sábado, 27 de novembro de 2010

O campeão dos finados



(..) eu tenho o intento de levar-te comigo 
ir-te-ei guiando pela estância do
eterno sofrimento onde, estridentes gritos escutando
verás almas antigas em tortura
segunda morte a brados suplicando.
                                       A Divina Comédia, Canto I
Você sabia que, entre todas as glorias do EC Bahia está a de ser campeão até no dia de finados? Pois é, e isto ocorreu logo no segundo ano que o estádio da Fonte Nova entrou em funcionamento. Neste torneio a Fonte Nova teve momentos parecidos com o inferno de Dante, escrito por Dante Alighieri para descrever a elite italiana de Florença do início do Século XIV.
Em 1952 resolveram “tirar a limpo” os torneios no nosso complexo esportivo. Até então haviam realizado dois deles mas as coisas não tinham corrido bem como se imaginava. O primeiro, em 1951, havia sido organizado para “puxar o saco”, digo homenagear, do governador Octávio Mangabeira. Mas na ocasião participaram só clubes da Bahia e escolheram muito mal os adversários do primeiro jogo, o “clássico” Botafogo X Guarany.
Tentaram corrigir isto com um quadrangular em julho do mesmo ano, mas como a convidada Portuguesa de Desportos (SP) estava em boa fase os paulistas acabaram metendo a mão na taça, sendo que o Bahia faria um papelão ficando em último. Salvou um pouco “a cara” o vice-obtido pelo Vitória.
A situação fez com que a FBDT esquecesse os torneios por certo tempo. No entanto 1952 era ano eleitoral e aí tinha que marcar alguma coisa pra mostrar trabalho e arranjar alguns votos pois ninguém é de ferro! Assim, convidaram de fora o Curitiba e convidaram o melhor que havia por aqui para enfrenta-lo, Bahia, Vitória e Ypiranga.

O torneio foi em rodadas duplas e a estreia foi marcada para 26 de outubro com o clássico Bahia X Ypiranga na preliminar e o Vitória jogando com o Curitiba na principal. Os baianos começaram mal pois seu empate sem gols garantiu ao clube “coxa branca” a liderança do torneio ao derrotar o rubro negro pelo escore mínimo.
A situação ameaçava piorar porque na segunda rodada estava marcado novo clássico, o famoso BA-VI, onde um empate asseguraria praticamente o título antecipado para os paranaenses, ainda mais que não se colocava muita fé no seu jogo contra o Ypiranga. O que aconteceu naquele 30 de outubro foi surpreendente. Na preliminar o clube canário derrotou o Curitiba por dois a um, fazendo com que a liderança se jogasse no jogo principal. Foi um dos BA-Vis mais francos e abertos que se possa imaginar com os dois times partindo para o ataque desejando ganhar. Mas, os deuses dos mortos sorriram para o EC Bahia que enfiaria no seu arquirrival a maior goleada do clássico na história da Fonte Nova: seis a um.
Todas as atenções se voltaram então para a última rodada onde o Vitória enfrentaria o Ypiranga na preliminar, e o Bahia jogaria com o Curitiba na principal. O tricolor e o Ypiranga lideravam o torneio com três pontos, seguidos do Curitiba com dois e do Vitória, na lanterna, sem pontos ganhos.  Se o aurinegro ganhasse o jogo, esperaria “de camarote” o resultado do difícil jogo do tricolor. Mas também podia dar Curitiba, se ganhasse, a depender do resultado da preliminar.

Só que havia um inconveniente, o jogo foi marcado para o Dia de Finados daquele ano. E neste dia os espíritos baixaram, literalmente, na Fonte Nova. Tem gente que não acredita nestas coisas. Que anda em cemitérios e em velórios. Que acha que tanto faz o dia do jogo. Mas, convenhamos, decisão neste dia é o fim da picada! Os torcedores foram pela manhã no Campo Santo, nas Quintas dos Lázaros, e em outros cemitérios, visitar seus mortos e muita gente voltou impressionada. Até que tinha mais gente do que se poderia prever.
Na preliminar o Ypiranga não conseguiu ganhar do lanterna Vitória mesmo que tentasse todo o tempo. Mal sabia que a vitória lhe daria o seu último título da Fonte Nova. Mas as almas penadas não deixaram a bola entrar. Houve inclusive, lances que pareceram fantasmagóricos, onde a bola milagrosamente tomou outra direção deixando de entrar no gol. Isto assegurou ao rubro negro, que seria campeão baiano no próximo ano, o único resultado honroso do torneio.
Todas as atenções agora se voltavam pra partida principal onde o invicto Ypiranga torcia para os paranaenses ganharem o Bahia pra brigar pelo critério a ser utilizado para entregar a taça. Seria por saldo de gols, pela vitória no confronto direto, ou porque mesmo? Mas neste dia o esquadrão de aço estava inspirado. Ainda não havia os orixás no Dique do Tororó, mas alí sempre foi área deles. Assim, todos os tambores dos candomblés da cidade bateram para espantar os espíritos. No segundo tempo, quando o Bahia ganhava de dois a um começou a escurecer. Não teve que não sentisse um frio na espinha.
Só Dante pra descrever o que ocorreu:
Assim turba com turba se abalroa.
Almas em cópia, nunca vista de antes,
fardos de um lado e de outro, em grita ingente,
Rolavam com seus peitos ofegantes.
Batiam-se encontrando rijamente, e gritavam depois, atrás voltando:
- Por que tens? Por que me empurras loucamente?
                                                        (A Divina Comédia-Canto VII)

                        Fonte Nova guardada pelos orixás no Dique
Naquele tempo a “iluminação” era praticamente natural pois as lâmpadas não serviam pra grande coisa. O que eu sei é que o resto do jogo transcorreu quase que nas trevas. Se o universo começou com elas e a luz surgiu depois na Fonte Nova foi ao contrário, com os espíritos pairando sob as aguas do Dique do Tororó.  Os torcedores esperaram a qualquer momento saírem os mortos dos túmulos. Quem tinha pecado começou a se arrepender!
Com mais algum tempo não deu pra ver nada. Dizem que até os jogadores do Curitiba rezaram pra o jogo terminar logo. O tricolor aguentaria o placar. Quanto ao juiz apitaria o encerramento do jogo e sairia correndo pro vestiário. O Bahia havia ganhado no ano anterior o primeiro torneio do estádio com clubes locais e ganharia também o primeiro onde participaram clubes de fora. Mas que foi uma coisa de dar mêdo, isto foi!

·         Agradeço as informações de Carlos Alberto Franco Jr., e dos sites ebookbrasil.org e da RSSSF Brasil.Sou grato também as imagens dos blogs:povodearuanda.wordpress.com, tudomercado.com.br, embandadejesus.blogspot.com e comunidadedocasamento.com.br.

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