torci para os azulinos, embora achasse que o time se intimidou deixando o todo poderoso Santos obter uma vitória fácil. Quanto ao meu Vitória se daria bem contra o Santos, derrotando Pelé e CIA, por 1 X 0 e 2 X 0, nos dois primeiros campeonatos brasileiros que disputou em 1972 e 1973. O clube só o enfrentaria após a inauguração do anel superior da Fonte Nova. Em ambas as partidas o “rei” não foi o mesmo sendo neutralizado por uma boa marcação de Valter.
O Santos já não tinha mais nem Gilmar nem Coutinho. O primeiro substituído por goleiros apenas regulares como Claudio e Carlos, enquanto o nosso Agnaldo esteve inspirado em ambos os dias. Coutinho foi substituído por centroavantes que não esquentaram lugar ao lado de Pelé. Mas jogavam Carlos Alberto Torres e o polêmico Afonsinho. No ataque brilhavam menos Pelé e Pepe, o “rei” e o “canhão da Vila”. Estava na época do nosso único título nos anos 70 e possuíamos um ataque arrasador, formado por Osny, Gibira, André “Catimba” e Mário Sérgio. Mas quem brilhou em ambas as partidas foi Almiro, fazendo o gol da vitória no primeiro jogo e enfiando outra bola na rede no segundo, onde foi complementado por Fernando Rabelo.
Meu clube, porém, subia ao cenário nacional quando Pelé já estava prestes a encerrar sua carreira no Brasil. No início de 1974 voltaria a Fonte Nova para ver o Santos jogar de noivo contra o Vitória. Na ocasião fiquei furioso, pois perdemos de um a zero acabando com nossa “invencibilidade” de dois jogos contra o Santos da Era Pelé. Era o dia 31 de janeiro e não sabia que seria a última vez que o “rei” pisaria no campo do estádio. Nove meses depois ele encerraria sua carreira no Brasil num jogo contra a Ponte Preta que o Santos ganhou por 2 X 0. Ainda jogaria até 1983 no Cosmos de New York e faria várias “despedidas” antes de encerrar a carreira, porém nenhuma na Bahia.
· Agradeço as estatísticas dos jogos e gols de Pelé constantes no site www.campeoesdofutebol.com.br e as imagens constantes dos blogs camisadobahia.blogspot.com, portalibahia.com.br e colinas.epocanegocios.globo.com.
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