segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Desesperar jamais ou o amargo vice de 1979

                                      O grito, desespero expressionista de Edward Munch 
O campeonato baiano tem 106 edições, sendo 57 destas realizadas na Fonte Nova.  O EC Bahia ali obteria 31 campeonatos baianos e dois títulos nacionais, vindo o EC Vitória em segundo lugar com 10 campeonatos e dois vices nacionais (na primeira e segunda divisão em 1992 e 1993). Seguem-se o Fluminense (Feira de Santana) com dois, e o Ypiranga, Galícia, Colo Colo (Ilhéus) e Leônico, com um campeonato baiano cada. O leitor certamente verificará que a conta “não bate”, mas é que dez desses campeonatos foram ganhos pelo EC Vitória e decididos em seu estádio, o “Barradão”.
Os anos 70 foram seguramente os piores para o Vitória que além de só conquistar dois títulos (1972-1980) ainda veria seu arquirrival ganhar um heptacampeonato entre 1973 e 1979. É por isso que quando a coisa está feia eu sempre me lembro da música de Ivan Lins que foi feita para a política, mas que cai como uma luva para o futebol. Tem um trecho dela que diz:
Desesperar jamais
aprendemos muito nesses anos
afinal de contas não tem cabimento
entregar o jogo no primeiro tempo
nada de correr da raia
nada de morrer na praia
nada, nada, nada de esquecer.
                                                             Disco do cantor em 1979
Eu devo seguramente ter assistido os quase cinquenta BA-Vis disputados nos anos 70. Alguns deles são antológicos. Na época o fator emocional pesava a cada ano que ocorria nova conquista De uma hegemonia do Bahia que parecia não mais terminar.
O grande exemplo disto foi em 1979. O país tinha um novo general de plantão, João Batista Figueiredo, e eu mesmo participei de várias manifestações para tornar efetiva a sua promessa de “bater e arrebentar” quem não quisesse fazer deste país uma democracia. O campeonato começou neste clima, com o meu clube ganhando o primeiro BA-VI por um a zero. O andamento do campeonato foi empolgando a torcida quando o clube conseguiria o Record de partidas invicto no campeonato baiano.
Parecia que iria acabar com a maior série de conquistas do EC Bahia até então.  Este clube não conseguiria nos ganhar em todos os jogos dos turnos, mas que em sua grande maioria terminariam empatados.  O clube estava longe de ter um time inferior ao seu adversário, destacando-se Gelson no gol, os xerifes Xaxa e Zé Preta na zaga, Dendê no meio, e uma excelente dupla de ataque formada por Sena e Jorge Campos. Éramos dirigidos pelo mais novo dos irmãos Moreira, Aimoré, ficando nosso adversário com aquele que considerávamos “esclerosado”, o Zezé.

O jogo decisivo, porém, acabou com a vantagem do Vitória embolando o campeonato. Sena fez 1 X 0, mas o Bahia empatou logo no primeiro tempo com Botelho. No segundo tempo consolidaria a “virada” com um gol de Zé Augusto. Considero que foi neste jogo que o Vitória perdeu o título. Alguns dias depois haveria um jogo extra. Na oportunidade, mesmo com o Vitória com mais volume de jogo, a partida terminaria empatada sem gols. Partiu-se então para nova partida extra que esteve mais uma vez longe de garantir o mesmo público de jogos anteriores. Pudera! O público já estava desgastado com tantos BA-Vis. Só naquele ano foram nove! Mas mesmo assim a final teve um bom número de torcedores.
A partida foi bem disputada. Ninguém queria arriscar muito, embora voltássemos a ter mais volume de jogo. O primeiro tempo ficou empatado em zero. No intervalo os torcedores se perguntavam como ficaria o campeonato com um novo empate. Haveria nova partida? Nem de longe havia clima para declarar os dois campeões, como iriam ocorrer vinte anos depois. Enquanto estávamos nestas elucubrações começou o segundo tempo com o Vitória atacando para o gol da Ladeira da Fonte das Pedras e o Bahia para o gol do Dique do Tororó.
O jogo decorreu na mesma toada aumentando ainda mais o nosso domínio, mas o gol não saía. Aí foi quando Fito arriscou um chute da intermediária e Gelson tomou o maior “frango” que eu vi naquele estádio. Eu só o vi pegar a bola, largá-la, e, após ela entrar alguns palmos, o juiz apontar o meio de campo. O gol calou fundo na torcida rubro negra. Durante breves segundos não se ouviu um pio do nosso lado, só a torcida adversária comemorando. Um silêncio sepulcral que só foi quebrado aqui e ali por exclamações de raiva.
Algumas pessoas levantaram e saíram do estádio indignadas com a falha do goleiro do Vitória. Outros, como eu e meu irmão Toínho, ficamos. O Bahia segurou o resultado até o fim valendo até chutões pra todo lado. Mas o Vitória que me desculpe, desta vez nós assistimos os minutos finais em uma das entradas que levava pros portões. Quando acabou a partida descemos rapidamente as escadas subindo correndo a ladeira pra não ver a comemoração tricolor.  Passamos a noite de mau humor e eu mesmo me rolava na cama pra conseguir dormir. É que a rua onde morávamos, a Francisco Ferraro, ficava atrás do Colégio Central, instituição que se localiza na avenida que dá acesso a Fonte Nova. Assim, ficava difícil morar no Centro e não ouvir as comemorações adversárias. 
Durante anos correu a maior boataria. Dizia-se que Gelson havia se “vendido”. Que o resultado havia sido “armado” e outros mitos que se divulgam até hoje que, se consolam os torcedores, não fazem voltar o “leite derramado”. Chorei de raiva naquele dia a trinta anos atrás. A década de 70 havia sido um desastre para o Vitória. Somente em seu final, no ano seguinte, é que o Vitória voltaria a se encontrar com o título.
Ainda duraria a hegemonia de nosso adversário, que na próxima década emendaria um tetracampeonato e alcançaria um título nacional da Copa União. No entanto, nesta mesma época começaria a Era Barradão e as coisas nunca mais seriam como antes. Apesar de toda a tristeza que sentimos naquele 28 de setembro de 1979, ela seria um dos marcos de um tempo que não volta. A partir dos anos 90 o Vitória daria “à volta por cima” e emendaria uma hegemonia tão longa como aquela que durou as décadas de 70 e 80 no futebol baiano.

*  Agradeço as imagens dos blogs emule.com.br, divevision.com.br, blogdasantinha.com e taislc.blogspot.com.

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