quinta-feira, 18 de agosto de 2011

No tempo das diligências


                                                  Bonde a cavalo na Cidade Baixa!       

No tempo das diligências é um dos maiores western dos States. Feito em 1939 é realizado por John Ford e estrelado por John Wayne, John Carradine, George Bancroft e outros. O que tem de prêmios e indicação da Academia nem vou falar. Tem gente que pensa que isso não tem a ver com a Bahia. Mas se aqui não teve diligências teve tudo o que vocês podem pensar em matéria de transporte, inclusive as diligências baianas, os bondes! 
Ainda tem gente que se lembra dos bondes elétricos apesar da turma que teima em remover todos os trilhos existentes nas cidades. Na Bahia a história do transporte público remonta a 1845 quando as tramoias da Câmara de Vereadores de Salvador aprovaram a primeira concessão de linhas de ônibus. E imagine que chique, era puxado à tração animal! 
        Ainda nem tinha a desgraçada da Fonte Nova no Tororó!

Nos próximos anos se formariam a CTV, a CTC, a CVE e a Companhia Linha Circular de Carris da Bahia (1883) pra explorar as linhas de ônibus e os pobres usuários. Esta última é a nossa herói e foi fruto da reorganização da empresa do empresário Antônio de Lacerda que daria seu nome ao Elevado Elétrico da Conceição, depois Elevador Lacerda.
Como tudo na Bahia é estranho, apesar de ser uma companhia baiana foi fundada no Rio de janeiro sendo transferida para o nosso estado sob o comando do engenheiro João Ramos de Queiroz. No início ela controlava as linhas da Sé, da Baixa do Pelourinho e da Península Itapagipana, mas com o tempo acabou por açambarcar tudo.
                                                 Era muito transito na Avenida sete!

O caminho foi o seguinte. Primeiro, entrou no ramo dos planos inclinados e acabou por construir o Gonçalves, o Pilar e o Isabel (esse, por sinal, nem mais existe!). Depois, absorveu a CTU que não conseguiu aguentar a concorrência. Em 1898 o município decidiu substituir os bondes de tração animal pelos bondes elétricos pra não ficar pra trás em relação a outras capitais.
Mas a Linha Circular “necas de pitibiribas”. Enrolou, enrolou e só foi cumprir em 1906 quando foi vendida à Guinle & Co, que apesar de ser dirigidas por brasileiros não era nada mais que representante da General Eletric. Pode? Aí os governantes da cidade descararam definitivamente entregando o transporte público às companhias estrangeiras.
Na época virou desmoralização, sendo criada para concorrer com a GE (entenda-se Companhia Linha Circular) nada menos do que a The Bahia Tramway, Light & Power.  E isso não era nada mais do que estender à Bahia o que já estava ocorrendo no Rio e em São Paulo. Não sei por que botam esses nomes tão pomposos pra dar no mesmo, explorar o pobre do usuário baiano.
                                 Estão pensando que era facil não cair de um negócio desses?

Mas o que teve de reclamação do transporte nesse tempo não está no gibi. Mas a primeira revolta da população foi quando um bonde elétrico atropelou e matou um cego em 1909. Era demais atropelar alguém a 20 km por hora mas os baianos conseguiram com a colaboração da Light. Em 1915 até o Diário de Notícias estrilou “lascando o pau” na situação do transporte “público” na Bahia que não servia ninguém, a não ser, naturalmente, aos interesses dos empresários. Estão pensando que é só hoje? Em 1921 a coisa esculhambou de vez com a prefeitura passando para a Companhia Linha Circular até a iluminação de várias áreas da capital. Falem mal de João Henrique só!
Depois esta foi passando tudo de transporte para a CLC que foi esmagando os seus concorrentes e virou um monopólio. Mas o negócio dos bondes começaria mesmo a “pegar” na década de trinta por duas razões. Uma foi o surgimento da chamada revolução de 30, que coincidiu com um grande quebra quebra de bondes que destruiu sessenta carros da Companhia de Carris da Bahia. E a outra foi pela decisão da Linha Circular de criar um time de futebol ruim de dar dó, o Energia Circular.
                                 Adriana Galisteu cansou de dormir esperando um bonde!

Era demais, e aí todo mundo se juntou contra o tal do time da companhia, que, ainda por cima, passou a disputar o campeonato baiano aproveitando-se de que a Segundona estava suspensa. Na verdade esse certame havia sido criado pra inglês ver em 1922 ficando só até o ano seguinte. E aí o time da companhia entrou “pela janela”, que moleza!
O primeiro ano que o Energia Circular participou do campeonato foi em 1932, exatamente quando houve a chamada revolução constitucionalista. Mas a companhia não estava nem aí pra constituição, o que queria mesmo era explorar as linhas de bonde e agora também os incautos torcedores.
A estreia do Energia Circular foi um desastre. Começou em abril perdendo pro São Cristóvão por quatro a dois, não valendo nem transportar as pessoas de graça pro campo. Mas depois disso enfiou oito a zero nos “cegos” do Guarany e até ofereceu resistência ao Botafogo, para o qual perdeu por quatro a três!
  

                                                                Oi como era a bola!

Depois ganharia do Antárctica (será que saíram bêbados?) por três a um, e até, acreditem, do Vitória (4 X 2). Esse não tinha jeito mesmo desde aquele tempo! Mas, a partir do jogo contra o Democrata (2 X 4), começaria a cair pelas tabelas. Também era demais a empresa ganhar da democracia! Pra encurtar a conversa e não chatear meus leitores devo dizer que o time da companhia acabou em oitavo lugar, entre dez clubes, só alcançando saldo positivo de gols por causa do Guarany!
Até o ano seguinte a companhia não estava convencida da ruindade de seu time e voltou a participar do campeonato baiano. As duas primeiras partidas até que deu pra “quebrar o galho” afinal ganhou do Fluminense por seis a quatro e empatou em um gol com o Ypiranga. Depois daí foram só altos e baixos, mas parecendo os times baianos no Brasileirão, quando perdeu do Botafogo (1 X 4) e do Vitória (2 X 4), ganhou do velho freguês Guarany (11 X 1) e do Bahia (3 X 2). Mas desta vez, como saíram dois clubes do certame, terminou em 4º lugar, contando com a maior ruindade do São Cristóvão, Guarany (que não deixava ninguém lhe tomar a lanterna) e Fluminense.
                                          Esses novinhos circulavam na época de eleição!

Mas em 1934 tudo foi diferente. Era ano de Constituinte e todo mundo queria “puxar o saco” dos eleitores. Até o governador Juracy mudou o sistema eleitoral criando os “deputados corporativos”. Desta maneira todas as classes passaram a ter os seus parlamentares para...votar em mais um mandato pra Juracy!
No futebol a empresa decidiu investir e equipou melhor o Energia Circular que foi “pras cabeças”. O time estreou ganhando do Ypiranga (3 X 1) e logo empatou com o recém fundado Bahia (1 X 1). Sempre deu muito azar contra o Vitória (1 X 2), mas empatou com Botafogo (2 X 2) e Galícia (1 X 1) e ganhou do Fluminense (5 X 3), deixando o tricolor na frente do primeiro turno.
No segundo turno, porém, as coisas pioraram após a vitória contra o Fluminense (4 X 2). O time da empresa perdeu do Botafogo e do Vitória por goleadas de cinco a um e seis a dois. Foi um rebu na companhia que ameaçou tirar o time de campo e os bondes da cidade. Mas depois ficou o dito por não dito quando ganhou do Galícia (2 X 1), do Bahia (3 X 2) e do Ypiranga (6 X 1) passando à frente do tricolor. Este só levou o caneco porque venceu o Botafogo na semana seguinte por dois a um ficando o Energia Circular com o vice.
                         Que ensaio sobre a cegueira nada, são os baianos esperando no ponto!

Mas vocês sabem como são os políticos brasileiros né? No ano seguinte, após ter conseguido os votos pra seus candidatos a companhia abandonou o time à sua própria sorte. Coitadinho, chegou a dar pena! Estreou apanhando de seis do Botafogo. Logo depois deu o ar de sua graça vencendo o Brasil (alguém já ouviu falar?) por quatro a três, mas só pra cair de novo para o Galícia (1 X 4).
Depois foi uma desgraceira, perdendo do Bahia (1 X 3), Vitória (1 X 5), Fluminense (1 X 2) e Ypiranga (2 X 5). A companhia nem mais fiava as passagens pros torcedores assistir aquela porcaria, digo, o time do Energia Circular. Mas ainda havia o 2º turno e as coisas foram de mal a pior perdendo só pra Deus e o mundo e levando até de sete do Botafogo e do Galícia. Só conseguiu mesmo ganhar da dupla BA-VI (2 X 1 e 5 X 3). Terminou numa triste lanterna envergonhando a companhia.
                 Estão vendo, não acontece só com o Vitória, o River também está na Segundona!

Nesse ano aconteceu de tudo. A insurreição da Aliança Nacional Libertadora e o ressussitamento da Segundona com o rebaixamento do nosso herói Energia Circular! Mas a conjuntura não estava pra peixe e o Energia Circular, (mesmo ganhando aquela “barbada” de certame em que poucos participavam) não foi promovido. Precisou ganhar dois anos seguidos pra valer um e garantir a sua vaga na Primeirona em 1938.
Mas aí tudo no Brasil era esculhambação. Tinha acabado o arremedo de democracia do país (que entrara na ditadura do Estado Novo) e, como não mais precisava de eleitores, a companhia acabou investindo nos conciliábulos com os políticos e abandonando de novo o time. O "mangue" estendeu-se pro campeonato baiano (ou será que foi ao contrário?) que teve duas edições nesse ano.
                                         Os baianos reclamavam do preço dos bondes!

É que quando o Botafogo saiu na frente a liga resolveu acabar o certame e criar outro pra dar vez ao Bahia. Mas pelo menos serve de desculpa pra campanha do desprezado time do Energia Circular. Começou tomando de cinco do Ypiranga, depois de sete do Bahia e de três do Vitória. Aí o time todo foi se reunir com o presidente da Cia pra que ele fosse conversar com a direção do clube Yankees. Só os estrangeiros teriam solidariedade com o pobre Energia Circular (que afinal de contas era da GE) mesmo assim só venceu por três a dois.
Acabou o certame perdendo pro Galícia (2 X 3) e empatando com o Vitória (2 X 2). Ai foi o maior "pau" entre os estrangeiros pra decidir com quem deveria ficar a lanterna do certame. Mais uma vez os Yankees tiveram que “chimbar” pois a Cia tinha negócios importantes com o município e as empresas de bonde negociavam com a Arquidiocese a derrubada da histórica Igreja da Sé para construir um terminal de bondes.
                        Os vampiros reclamavam da concorrência dos empresários do transporte!

Mas se os fiéis reclamaram com a demolição da Igreja da Sé, pelo menos tiveram a satisfação de ver demolida a ruindade do Energia Circular, que voltou à Segundona no próximo ano e, depois de devidamente amaldiçoado pela igreja, foi pros quintos do inferno!  O time ainda ganharia a Segunda Divisão em 1940 mas nem teve coragem de se apresentar de novo pra participar da Primeirona. Graças ao bom Deus!

* Agradeço ao site RSSSF Brasil e ao Almanaque Sportivo da Bahia.

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