quinta-feira, 9 de junho de 2011

O exterminador do futuro

           
O exterminador do futuro é um nome de um filme de 1984 dirigido por James Cameron. Trata-se de uma obra de ficção científica onde um ciborgue(androide)com inteligência artificial, interpretado por Arnold Schwartzenegger é transportado para o futuro. Mas, o que ninguém sabe é que o filme foi inspirado na Bahia.
Foi aqui que, nas décadas de crise de 20 e 30, surgiu um exterminador que colocou os times baianos para correr e assustou os torcedores do estado. Ele apareceu por aqui ás vésperas do grande crack de 1929. Naquela época discutia-se no Brasil essa mania que os paulistas tinham de colocar todo o Brasil para financiar as suas dívidas. Assim, através do mecanismo de socialização das perdas, todos os estados financiavam os prejuízos do café que só faziam aumentar.
Enquanto isso uma aliança política sólida entre São Paulo e Minas Gerais tinha se consolidado desde a proclamação da chamada república com esses estados alternando a indicação do presidente do país. Com a crise da Bolsa de Nova York e em época de vacas magras tudo isto passou a ser questionado e, no próximo ano, provocaria uma revolução, que tal como as outras no Brasil, mudava o governo para que nada mudasse.
                                     Puxa, como exterminava esse time do Santos de 1935!

E foi nesta época, em maio de 1929, que chegou por aqui, naquele que há cem anos, era o maior porto do Brasil, a delegação do Santos. Logo de saída a Liga Bahiana de Desportos Terrestres colocou os dois melhores times para enfrenta-lo, o Baiano de Tênis e a Associação Athlética, que eram também os dois maiores clubes de elite de Salvador. Mas não deram nem pra “melar”.
Na estreia os paulistas deram de quatro a dois no “Baiano” e, logo depois estraçalharam com uma terrível goleada de oito a um o bom time da “Associação”. O pavor se espalhou pelos outros clubes. Ninguém mais queria jogar com o peixe e foi a custo que a liga conseguiu outro adversário, o Ypiranga.
O auri negro bem que tentou segurar os santistas mas eles estavam endemoninhados e arrasaram o mais querido por cinco a dois. A excursão ia se encerrar aí mesmo mas o Santos resolveu atrair os baianos com a colocação de um time misto que logo teve a adesão do Guarany e Fluminense FC, mas que preferiram se juntar para enfrentar o poderoso eleven. O resultado mostrou que até com os reservas se exterminava, cinco a três para os paulistas.
                      Os baianos cortaram até os braços da estátua do filho de Schwartznegger!

Assim, tiveram que ir buscar a própria seleção baiana, que há oito anos se classificava para as finais do campeonato brasileiro de seleções, para fazer frente ao peixe. E não é que fizeram uma falseta com os visitantes? O jogo foi realizado 24 horas depois que os santistas tinham derrotado o combinado Fluminense-Guarany e só foram convocados jogadores descansados dos demais clubes.
O Santos porém utilizou alguns reservas na partida que, numa das maiores façanhas baianas da década, terminou empatada em dois gols. OP resultado foi comemorado em prosa e verso. A liga não deixou o peixe jogar com mais ninguém e os despachou no próximo navio para o porto de Santos. Foi assim a primeira passagem do “exterminador” pela Bahia muito antes de Pelé nascer.
O Brasil entraria num novo regime nos anos trinta que faria a Bahia ser governada por uma série de interventores, entre os quais um tenente cearense que fez época chamado Juracy Magalhães. É que as elites do estado haviam ficado “do lado errado”. Assim como em 1889 ficaram com a monarquia decadente, em 1930 resolveram apoiar o governo de Washington Luiz de quem eram aliados.
                                                  O exterminador na Igreja do Bonfim!

O primeiro interventor chegou aqui em 1931, pouco depois da chamada revolta dos bondes e empastelamento de jornais pela população. Mas no ano seguinte estudantes e profissionais liberais já estavam cheios de Getúlio Vargas e Cia e ficaram mais uma vez com os paulistas na revolução que queria uma constituição para o país. Esta, porém, só viria dois anos depois, época em que os baianos já estavam se dividindo em comunistas e integralistas.
Foram anos atribulados. Em 1934 veio a constituinte e Juracy mudou os critérios de eleição de parlamentares para garantir um novo mandato indireto de governador. No ano seguinte ocorreria a revolta da Aliança Nacional Libertadora com a participação de vários baianos. Os livros dizem que ela só ocorreu em Natal, Recife e Rio de janeiro, mas estão por fora.
A fundação da ANL em Salvador, feita no antigo Cineteatro Jandaia, na Baixa dos Sapateiros, foi uma das mais concorridas do Brasil. E, quando estourou a revolução, os militantes da ANL de Ilhéus tomaram a sede do Correios e Telégrafos, estando na primeira linha, com uma espingarda de matar passarinhos, o meu sogro.
                                                        O bisneto do exterminador!

A repressão que se seguiu foi muito dura. Talvez tenha sido aí que se originou a expressão de “caça aos comunistas”. Pertencer ao PCB era ser inimigo do regime.  E, enquanto Getúlio maquinava permanecer no poder para sempre e Juracy se iludia com a indicação de seu nome para a sucessão presidencial de 1938, o exterminado voltou á Bahia.
Foi em março de 1936 quando começavam as aulas. De modo que muitos estudantes foram ao velho campo da Graça. Muitos se lembravam ainda do exterminador, com suas roupas militares, cheio de armas até o pescoço metendo medo nos juízes e jogadores dos clubes que se atreviam a enfrenta-los.
Mais uma vez a liga colocou dois grandes times logo de saída que toparam o desafio, o decano e o mais querido. Mas o Vitória tomou de cinco a um e o Ypiranga de seis a um de Ciro, Araken, Marteleti e Saci e Cia. O terror havia voltado aos campos daquele aprazível bairro. Foi então que os baianos passaram a métodos, digamos, pouco usuais. No dia do jogo contra o Galícia resolveram “apelar”.

Levaram o peixe para as praias da Orla, encheram-lhe de cachaça nas poucas barracas que então existiam, e nem deixaram passar no hotel pra descansar indo direto pro estádio. Não contentes com isto passaram azeite em suas armas e sequestraram suas balas. Foi só assim que o Santos perdeu pro azulino demolidor de campeões por três a dois.
O resto da excursão do exterminador foi nesse nível. Não havia roupa de cama no hotel, obrigaram os paulistas a comer acarajé com pimenta, e outros males, mas o peixe não perdeu mais. Ganhou do poderoso Bahia por dois a um e, ao atrevido Botafogo, que conseguiu lhe arrancar um empate em um gol e pediu uma revanche, enfiou seis a três. Foi esta a nova passagem do exterminador pela Bahia.
Três anos depois, quando o país já estava no chamado Estado Novo (na verdade uma reles ditadura de Vargas) o Santos voltou de novo, mas não era o mesmo de antigamente. Sua metralhadora já não funcionava e teve que adquirir suas balas no mercado negro da Praça da Sé. O futebol baiano estava ainda conturbado e no ano anterior teve dois campeonatos, um ganho pelo Botafogo e o outro pelo Bahia. Mas todos se uniram contra o antigo exterminador.
                                                    Naquele tempo celular era assim!

Chegou no dia da morte de Tiradentes e empatou com os diabos rubros em três gols. Depois disso as arquibancadas de madeira da Graça encheram. É que não se ouvia mais os zunidos das balas quando o peixe jogava. De forma que o próximo que se ofereceu foi o velho azulino demolidor de campeões. Desta vez nem precisou de maracutaias.
É certo que levaram moqueca de peixe pro estádio e ameaçaram fritar os jogadores. Mas o clube da colônia espanhola que foi criado pelo pessoal da região da Galícia que tinha hábitos de pescador não deu moleza ao antigo exterminador derrotando-o mais uma vez, agora por dois a um.
Aí então o exterminador resolveu mostrar que ainda era o bambambã. Ganhou do Ypiranga por três a zero, do Bahia, por três a um, mas seu problema mesmo era com o Galícia, o qual lhe arrancou um empate a três gols na despedida do estado.
                                                      Olhem aí o neto do exterminador!

O exterminador dos tempos de crise não mais voltaria. Dizem que morreu de desgosto com a decadência do porto de Santos.  Mas seus filhos sobreviveram. Seus filhos voltaram à Bahia em 1957 e 1959, ganhando do poderoso Bahia duas vezes por dois a um, e empatando com a seleção baiana em dois gols.
Em 1960, seu filho menor perderia a I Taça Brasil para o tricolor mas logo devolveria com juros e correção monetária, ganhando a III e a V contra os baianos com massacres de cinco a um e seis a zero. Os filhos do exterminador “deram um tempo”, mas, quando foi criado o torneio “Robertão”, jogariam de novo com os baianos, cujo EC Bahia, em 1968, levaria uma das maiores “lavagens” de sua história, nove a dois, de Pelé, Coutinho e Cia.
                      Mas depois Palocci disse pra ele entrar na política que ele iria se dar bem...

Hoje fazem mais de oitenta anos que o exterminador começou a operar na Bahia. O avô, seus filhos e netos. De vez em quando são surpreendidos pelas maracutaias de azeite de dendê dos baianos, a exemplo dos seis a dois que tomaram do Vitória em 2009 no Barradão. Mas foi ali mesmo que o bisneto do exterminador de Neymar e Cia ficou com o título da Copa do Brasil no ano passado.

·          Agradeço ao Almanaque do Futebol Brasileiro, ao site Wikipédia e aos blogs ego.globo.com e blog.karaloka.net.

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