domingo, 27 de março de 2011

Os visitantes noturnos

                 
                                          Nesses noventa minutos
                                          de amor e alegria
                                          esqueço a casa e o trabalho
                                          a vida fica lá fora

                          Milton Nascimento e Fernando Brandt


Há um filme chamado O visitante noturno que conta a história de um interno de um hospicio que tem a ideia fixa de escapar  para se vingar das pessoas que considera responsáveis por sua situação. O filme, dirigido por Laslo Benedict, tem um elenco de primeira grandeza com Max Von Sydow, Liv Ullmann e Trevor Howard, e cai bem no que passei em 1967.

Neste ano dividi minha atenção entre a musica e o futebol. Ouvia ás noites o álbum dos Beatles, Sargent Peppers Lonely Hearts Club Band, que, para mim, parecia ser o máximo em matéria musical. O campeonato baiano do ano anterior havia se iniciado na véspera do Natal e se prolongado até o mês de março. O Leônico conquistaria o título no mês seguinte em três partidas contra os leões da Barra.

Mesmo com o calendário apertado não deixou de haver jogos amistosos, tanto de times locais como com visitantes. Eles tinham uma curiosidade, eram realizados nas noites da Fonte Nova. Na época o tricolor baiano estava com uma equipe tão ruim na época que conseguiu perder todas as partidas. Seja as que fez contra times do Sul, Bangu e Comercial (SP) (0 X 1 e 1 X 2), seja as jogadas contra times locais, Leônico e Ypiranga (2 X 3 e 3 X 5).

                             Esse era fogo!

Logo após as decisões recomeçaram os amistosos, trazendo o XIII de Campinas. Os paraibanos jogaram contra Vitória e Galícia, perdendo as duas, por quatro a zero e dois a um. Antes de começar o novo campeonato seriam organizados dois torneios na Fonte Nova. O primeiro seria no fim de abril, com a participação da dupla BA-VI, do campeão Leônico, e do Clube do Remo do Pará, o primeiro visitante noturno. Um dia destes daremos mais detalhes da vitória paraense.

O segundo veio a seguir, em maio. Os baianos foram os mesmos, mas o convidado foi o Náutico de Recife, outro visitante noturno. Alguns dias antes do certame rubro negros e tricolores acham de fazer um jogo amistoso, que terminou empatado em dois gols. E, no dia sete de maio de 1967 jogam na preliminar Náutico e Leônico e, no jogo de fundo, mais um BA-VI. A rodada, entretanto, deixou tudo no mesmo. O clube timbu ainda empatou em um gol, mas o clássico terminou sem gols.

 Três dias depois foi realizada uma nova rodada. O Bahia fez a preliminar vencendo o campeão, os moleques travessos, por dois a um. Mas, na principal, o Vitória caiu perante os pernambucanos pelo mesmo placar. A decisão ficaria para a última rodada, quando, inclusive, podia dar uma zebra total, um empate de todos os clubes com três pontos.

                 Tsunami em Salvador não vale!

Foi em função desta perspectiva que fui á Fonte Nova. Mas, na preliminar, o Leônico, mais uma vez, acabou com nossas ilusões, vencendo o rubro negro por dois a um, o mesmo escore da trágica decisão de 26 dias antes.

 Quase não fico pro jogo de fundo entre Bahia e Náutico. Tudo parecia conspirar para que o tricolor ganhasse seu primeiro torneio neste ano. Mas o jogo surpreendeu os torcedores do Vitória. Os timbus jogaram ainda mais do que tinham feito antes, enfrentando o Bahia “pau a pau” fazendo com que o jogo tivesse alternâncias no placar. No final, não deu outra, comemoramos os três a dois para os pernambucanos.

Pouco depois começava o campeonato daquele ano. Um dos maiores de toda a história com a participação de quatorze clubes. Foi a primeira vez que o interior suplantou a capital, participando oito equipes.

Esse visitante morreu num estranho desastre neste ano

Foi durante o seu desenrolar que eu assisti as noites pela televisão ao Festival Internacional da Canção – FIC. Na ocasião a música Travessia, de Milton Nascimento e Fernando Brandt, ficaria apenas em segundo lugar, perdendo para Gutemberg Guarabira. Chico Buarque obteria um modesto terceiro lugar com Carolina, consagrando a postura de ficar na janela vendo o tempo passar.

Mas a sensação em matéria de musica seriam os festivais da Record que desbancariam o da TV Excelsior passando a ser o principal palco de disputa dos artistas. Eles preencheram as minhas noites de 1967. Foi á noite que chorei durante a interpretação de Roda viva pelo autor Chico Buarque e o MPB-4, música que deveria ter ganhado o festival, e também de noite que vi a vaia que “armaram” pra apresentação de Roberto Carlos.

Chegavamos em casa, jantávamos e ligavamos a TV pra ver Gilberto Gil fazer sua melhor apresentação nos festivais apresentando com o conjunto Os Mutantes sua música Domingo no parque. Mas a noite da sensação foi a do gesto de Sérgio Ricardo que atirou o violão no público durante as vaias da apresentação de sua musica Beto bom de bola. Gostei ainda da noite de Cantador, de Dori Caimmy e Nelson Motta, interpretada por Elis Regina, apesar de não lograr classificação.


 Foi neste tempo que as coisas começaram a se polarizar na chamada musica popular brasileira que lutava com dificuldade para ter seu espaço contra a chamada “música jovem”. E é durante esta disputa que surge o tropicalismo.

Confesso que tive simpatia pelo movimento pela presença de baianos. No entanto, logo pude notar o talento dos arranjadores, compositores e interpretes do grupo. Este apareceu para mim como uma síntese entre os dois gêneros com os quais me debatia ao fim dos anos 60: o rock das guitarras e as harmonias elaboradas da Bossa Nova. Repercussão especial me causaram músicas como Lunik 9, Onde Andarás Lindonéia e Baby, não por coincidência, todas relacionando letra e harmonia elaboradas em ricas e românticas melodias. 

Na busca do novo público que então ascendia ao consumo cultural, os tropicalistas traziam uma versão mais elaborada de música jovem, incorporando a realidade ao seu discurso musical, seja a que se expressava na vanguarda do rock internacional, seja a da participação política da juventude brasileira, exprimida, em boa parte dos casos, pelo tratamento inovador dado por arranjadores e compositores como Rogério Duprat, Júlio Medaglia e Damiano Cozzela.

                      Também teve isto em 67

E foi numa noite que Caetano aproveitou as vaias pra mostrar a intolerância reinante, aproveitando a ocasião para propagandear um discurso estético e político que serviu de referência do movimento que participava. Seu gesto de virar as costas para o público e o deste, ao proceder da mesma forma, se tornou antológico. Também na música não havia mais espaço para o intermediário. Era “calça de veludo ou bunda de fora”. Assim, a revolução cultural proposta por Caetano de derrubar as prateleiras, as estantes, as estátuas, as vidraças, louças e livros não encontraram eco.

O Galícia levaria o primeiro turno. Mas durante este daria tempo pra novo torneio,onde havia, além da dupla BA-VI, Galícia e Flamengo. Eram mais visitantes noturnos, mas só que, desta vez, o Vitória faturaria a taça. Ufa!



·          Agradeço as informações do Almanaque do Futebol Brasileiro e do site do RSSSF Brasil. Sou grato ainda as imagens do site cineplayers.com e dos blogs virtual.epm.br, hypercontraste.blogspot.com,epensenti.blogspot.com,forum.paodemuseu.com.br e metalclube.com.

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