Alguém já ouviu falar do Campo Grande? É um bairro aprazível do Rio de Janeiro, que fica na zona Oeste da cidade e fica junto de bairros como Bangu. Não é a toa que este já foi um clássico no Campeonato Carioca. Ali, os vizinhos criaram um clube de futebol, o Campo Grande Athlético Club, que, mesmo anos após outros bairros, sobreviveu até os nossos dias, quando completa setenta anos de idade.
O Campo Grande tem camisas alvi negras e possui o estádio de Ítalo Del Cima onde cabem, pelo menos, 18.000 torcedores. Ao longo de sua existência passaram por ele pessoas famosas como os atacantes Dario “Maravilha” e Claudio Adão, o goleiro da seleção brasileira Barbosa e o técnico Wanderley Luxemburgo. Seu hino tem um trecho que diz do seu temperamento aguerrido:
Avante Campo Grande,
entre os grandes demonstra tua fibra,
teu fulgor
para gáudio da torcida
que grita, aplaude e vibra.
e idolatra seus atletas com fervor
O site do clube estampa com orgulho suas principais conquistas, registrando apenas uma na primeira divisão, o título do Torneio José Trocoli (1967). Tive a curiosidade de buscar maiores informações sobre esse torneio e verifiquei que apenas participaram dele os pequenos clubes do Campeonato Carioca. Mas é claro que isto não desmerece o “campusca”, que tinha na época jogadores como o centroavante Dario, o goleiro Helinho e o médio Romeu. Na oportunidade só perdeu pro São Cristóvão (0 X 1) conquistando o título em um jogo extra com o Bonsucesso, que voltou a ganhar pelo escore mínimo.
As outras conquistas se encontram na segunda e até na terceira divisão. Disputou o Campeonato Brasileiro por várias vezes, embora apenas chegasse á primeira divisão com a politicagem da CBD que, em 1979, colocou 94 clubes no certame. Neste ano seria dirigido pelo técnico Paulinho de Almeida e apresentava jogadores como o atacante Pantera, o zagueiro Paulo Siri, e o meia Lulinha.
Pois foi neste período que o Campo Grande aportou na Bahia. Durante os melhores quatro anos de sua existência, 1979/1983. O “campusca” ficaria junto do EC Vitória naquele campeonato maluco onde havia oito chaves. Mas antes de falar da atuação deste clube na Fonte Nova deixem-me dar um quadro da situação do certame daquele ano. Havia três fases, além da semifinal e da final. Na primeira fase participaram 80 clubes, divididos em oito chaves de dez. Os classificados iriam enfrentar os doze clubes do Rio-São Paulo na segunda fase. Por último, Guarani e Palmeiras (campeão e vice do ano anterior) só entraram na terceira fase. Conseguiu entender? “Pera aí” que ainda tem mais.
A dupla BA-VI ficou no grupo “H” e se equivaleriam em miséria, classificando-se nas últimas vagas para a segunda fase, respectivamente, em oitavo e sétimo lugar. No entanto, o Campo Grande surpreenderia no grupo “D”, onde ficaria em segundo lugar, embora em um grupo mais fraco, obtendo cinco vitórias e dois empates e onde perderia apenas duas vezes.
Na segunda fase, porém, as coisas se alteraram. O Bahia cairia no grupo “D” e Vitória e Campo Grande ficariam juntos no grupo “F”. O EC Bahia continuaria de mal a pior não se classificando, mas o Vitória seria o primeiro do grupo (em que também estava o Fluminense (RJ) ) com cinco vitórias e duas derrotas. O “campusca” não aguentaria o repuxo ficando em quinto lugar e sendo eliminado. Mas tinha sido uma ótima campanha para a primeira participação.
A confusão deste campeonato previa agora quatro quadrangulares, a título de “terceira fase”, entrando pelo mês de dezembro. Na ocasião o Vitória saiu do certame por causa de uma estreia desastrosa, onde perdeu de quatro a zero no Estádio Couto Pereira, justamente do Curitiba que ganharia o grupo. De nada adiantaram as vitórias na Fonte Nova contra o XV de Piracicaba (3 X 1) e o Guarani (3 X 0). O “coxa” iria para as semifinais enfrentar o Vasco da Gama, num ano em que o Internacional (RS) se sagraria campeão.
Toda esta mixórdia levou ao protesto dos grandes clubes e a acabar com a desmoralizada CBD, embora se diga até hoje que foi uma “decisão da FIFA para separar os esportes”. Mas, deixemos a política de lado e voltemos para Vitória X Campo Grande. Como disse os dois clubes se enfrentaram pela segunda fase, no dia 28 de novembro de 1979, e, na ocasião meu clube ganharia de um a zero com um gol do centro avante Zé Júlio. O público seria de quase seis mil pessoas, que assistiriam a um jogo disputado onde ocorreriam duas expulsões, a do lateral esquerdo rubro negro Vinicius, e a do ponta alvi negro Luís Cláudio.
O EC Vitória de Aymoré Moreira formou com Pavão, Joca, Otávio Souto, Xáxa e Vinicius; Dendê (Zé Mário), Marquinhos e Sena; Zé Júlio, (Sivaldo), Pita e Tonho. O Campo Grande de Paulinho de Almeida resistiu bravamente ao rubro negro, caindo de pé, com Roberto, Brasinha, Neném, Paulo Siri (Vilmário) e Serginho; Lulinha e Paulinho; Rocha, Waldo (Clésio), Luís Carlos e Luís Cláudio.
Estádio Ítalo Del Cima - RJ
O Campo Grande passaria a disputar a segunda divisão voltando “por cima” com o seu grande e histórico título, o de campeão brasileiro de 1982. O certame seria decidido mediante uma vitória épica conseguida na partida onde derrotou por três a zero o CSA de Alagoas, em Campo Grande, para mais de quinze mil torcedores. Vale a pena lembrar-se do técnico Décio Esteves, zagueiro Pirulito, dos atacantes Tuchê, e de Luizinho das Arábias, que fez dois gols na ocasião, sendo o escore completado por Lulinha.
Agora, de novo na primeira, dirigido por Wanderley Luxemburgo, iria enfrentar o tricolor baiano. O campeonato foi organizado pela nova CBF, e também era uma confusão só, embora com muito menos clubes. Desde 1980 estava dividido em três divisões, chamadas de “Taça de Ouro”, “Taça de Prata” e “Taça de Bronze”. Por mais incrível que possa parecer, o acesso, ao invés de assegurar a classificação para o ano posterior, permitia a ascensão da segunda para a primeira em plena disputa do campeonato. O Brasil realmente não é um país sério!
Em 1983 também havia as oito chaves, tanto na primeira como na segunda fase. E ainda a terceira, com mais quatro grupos. Pra complicar tudo inventaram a tal da “repescagem” ao fim da primeira fase, salvando os quatros colocados para compor os grupos da segunda fase. Jogava-se, por fim (ufa!), a fase final. Conseguiu entender alguma coisa? Nem nós naquela época! O Flamengo se tornaria campeão pela terceira vez, em decisão contra o Santos.
O técnico Wanderley Luxemburgo
Foi o segundo em toda a história dos campeonatos brasileiros que o EC Vitória não se fez presente, tendo sido “compensado” o estado pela presença do Galícia EC. O azulino, porém, deu vexame no grupo “C” onde não ganhou de ninguém! Já o EC Bahia passaria para a segunda fase ao ficar em terceiro no grupo “E”. Quanto ao “campusca” ficaria em quarto lugar, mesmo assim, graças a duas vitórias contra o Joinville (SC). Mas acabou conquistando a vaga pela tal da repescagem ganhando o Paissandu em Belém por três a um.
Na segunda fase, portanto, ambos caíram no grupo “L” (vá contando tanto grupo!) junto com Corinthians e Vasco da Gama. Mas quem esperava uma “barbada” para o “timão” e os cruzmaltinos se surpreendeu! Bahia e Campo Grande estrearam em Ítalo del Cima, no único jogo oficial que conheço de clubes baianos naquele brioso estádio, não havendo movimentação do placar. Mas não teve problema pois Corinthians e Vasco ficaram no um a um. Pra resumir as coisas quando faltavam duas rodadas a situação ainda estava apertada, com Corinthians com cinco pontos, Vasco e Campo Grande (acredite!) com quatro, e o Bahia com três.
Podia dar qualquer dupla na terceira fase! E foi nesta condição que o EC Bahia e o Campo Grande AC fizeram um jogo histórico e praticamente decisivo na Fonte Nova no dia 30 de março de 1983 numa quarta feira na Fonte Nova. Na ocasião ainda se rezava missas oficiais para a “redentora”, o que ocorreria na Catedral Basílica no outro dia, pelos 19 anos do golpe de 1964.
O Bahia de Carlos Froner formou com Ronaldo, Edinho, Edson Soares, Zé Augusto, Emo, Helinho, Leo Oliveira (Peres), Sena, Washington, Mário (Ricardo Silva) e Robson Carlos. Já o Campo Grande de Fidélis, em seus últimos dias de primeira, jogaria com Zé Carlos, Jacenir, Neném, Pirulito e Ramirez; Demétrio, Israel, Maurício (Ailton); Elci, Luizinho das Arábias e Tuchê (Carlos Antônio). 12. 728 torcedores viram o tricolor ganhar por dois à zero, gols do lateral Edinho e do meia atacante Sena. O alvi negro despedia-se da Fonte Nova e ao mesmo tempo da vice-liderança do grupo.
Agora era o Bahia que tinha mais chances, embora o Campo Grande ainda pudesse remotamente pensar em classificação. Só que havia um problema, ambos jogariam a última partida fora de casa. O Bahia ainda conseguiria um empate (1 X 1) com o Vasco no Rio de Janeiro, mas o “campusca” perderia de novo, agora para o Corinthians, por três a um. O empate não interessaria ao tricolor, que perderia a vaga para os cruzmaltinos no saldo de gols. Deu à lógica, embora com dificuldade, na última vez que o Campo Grande esteve na primeira divisão.
Os grandes anos do Campo Grande haviam acabado. Disputaria melancolicamente a segunda divisão um ano e se afastaria do certame. Voltaria triunfalmente ao brasileiro, da terceira divisão, em 1990, conquistando o acesso. Mas também se despediria desta em 1991. Na década de 90 participaria por quatro vezes da terceira sem resultados.
Até no Campeonato Carioca o Campo Grande não foi mais o mesmo. Havia acumulado 29 participações neste certame, que disputou, com alguns interstícios, entre 1962 e 1995. Esta época registra boas campanhas inclusive quando esteve rebaixado. Foi campeão invicto da “segundona” em 1985, e vice por duas vezes, em 1989 e 1998.
O novo milênio seria ainda mais trágico para o clube, que busca se classificar para a quarta divisão do brasileiro e frequenta a terceira divisão do Campeonato Carioca. Chegaria em 2008, enfim ao acesso a segunda divisão do futebol carioca. Parecia começar uma nova era no “campusca”. Quem sabe voltar aos velhos tempos? No entanto, a vida continuaria cruel com o clube, que não teria a estrutura necessária para alavancar a recuperação, perdendo todos os dez jogos da Copa Rio, quase concorrendo com o Íbis – o pior time do mundo - na campanha.
O glorioso Campo Grande AC voltou, assim, as más companhias da “terceirona”. É que, com exceção do brioso Canto do Rio, estão ali times que nem de longe honram a sua história, como o Quissamã, o La Corunha (que seguramente não é o da Espanha), o Sendas (das Casas Sendas?) e o Diana.
· Agradeço aos sites da Federação Estadual do Rio de Janeiro-FERJ, ao setor de publicações raras da BCE, ao bolanaárea.com. br, a Walter Iris e Eduardo Trigo, aos blogs pequenosgrandesclubes. blogspot.com e futipédia.blobo.com, arquivocentraldesumulas.blogspot.com, goldecraque.blogspot.com, história do futebol e jogosdobonsucesso.blogspot.com. Sou grato também as imagens dos blogs buscap.com.br, mavalem.sites.uol.com.br, jogosperdidos.zip.net e casaca.com.br e aos comentários criticos.
Parabéns pela pesquisa! O post está muito legal. Me emocionei ao ler essa história do meu Campusca!
ResponderExcluirAgora, só uma correção: O estádio não "fica" em Ítalo del Cima. Ele se chama Ítalo del Cima, e fica na Rua Artur Rios, em Campo Grande mesmo. Ah, e a gente diz que lá cabem 18 mil não. Pra gente cabem pelo menos 25 mil!
:D
Se quiser, passe depois em nossa comunidade no Orkut para saber mais sobre o atual momento do clube: http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=139120
Repito as palavras do meu amigo Henrique:
ResponderExcluir"Parabéns pela pesquisa! O post está muito legal. Me emocionei ao ler essa história do meu Campusca!"
Estamos divulgando o link com essa materia na comunidade do Galo da Zona Oeste.
Abraços e obrigado pelo espaço ao primeiro time campeão da Série B do Brasileiro no Rio de Janeiro.
Tá tudo muito bom , só a letra do hino não é essa,além da reparação sobre o estádio Ítalo Del Cima .
ResponderExcluirAlguns jogadores do Campusca passaram pelo nosso futebol: Lulinha jogou no Vitória, Bahia e Serrano, Pingo jogou no Bahia em 1985, Carlos Antonio no Bahia em 1980 e Pirulito no Galicia em 1980/1981.
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