terça-feira, 12 de outubro de 2010

Política e futebol


                            O ministro Che Guevara e a delegação do Madureira(RJ) nos anos 60  

No ano que vem completo meio século de futebol.  Durante este tempo sempre percebi as implicações da política no futebol. Afinal, o esporte não está solto no ar e, como ele faz parte da sociedade, não pode deixar de ser influenciado por ela.
No esporte em geral isso tem sido muito claro. A história das Olimpíadas, desde o seu retorno na Era Contemporânea em Atenas (1896) está cheia de atos políticos. Na XI Olimpíada de Berlim em 1936 vários ginastas alemães faziam a saudação nazista após receber suas medalhas. No entanto, em 1968, no ano em que Martin Luther King foi assassinado e ainda reinava o apartheid em vários estados norte-americanos, os atletas negros Tommy Smith (ouro) e John Carlos (bronze) foram expulsos da delegação norte-americana por fazer o gesto do poder negro quando da execução do hino norte-americano no momento em que recebiam no podium as medalhas que ganharam nos 200 metros rasos.      
O "mundo do futebol" tem sua própria política. E ela repercute sobre os campeonatos, os regulamentos, a imprensa, a atitude dos jogadores e dos torcedores. No entanto, este raciocínio tão simples conta com muitas dificuldades para ser entendido pelo torcedor comum. Ora, o clube que torcemos tem uma política interna onde concorrem várias correntes visando se apossar do poder. É ela que define quem participa ou não do Conselho Deliberativo onde se faz muita política, mas não há democracia, pois a eleição dos dirigentes não são diretas. Com o intuito de conseguir melhoras para si... digo para seus clubes, os dirigentes participam da FBF, do Clube dos 13 e da CBF, todos esses locais de renhida disputa política.
Há ainda o conflito político com a mídia e patrocinadores para conseguir melhores pagamentos; com o Estado e Prefeitura reivindicando obras, convênios e serviços de interesse do clube; e com os empresários dos jogadores. Tudo isto tem levado a que inúmeros dirigentes de clubes acabem se candidatando a cargos eletivos onde podem elaborar leis e projetos e estabelecer relacionamentos e tráfico de influência levando até esse ponto o “interesse do clube”.
Mesmo com tudo isto, no “recinto sagrado” das torcidas se tem o costume de falar muito mal da política. Aí a falta de coerência é tão grande que muitos votam nos dirigentes dos clubes que se candidatam declarando ajudar o time. Quanto a mim nunca votei em ninguém tendo apenas esta referência. E olho que não foi por falta de candidatos pois havia “Pirinho”, Paulo Carneiro, Jose Rocha, entre outros.
Nesta breve crônica desejamos, portanto, apenas observar que o futebol no Brasil, teve desde o seu surgimento, funções sociais, políticas e comerciais. Surgido em meados do Século XIX a partir “de baixo” se apoiou nas fábricas da Grã Bretanha para alcançar as classes médias e elites destronando esportes tradicionais como o críquete. No Brasil, sua origem se deu “por baixo” e “por cima”, atingindo estrangeiros, estudantes e operários.  A organização de campeonatos no país tem circunstâncias políticas pouco explicadas, e dá um fértil campo para os historiadores que ainda não o ocupam pelo mais absoluto preconceito com o esporte das multidões.  
O preconceito contra a participação dos negros percorre as primeiras décadas do Século XX. Está no cerne da designação do Fluminense e do Bangu, ambos do Rio de Janeiro, como “pó de arroz” ou “mulatinhos rosados” e, institucionalmente, na recomendação do presidente Epitácio Pessoa de que não se levasse negros na delegação brasileira que compareceu á Argentina para disputar o I Campeonato Latino-Americano de Futebol em 1919. Uma das poucas exceções entre os grandes clubes está na Ponte Preta onde participaram negros e mulatos desde a sua fundação
                                        Selo com o campeão de atletismo de 1936 Josse Owens
Os nazifascistas também se aproveitaram do esporte. Mussolini apreciava os efeitos de uma vida baseada nos valores dos exercícios físicos e enviou um telegrama á seleção italiana exigindo “vencer ou morrer” na véspera do jogo decisivo da Copa do Mundo quando esta derrotou a Hungria por 4 X 2. Hitler fez das Olimpíadas de 1936 a propaganda do III Reich. É celebre a sua retirada do estádio para não apertar a mão de Jesse Owens que a frente de atletas negros norte-americanos obteve o feito sensacional ganhando quatro medalhas de ouro abalando o sonho de estabelecer uma raça ariana superior.
A influência desses regimes no Brasil não pode ser esquecida. Getúlio Vargas adotaria o Estádio de São Januário (Vasco da Gama) como palco de doutrinação esportiva e sua filha Alzira seria madrinha de jogadores. Estimularia ainda a que o país sediasse torneios internacionais. Aqui, a partir dos anos 30, intelectuais como Gilberto Freyre e Mário Filho se esmerariam na tarefa de relacionar o futebol com a nacionalidade. Seria um esporte por excelência para ressignificar o brasileiro como malandro, versátil e astuto contraposto á racionalidade europeia. Um veículo de integração do negro na sociedade. Mas ainda havia importante resistências na sociedade contra este esporte popular, que deram origem inclusive a manifesto contra o futebol, escrito por Oswald de Andrade.
O cenário de amadorismo seria quebrado nos anos 30, mas a consolidação definitiva do nosso futebol só viria ocorrer nos anos 1950-1970.  A construção do Maracanã e a realização da Copa de 1950 seria o primeiro marco para a cristalização do nosso principal esporte. O processo coincidiu com as eleições daquele ano quando acorriam candidatos a tirarem fotos com a seleção que iria ser derrotada na final contra o Uruguai.
                                            
No período Anísio Teixeira proclama as suas qualidades educacionais, e modernistas como Diógenes Rebouças elaboram projetos de praças esportivas, como o do Estádio da Fonte Nova em Salvador. Sob a ideologia nacional-desenvolvimentista o país parece se desenvolver em nome dos interesses populares.  
A vitória nas copas de 1958 e 1962 inaugura uma nova época para o futebol do país. O esporte começa a ser visto como instrumento de política externa e de relações comerciais internacionais. A sua dimensão, porém, pagaria o preço da crise política que se abate naqueles tempos sobre a sociedade brasileira que enveredaria por anos em uma ditadura militar.
                             O general-presidente Médici e o "capitão" Carlos Alberto em 1970
O marco decisivo da consolidação do nosso futebol seria a Copa de 1970. Ali, sob o pano de fundo do “milagre econômico”, o general-presidente Garrastazu Médici, que institucionalizaria uma assessoria de propaganda, busca colar o futebol no desacreditado regime, inaugura a sua presença em praças de esporte, e estimula a confecção de hinos que difundem o otimismo em relação aos caminhos do país. Assim são Este é um país que vai pra frente, Pra frente Brasil e Eu te amo meu Brasil.
Quem não se lembra dos versos cantados por Os Incríveis como “é um país que canta, trabalha e se agiganta/é o Brasil de nosso amor”. E da que se constituiria como um verdadeiro hino da seleção brasileira, de coautoria do próprio Médici. Faria sucesso, particularmente, seu refrão onde se cantaria “De repente é aquela corrente pra frente/ parece que todo o Brasil deu a mão/Todos ligados na mesma emoção/tudo é um só coração”. Por último, mas não por fim, Dom e Ravel cantavam “Eu te amo meu Brasil eu te amo/meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil/Eu te amo meu Brasil eu te amo/ninguém segura à juventude do Brasil”.
Reconheço hoje com pesar que, mesmo com algum senso de crítica na ocasião, minha grande paixão pelo futebol acabou me fazendo vítima desta campanha. Fui um dos que se emocionaram nesta época, particularmente com a música de Médici quando, a cada vitória da seleção ficávamos mais sensibilizados. Enquanto Wilson Simonal cantava no hotel da seleção no México o “pau comia solto” nas cadeias, o Congresso não funcionava e as universidades eram ocupadas por delatores a soldo da ditadura.
Após a copa o futebol seria visto como importante instrumento de integração nacional assim como a TV Globo. O Campeonato Nacional substituiria a antiga Taça de Prata agregando clubes das diversas regiões. A demagogia, entretanto, passaria da dose.  Entre 1971 e 1979 a cada ano entravam novos clubes levando a que deste último participassem o número astronômico de 96 clubes levando a protesto de clubes como o Corinthians, São Paulo e Santos.
O pós-ditadura já encontraria o esporte como referência internacional. A novidade apenas é que foi se transformando no principal ingrediente da indústria mundial de futebol. Passou a liderar de longe a exportação de jogadores que saem daqui na mais tenra idade. Os grandes clubes da Europa vem caçar aqui meninos de 8 a 10 anos e os levam criminosamente do nosso país.
                  O jogador Ronaldo oferecendo a camisa ao presidente Lula                                                
O governo Lula não se furtaria em continuar as relações da política e do comércio com o futebol. O esporte seria utilizado para legitimar a “missão de paz” no Haiti e, com a sua retomada do nacional-desenvolvimentismo a vinda da Copa do Mundo de 2014 e das Olímpiadas de 2016 passaria a ser uma questão de prioridade para o país.

·         Agradeço as contribuições de Gilberto Agostino (Vencer ou morrer: futebol. Geopolítica e identidade nacional) e Alessandro Biazzi e Virgílio Franceschi Neto (Futebol e política externa brasileira: entre o político-identitário e o comercial).

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