quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O ano em que os funcionários da Fonte Nova passaram fome


O ano de 1959 jamais será esquecido pelos mais antigos funcionários da Fonte Nova. Foi nele que estourou uma crise na Federação, a FBDT, que envolveu clubes, políticos, imprensa, e governo e os funcionários “entraram de gaiato”. A situação que já estava latente há certo tempo veio a público no mês de abril, quando o presidente, o coronel Bendocchi Alves, convocou uma reunião para tratar do jogo final do campeonato do ano anterior (o BA-VI) até então pendente.
Aí foi o diabo, com os próprios clubes finalistas afirmando que não compareceriam á reunião por “não serem representados” pelo presidente. Só assim que se soube que o salário dos porteiros e bilheteiros da Fonte Nova já estava atrasado. Juracy Magalhães assumia o governo do estado naquele mês e a pendenga foi parar no Palácio da Aclamação. De um lado estava o coronel, apoiado pelo Ypiranga e Guarany. Do outro, Bahia, Vitória (acreditem, juntos!), Galícia, Botafogo, São Cristóvão e Fluminense.
As duas partes estavam irredutíveis todas com os seus mais sérios argumentos. O governo entrou disposto a marcar sua atuação no esporte. Tentou mudar o foco da crise pedindo a renuncia do coronel e escolhendo um tertius, Alfredo Miguel, pra assumir a federação. Anunciou que o estádio seria “concluído” (vejam bem, oito anos depois de inaugurado!). De outro lado, porém, começou a divulgar que passaria a administração da Fonte Nova para a ABCD conquistando simpatias na imprensa local.
                                                      O governador Juracy Magalhães
Enquanto isto a vida, nem o esporte, não paravam. No dia onze a seleção brasileira de basquete visitaria a Bahia jogando pela primeira vez no Ginásio Antônio Balbino, onde derrotou o Itapagipe por 74 X 45.  Na outra semana o Ceará Sporting chegaria por aqui pra amistoso liberado para o oficialista Ypiranga. Aí a crise se estendeu aos gramados. O que era pra ser um jogo acabou sendo três. É que, como o Ceará perdeu de três a um pediu revanche onde massacrou o Ypiranga por cinco a um. Aí foi a vez de o time canário pedir revanche onde, por incrível que possa parecer, devolveria a goleada ganhando por quatro a zero! Nesse dia passava no Cine Popular o drama Grito de vingança, com Mark Stevens.
Enquanto as negociações com o governo perduravam a federação não decidia o campeonato de 1958 e usava a liberação de amistosos como moeda de troca na crise. Foi assim, que em 23 de abril o Santos de Pelé faria sua primeira partida contra o EC Bahia, ganhando por dois a um. Mas o espaço da Fonte Nova estava mesmo liberado para o Ypiranga que, três dias depois, faria novo amistoso interestadual contra o Bangu, vencendo por dois a zero. Como era comum naquela época o pessoal de Moça Bonita não se conformaria com a derrota e faria ainda mais dois jogos, empatando com o próprio auri negro (2 X 2) e com o Bahia (1 X 1).
                       Parecem os funcionários naquele ano, mas são os Sem Teto na Fonte Nova
Já estávamos em fins de abril e nada de acordo entre a federação, os clubes e o governo do estado. Aí a imprensa se soma com a posição do governo combatendo a “intransigência” do coronel e defendendo o tal tertius.  Todo dia circulava um nome diferente, capaz de “pacificar” o nosso futebol. Até o filho do governador foi anunciado, embora o Diário de Notícias afirmasse que “não teria o consenso dos clubes”. Nesses dias é denunciada a situação da iluminação do estádio comparada com uma “boite”, com o jornal informando que dos 144 refletores 64 estavam queimados! No entanto, o DN não mostrava a mesma preocupação com a situação aflitiva dos funcionários da Fonte Nova que já iam pra três meses de salários atrasados.
O mês de maio começou quente. Sem conseguir um “conchavo” que atendesse os seus interesses os clubes passam a iniciativa. Vitória e Fluminense de Feira de Santana ameaçam se retirar do campeonato e até reverter seus clubes para o amadorismo. Logo após, no dia oito, uma reunião da chamada oposição ao coronel funda a Federação Baiana de Futebol-FBF. A reunião foi presidida pelo rubro negro, através de Nei Ferreira, e, além da participação dos seis clubes contou com alguns amadores. Mostrando a disposição para a guerra é marcado o BA-VI decisivo pro dia 17 e elege-se um presidente, o botafoguense Augusto Carneiro e um vice, o cronista Moacir Nery.
A federação demorou um pouco pra reagir, permitindo inclusive os amistosos do Cruzeiro no estádio, desde que contemplassem os clubes que estavam a seu lado. Na oportunidade os mineiros ganhariam do Vitória (2 X 1), perderiam pro Bahia (0 X 1), e empatariam com o Ypiranga (1 X 1). Como não dava pra escalar o Guarany acabava sobrando pro Ypiranga!
                                                                 Até tú Brutus?
O governo decide então dar um lance mais ousado, criando um novo órgão, a Administração das Praças de Esporte-APE, mostrando que era ele que cabia dirigir o principal “ganha pão” da federação e dos clubes, a Fonte Nova. O órgão foi vinculado a Secretaria de Viação, cujo titular era Tarcísio Vieira de Melo, e que visita imediatamente o estádio. A imprensa da época repercutiu negativamente os seus comentários. Na ocasião teria ficado “decepcionado pelo abandono” da Fonte Nova. O campo estaria “uma vergonha com alguns lugares com grama e outros sem nada”. Prometeu uma revisão da iluminação verificando a sua deficiência. Por último, determinou que só fossem realizados ali dois jogos por semana afim de não piorar a situação.
A data da decisão do campeonato de 1958 acabou entrando em acordo, mas pro dia vinte. Deve ter sido o jogo decisivo com menor interesse de toda a história da Fonte Nova, pois sequer foram divulgados público e renda.  O tricolor, com um gol solitário de Marito, recuperou o caneco do Vitória e começaria uma série vitoriosa que lhe daria o penta campeonato. Antes de terminar mais um mês a crise seria agravada.
É que a CBD decidiu entrar na disputa em apoio ao coronel. Assim colocou “o pé em cima” da intenção dos clubes de realizarem novos amistosos. Assim, foi vetada a intenção de clubes da oposição de trazer o Palmeiras pra jogar na Bahia. No episódio, uma coincidência! É que, 25 anos antes, quando houve a maior crise nacional do nosso futebol, a FIFA ficou do lado da CBD. Agora esta ficava do lado da FBDT. Nos dois casos passaram por cima dos estatutos da FIFA que rezam que a entidade geral dos clubes deveria se restringir ao futebol.
Mostraram que, em matéria de futebol, o regulamento é mera conveniência. Pelo menos nesta questão o enfrentamento entre FBDT e FBF acabaria se resolvendo anos mais tarde, com a criação definitiva da segunda. Só assim é que os outros esportes ganharam maior autonomia, deixando de se submeter ao “esporte bretão”. Mas a pressão de todos os lados acabou contribuindo pra resolver a crise, pelo menos provisoriamente.

Foi nesta ocasião que chegou outro clube mineiro por aqui, o Atlético.  A discussão “rolou” nos bastidores. Joga ou não joga?  Acho que a federação só permitiu os jogos, pois precisava “dar um vale” aos sofridos porteiros e bilheteiros, embora já se apontasse uma luz no fim do túnel. O galo acabou fazendo três jogos e foi durante a sua estada na Bahia que se conseguiu um acordo provisório entre clubes e a federação.  Na estreia perdeu do Vitória pelo escore mínimo com “renda não fornecida” (será que não havia bilheteiros pra contar?). Os termos da resolução da crise foram os seguintes:
a) O coronel Bendocchi Alves pediria uma licença por alguns meses; b) O vice renunciaria sendo substituído pela Assembleia da federação onde a oposição tinha maioria. O candidato que encontrou o consenso foi o torcedor, e autor do hino do Bahia, Adroaldo Ribeiro Costa, que assumiria a entidade no ano em que o tricolor ganharia a Taça Brasil.
O acordo suscitou um estranho “Torneio da amizade” de portões abertos, dois dias depois da chegada do galo, no mesmo formato dos torneios inícios. O nome da taça não poderia ser outro, o do próprio secretário “pacificador” Tarcísio Vieira de Melo, e o troféu foi ganho pelo EC Bahia ao ganhar na final o Galícia nos pênaltis.  Na ocasião o EC Vitória foi criticado por colocar um time reserva que apanhou do Guarany por dois a um em apenas vinte minutos de competição.
Mas se o Atlético Mineiro viria pacificar a Bahia faria isto à custa de derrotas, perdendo no último dia do mês, agora para o Bahia, por três a zero. Só então seria permitida a visita do Palmeiras, mas pra jogar com um de cada lado. O Bahia cairia por dois a um, mas o Ypiranga, que detinha a alcunha de mais querido, derrotou os esmeraldinos por dois a zero. Foram dois grandes espetáculos, que juntos deram uma renda de quase um milhão e meio de cruzeiros, arrecadando o suficiente pra pagar os sofridos funcionários da Fonte Nova. Pouco tempo depois o coronel voltava á federação, buscando agora cooptar clubes e atender certos interesses.  

·  Agradeço as informações do Setor de Periódicos Raros da Biblioteca Central do Estado e do site do correio24horas.Sou grato também as imagens dos blogs:otributarista.blogspot.com, cavalocrazy.blogspot.com e documentario-x.blogspot.com.

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