domingo, 3 de julho de 2011

O herói perdido

                             
O herói perdido é um filme de Rick Riordan, um romance mitológico lançado no ano passado e que se constituiu no primeiro da série Olimpo. É uma delícia ver na tela os personagens que eu costumava estudar quando estudava as crenças da Antiguidade. O protagonistas é Jason Grace, filho do deus Júpiter, que tem como namorada Piper McLean, filha de Afrodite, e é amigo de Leo Valdez, filho de Hefesto.
A história do filme é recheada de pegasos, ciclopes, gigantes e espíritos da tempestade, que procedem usando as mesmas emoções dos humanos. Hero rouba as memórias de Jason, Piper induz as pessoas a fazer o que ela quer, e Léo tem o poder de fazer e controlar o fogo.
Quem vê o filme, porém, não sabe que se trata de uma metáfora mitológica dos clubes baianos na era do amadorismo. É que foi na Bahia que ocorreu uma das maiores resistências a introdução do profissionalismo no futebol.  Não que no resto do Brasil ela não tenha ocorrido. Desde o fim da década de 20 se ouvem criticas sobre o “falso amadorismo” que reinava nos campos de futebol do Brasil, e que era representado pela CBD, entidade que representava o Brasil na FIFA.
            
                                Esse Olimpo está parecendo mais a Casa da Máe Stela!

A situação não pode ser mais escondida no início da década de 30 quando ocorre uma revolução política que derruba a aliança tradicional “café com leite” (São Paulo e Minas) do poder. Na ocasião já eram muitos os jogadores e clubes que praticavam o profissionalismo.  O confronto político ocorre ás vésperas da segunda Copa do Mundo, em 1933, e pôs frente á frente às ligas esportivas do Rio de Janeiro e São Paulo.
No Rio inúmeros clubes ficam contra a CBD e criam uma entidade profissional, a Liga Carioca de Futebol - LCF, sucedendo o mesmo com os paulistas da antiga APEA que criam uma entidade “nacional”, a FBF. O objetivo dos que assim procediam era retirar a representação da CBD junto á FIFA com base em artigo desta que previa a atuação dos filiados no futebol, diferente da CBD que tratava dos “desportos”.
Apesar de a CBD ficar bastante isolada na discussão é preciso ver que havia bastante resistência em passar ao profissionalismo. O grande artilheiro Frienderich, é um dos que encerra sua carreira neste período por não concordar com a mudança, que, porém, já marca a criação de clubes como o EC Bahia e o São Paulo FC.  Mas outros preferem ficar na contramão da tendência á passagem do futebol brasileiro para o profissionalismo, como o Botafogo do Rio de Janeiro, que continua com times pequenos na CBD e na AMEA, e alguns clubes baianos como o EC Vitória.
                          Dinheiro? Houve um tempo em que os atletas jogavam por amor!

O ano de 1934 é decisivo para o conflito político-esportivo. Nele ocorre uma série de fatos que elevam a crise ao seu ponto máximo, mas que vão, mais tarde, repactuar o futebol brasileiro. Para se ter uma ideia até a própria participação do Brasil na Copa do Mundo de 1934 foi atingida. Como a maioria dos jogadores e clubes profissionais estavam ligados a FBF e, como cabia a CBD levar o selecionado de futebol para aquele certame, aconteceram coisas “do arco da velha”. A CBD então partiu para uma política de terra arrasada.
Abandonando seus princípios amadores passou a aliciar jogadores com dinheiro para que formassem na nossa seleção. Como o orçamento da entidade era irrisório muitos não aceitaram o valor oferecido. Teve clube que escondeu seus jogadores para que não fossem com a seleção brasileira! O resultado todo mundo sabe, fomos eliminados na primeira partida, perdendo de três a um para a Espanha.
É neste ano, num ambiente profundamente conflagrado no futebol, que são organizados dois certames de seleções estaduais, um pela CBD e outro pela FBF, trazendo o amador para a Bahia. Os paulistas concorrem nos dois certames, mas quem ganha mesmo o de amadores é a seleção baiana, por sinal o único título que conquistou na história desses certames.
                                             Rildo e Neto Baiano não são desse tempo!

Os clubes do Sul eram sendo disputados um a um pela CBD e pela recém-criada CBF. Mas um episódio ocorrido com o Vasco ajuda decisivamente a CBD. Este, na defesa de seus interesses sai da Liga Carioca de Futebol e se junta a Botafogo, e aos recém-convertidos Bangu e São Cristóvão, para a criação da Federação Metropolitana de Desportos, filiada a CBD.
O peso de Vasco e Botafogo, e, naturalmente alguns interesses materiais, pois ninguém é de ferro, (como a possibilidade de jogos internacionais restrita pela FIFA á CBD) acabam por “puxar” o Palestra Itália e o Corinthians, que saem da APEA e criam a Liga Bandeirante de Futebol-LBF (depois LPF), junto com Juventus, São Paulo Railway, Santos, Hespanha, São Paulo FC e AA Portuguesa, originando campeonatos paulistas paralelos.
Ainda haveria dois campeonatos brasileiros de seleções em 1935, mas a polêmica no futebol se resolveria com a decadência da APEA dois anos depois, sem forças para suportar as pressões. Mas o acordo teve que ser nacional, passando pelo fim da FBF. Estava superada a crise com a CBD “tirando de letra” a situação, e, não por coincidência, em plena ditadura do Estado Novo. Mas, como tudo no Brasil, se fez mandando pra “cucuia” os princípios amadoristas e administrando a adoção definitiva do profissionalismo pelos clubes brasileiros, em troca, naturalmente, de muita grana para seus cofres.  
                            O Vitória foi mesmo o herói do amadorismo, e isso existe até hoje!

Mas, se a polêmica se resolveu no Sul maravilha e em outros estados na Bahia não ocorreu o mesmo havendo alguns resistentes, um deles foi o EC Vitória. Apesar de ser o decano dos esportes sempre havia tido um comportamento independente em relação às diversas ligas que foram criadas. Em 1912 afastou-se pela primeira vez do campeonato, ao qual só retornaria nos anos vinte. Desde então se retiraria por mais duas vezes.
Quem acompanhar os campeonatos baianos dos anos trinta e o desempenho do rubro negro poderá verificar coisas estranhas. Um “racha” na diretoria do Bahia (1932), a demissão de diretores do tricolor (1937), a existência de dois campeonatos em 1938, e um incrível declínio do leão da Barra. O Vitória afastou-se novamente do certame nos campeonatos de 1930 e 1931. Voltou em 1932, embora ficasse num sofrível sétimo lugar.
No ano seguinte melhoraria um pouco obtendo o quinto lugar. E, no ano em que a crise do futebol brasileira estava mais aguda, chegou á terceiro, só perdendo o título em função da boa fase do EC Bahia e do Energia Circular que chegaram a sua frente. Repetiria essa colocação em 1935 quando se chocaria com a boa fase de Botafogo e Galícia.  
                                      A primeira equipe rubro negra campeã profissional!

Mas, no ano seguinte, logo após da insurreição da Aliança Libertadora Nacional, naufragaria de novo, ficando em antepenúltimo lugar. O rubro negro afastar-se-ia de novo da liga no campeonato seguinte. Chegamos então aos últimos anos da década, os piores dos 112 anos da história rubro negra.
Em 1938 houve dois estranhos campeonatos que até hoje permanecem sem explicação plausível. O que se sabe é que, quando o Botafogo estava ganhando de todo o mundo, suspendeu-se o certame declarando-o campeão e iniciou-se outro, ganho pelo Bahia. Mas o herói da nossa história, o EC Vitória, foi um desastre nos dois.
No primeiro só ganhou uma partida, mas no segundo perdeu todas. Pior ainda foram as incríveis goleadas que sofreu de Bahia (4 X 9 e 2 X 10), Ypiranga (3 X 6 e 2 X 5), Galícia (1 X 6) e Botafogo (2 X 6), com direito inclusive a ser massacrado pelo tricolor num “amistoso” por dez a um. Nos anos seguintes suas campanhas continuariam a ser ridículas, mas, pelo menos, dispensando as goleadas. Foi lanterna no certame de 1939 e vice-lanterna no de 1940. Continuaria sem ganhar títulos na nova década, embora tenha chegado a disputar supercampeonatos e duas decisões contra o EC Bahia.
                                                E olhem que o leão rugia muito...

Meu pai e meu tio já atuavam no clube na ocasião, junto com Shaeppi, Umbelino e Bengalinha. No domingo eles remavam pelo clube na Enseada dos Tainheiros pela manhã, chegavam a pleno sol no estádio da Graça pra disputar o campeonato de aspirantes, quando eram escalados jogavam no time titular, e ainda jogavam basquete de noite. Isso é a prova cabal que o clube ainda não havia aderido ao profissionalismo.
Isso só iria ocorrer nos anos cinquenta, sob a influência da construção da Fonte Noiva, da gestão Martins Catarino e da animação da sua boa fase no finalzinho dos anos quarenta, quando chegou a ser vice-campeão por duas vezes, disputando o título com o tricolor. Foi aí que o grupo de comunicação Diários Associados viu que não dava pra encher o novo estádio sem investir na rivalidade entre pelo menos dois clubes, e foi também aí que nasceu o clássico BA-VI.

·      Agradeço aos sites RSSSF Brasil e Wikipédia, e aos blogs nosgeeks.pop.com.br e somoscriativos.com.

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