sexta-feira, 1 de julho de 2011

Os “traidores baianos” ou a Copa América na Bahia em 1989



Acusações a baianos não são nenhuma novidade na história. Os povos originários do território foram repetidas vezes chamados de “selvagens” quando não faziam mais que defender a sua terra. Dos xingamentos nas revoltas do povo baiano contra os portugueses e o Império nem é bom falar, pois vão de traidores, a arrivistas, malfeitores, assassinos a outros menos votados. E olhem que não ficaram nos impropérios...
As acusações continuam durante aquilo que a história chama de “república”, voltando-se contra sindicalistas, pacifistas, comunistas, ou simplesmente aos que fizeram oposição aos regimes de 1889, 1930, 1964 ou ao neoliberalismo. Mas uma das maiores injustiças assacadas contra os baianos veio mesmo do futebol, e ocorreu durante a fase preliminar da Copa América de 1989.
Este ano foi um dos anos mais importantes da história mundial recente em vários campos. George Bush pai assumia a presidência dos Estados Unidos da América, e, poucos dias depois, se iniciava o recuo estratégico da URSS que, logo de saída, retiraria suas tropas do Afeganistão. No esporte Alain Prost vencia o seu terceiro título mundial na Fórmula Um e Emerson Fittipaldi se tornava o primeiro brasileiro ao vencer as Quinhentas milhas de Indianópolis e a Fórmula Indy.
                                                     Como jogaram lama nos baianos!

Em março morre a atriz Dina Sfat, em junho a musa da bossa nova Nara Leão, e em agosto desaparecem de uma vez só Luiz Gonzaga, o rei do baião, e o baiano Raul Seixas, ícone do rock brasileiro. Steven Spielberg dirigia a série Indiana Jones, o diretor e ator inglês Kenneth Branagh o clássico Henrique V, enquanto Cacá Diegues lançava Dias melhores virão, refletindo a expectativa reinante no Brasil.
Na ocasião, havia uma frustração evidente com a presença de José Sarney, governante que  havia chegado a presidência em função da morte de Tancredo Neves, cujo currículo no poder incluía o estelionato eleitoral do patrocínio de um plano econômico que foi suprimido logo nos dias seguintes á eleição de 1986. Esse fator pesou na deflagração da campanha Basta de Sarney que, além de conseguir a limitação do seu mandato em quatro anos, ajudou a marcação das eleições para presidente depois de quase trinta anos.
Em 1989 teríamos um recorde de candidatos na campanha representando, praticamente, todas as correntes de opinião que visavam capitalizar os anseios da população que esperava se livrar de Sarney e ter dias melhores para o país. Mas não foi somente as eleições presidenciais que ressurgiram das cinzas de 1960.

                     Dizem que até Einstein zombou desta seleção!

Neste ano os baianos haviam conseguido, de forma inédita, seu primeiro título nacional de clubes com o EC Bahia, que venceu a I Taça Brasil em pleno Maracanã derrotando o poderoso Santos. E, exatamente em 1989, o clube voltava à cabeça do futebol nacional, obtendo outra conquista memorável, a do campeonato brasileiro do ano anterior, após partidas contra o Fluminense e o Internacional, que chegaram a bater o recorde de pagantes na Fonte Nova.
O ano começou de forma trágica, com a ocorrência de uma tragédia de grande repercussão na madrugada do seu primeiro dia, o afundamento do barco Bateau Mouche nas águas da Guanabara.  Logo depois do carnaval, enquanto os baianos ainda comemoravam o título, a banda A-Ha visita o Brasil, mas só faz shows no eixo Rio-São Paulo. Isto, entretanto, não fere a autoestima baiana que contava, após muito tempo, com jogadores na seleção brasileira que se prepara para a disputa da Copa América.
O contencioso da CBD, e de sua sucessora CBF, sempre havia sido hostil com o que antigamente se chamava de “Norte” do país. As elites do Brasil nunca se esqueceram das insubordinações da região no Século XIX. Basta de dizer que desde que a seleção “nacional” foi formada levou dez anos para um jogador de fora do “Sul” ser convocado (Mica do Botafogo baiano em 1923) e vinte para que jogasse fora dali. Só a conquista do Campeonato Brasileiro de Seleções pelos baianos em 1934 (e o interesse de grana para suprir as despesas da confederação no passeio que foi a Copa do Mundo de 1934 na Europa) é que traria a seleção brasileira á Bahia e Pernambuco.
                                    Ricardo Teixeira já era marmeleiro desde essa época!

Se formos verificar os quase cem anos da “nossa” seleção podemos contar nos dedos os jogadores nordestinos, em atividade em seus estados, que foram convocados. Mas a conquista do título nacional pelo Bahia coincidia naquele ano com os preparativos para a Copa do Mundo de 1990 na Itália. Na ocasião, a malfadada CBF havia conseguido da Confederação Sul-Americana de Futebol, trazer a Copa América para o Brasil após 40 anos, usando como justificativa a comemoração do seu 75º aniversário.
O cálculo político não teve ausente da reivindicação. O Brasil amargava um dos seus maiores períodos de abstinência de títulos, a chamada “nova república” havia perdido a oportunidade de ganhar o título mundial em 1986, e não se esperava coisa melhor na copa que seria disputada no ano seguinte na Europa.  Após a fracassada Mini - copa de 1972, a Copa América vinha a calhar para juntar interesses políticos e esportivos dos governantes.
Mas paulistas, mineiros e gaúchos não brigaram para sediar certame, que parecia fadado ao insucesso financeiro, e, além disto Sarney não estava muito interessado que isto acontecesse, pois seus estados eram dirigidos por fortes concorrentes do presidente na Aliança Democrática com os governadores Orestes Quércia, Pedro Simon e Newton Cardoso.
 
                                A seleção estava tão ruim que Waldir renunciou ao governo!

O jeito foi contemplar estados com pouco peso político mas muito interesse do público por futebol (Bahia e Goiais, governados pelos pemedebistas Waldir Pires e Henrique Santillo) e reservar o “filé mignon” da fase final para o Rio de Janeiro governado pelo aliado Wellington Moreira Franco. A Bahia sediaria o Grupo A, onde atuaria o Brasil, face os recordes de renda da Fonte Nova, ficando Goiais com a Argentina e outros menos votados. Os dirigentes combinaram tudo muito bem mas só esqueceram de dizer ao técnico Sebastião Lazaroni.
É preciso dizer que, ao contrário de Goiais, a seleção brasileira não era nenhuma novidade para os baianos, tendo jogado quatro vezes na boa terra só na última década, 1979, 1981, 1983 e 1985. A terceira ficou famosa em função da seleção brasileira ter decidido a vaga na Fonte Nova com o Uruguai, depois de haver perdido em Montevideu por dois a zero. Na ocasião a seleção perdeu o título e não me lembro de nenhuma reclamação da recém-criada CBF do comportamento baiano.   
Antes da realização da Copa América de 1989 as coisas ficaram tensas entre a CBF e os baianos. A seleção brasileira havia preterido o baiano Charles, da equipe campeã nacional, por jogadores de clubes que nem sequer chegaram ás finais do certame mas que atendiam ao “critério” de jogarem nos grandes clubes do eixo Rio-São Paulo.
                                É claro que o baiano Aldair era um dos poucos que se salvava!

O episódio calou fundo na torcida baiana que mais uma vez comprovava que jogar na seleção “nacional” era um privilégio apenas reservado aos estados do Sul-Sudeste. Esta não teria entendido a sua verdadeira função na Copa América, carrear recursos para os cofres da CBF e pagar as despesas com a realização do certame.Na ocasião, radialistas como Raimundo Varela, França Teixeira, e outros, ocuparam os microfones para combater mais esta prática discriminatória contra os clubes baianos.
Mas o que muitos confrades do Sul não disseram na época(e omitem até hoje) é que Lazaroni não ficou satisfeito em retirar o baiano Charles da seleção, e usou justamente a Bahia para fazer experiências na seleção para a fase final da Copa América. O “Brasil” estreou no torneio em primeiro de julho, quando os baianos estavam ocupados com a data magna da independência do Brasil na Bahia, contra a Venezuela. Talvez isso, e o fraco adversário, tenha colaborado para o reduzido público presente, pouco mais de treze mil pessoas.  
Ao contrário de outros momentos onde a CBF usou e abusou da prática de escalar jogadores locais quando a seleção jogou em seus estados, o técnico ignorou solenemente os baianos. Possuindo Aldair, nascido em de Ilhéus, para a posição preferiu colocar Mazinho na lateral direita, e só permitiu a Bebeto jogar no primeiro tempo, mesmo marcando um gol logo aos dois minutos.
                                                           O rei das maracutaias!

André Cruz atuou numa zaga no jogo que teve um meio de campo formado por Giovani, Mario Galvão, Tite e Valdo. A seleção brasileira conseguiu ganhar de três a um com um desempenho sofrível no segundo tempo. As vaias que tomou devido ao corte de Charles só continuaram porque a ruindade da equipe despertou em todos a preocupação com o que iria acontecer na Copa do Mundo do ano seguinte. 
Renato Gaúcho procedeu na ocasião como a mesma arrogância das elites que montaram o Estado Nacional ás custas dos interesses republicanos nordestinos, acusando a Bahia de ser uma “terra de índios”, talvez em função da merecida ovada que recebeu. Quanto a mim tenho muito orgulho de ser antepassados dos povos originários do nosso território. Aliás, as classes dominantes do nosso país não reclamaram disto quando se aliaram com os caboclos desde a conquista, a colonização, e até nos conflitos da independência.
Mas mesmo com todas as provocações de Lazaroni, Renato Gaúcho e Cia, os torcedores baianos triplicaram sua presença no jogo contra o Peru. Na ocasião, Lazaroni recuou (o que mostra que admitiu no privado as críticas) mudando a defesa e colocando Dunga no meio do campo. Pra “agradar” os baianos colocou Aldair, nascido em Ilhéus, na lateral direita e deixou Bebeto jogar todo o tempo. Aliás, isso colaborou para que este tivesse a chance de assumir a titularidade da seleção, embora o jogador não reconheça até hoje.
                           Foram os dias em que a Terra parou pra falarem mal dos baianos!

Mas apesar disto a seleção brasileira não correspondeu, empatando sem gols contra os fracos peruanos. A vaia agora corria solta com apenas uma diferença, a crítica que os baianos tinham vanguardeado “por bairrismo” passou a se espalhar por todo o país, com muitos jornalistas do “Sul” ficando á reboque da opinião dos seus confrades baianos.
Apesar de toda a acusação de boicote á “nossa” seleção os baianos não arredaram pé do estádio, levando mais de trinta mil pessoas á Fonte Nova no jogo seguinte contra a Colômbia. Lazaroni promoveu novas modificações. Insistiu com Alemão e Giovani no meio de campo e chegou ao ponto de inventar a dupla de ataque Renato Gaúcho e Baltazar retirando Bebeto e Romário. Mais uma vez a torcida reclamou das bobagens do técnico que se refletiram no medíocre resultado, novo empate sem gols.
O mundo caiu então sobre Ricerdo Teixeira(que já era presidente da CBF) que resolveu “tirar o sofá da sala”. Pra esconder as justas críticas á seleção e não dar o braço a torcer preferiu fazer uma séria desfeita á Bahia retirando os últimos jogos do estado e os transferindo para Pernambuco. Foi ali que, longe das críticas baianas, Lazaroni escalaria a equipe que seria mantida nos quatro jogos seguintes e se sagraria campeã do torneio, formada pela dupla Mazinho e Dunga como volantes, Silas e Valdo como meias, e retornaria a dupla Bebeto e Romário no ataque.
                                           Até Renê Simões se horrorizou com a seleção!

As críticas dos “bairristas” baianos tinham ajudado a montar a seleção campeã. Mas os dirigentes do futebol brasileiro nunca fariam autocrítica de seus erros, preferindo deixar até hoje os baianos como “vilões” de 1989. Quanto ao equívoco da presença de Lazaroni, Renato Gaúcho e Cia na seleção ficou evidente no seu fracasso retumbante na Copa de 1990 na Itália.

*  Agradeço as imagens de A Tardepnline, ocampodossonhos.blogspot.com,blogol.zip.net, flickr.com e ww2.cbf.com.br.

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