terça-feira, 16 de agosto de 2011

Os caras de pau

    
Os caras de pau é um programa humorístico da Rede Globo que passa nas tardes de domingo e tem até sitena internet. Eu só o assisto quando não tem jogo mas sei que, desde que teve sessão especial em 2006, teve muita receptividade e acabou virando uma série a partir de abril do ano passado.
Agora Pedrão(Marcius Melhuem) e Jorginho(Leandro Hassum) e seus temas do cotidiano já estão em segunda temporada. Quem for ler nos almanaques vai verificar que dizem que a sua inspiração surgiu das duplas de humor e dos programas da TV norte-americana. Mas tudo isso é “conversa para boi dormir”. Já estou cansado de contar coisas neste blog que são copiadas da Bahia. É que em matéria de humor de duplas ninguém ganha dos baianos.
                                    Esse negócio de um atrás do outro não tem mais hoje!

O futebol brasileiro tem muitos “clássicos”, quero dizer partidas entre clubes que construíram uma história de rivalidade. Alguns, em função de nosso país ser uma federação de araque, são considerados melhores do que outros, como o FLA-FLU, o Derby paulista, o GRENAL, o Cruzeiro X Atlético, o ATLETIBA, entre outros, mesmo sem terem a tradição do BA-VI.
Mas um grande clássico na Bahia não podia deixar de ser diferente de qualquer lugar do mundo. É que aqui esta rivalidade só surgiu na Fonte Nova. Os clubes foram fundados em datas totalmente diferentes, o rubro negro em 1899 e o tricolor em 1931. Dizem que Adão não se vestia porque Spinelli não existia e esta verdade vale parcialmente para o futebol baiano. Enquanto o leão estava sozinho não ganhou quase nada e até nem participou do primeiro certame que o esquadrão concorreu.
                                                 O pessoal era muito recatado!

Só consultando os espíritos pra entender porque o BA-VI se tornou um grande clássico. O certame baiano começou em 1905 sem clássico e o Vitória teve que cria-lo. Aí, conta a lenda que durante um treino alguém chutou a bola na vala e dois dos fundadores do clube “bateram boca” sobre quem deveria ir busca-la.
É muita cara de pau, mas foi isso que deu motivo para o surgimento de um clássico pois Artemio valente e Cia saíram do clube e criaram o São Salvador. Esta picuinha fez lotar o Campo da Pólvora para ver esse “clássico” que se tornou o mais importante jogo do certame por uns cinco a seis anos quando o leão ganhou dois e o São salvador mais dois campeonatos, antes que o rubro negro arranjasse uma briga e abandonasse a liga só voltando nos anos vinte.
                                   Nem pensar em pedir carona na Graça daqueles tempos!

Já era “bi vice” quando isso ocorreu em 1913 e sua saída coincidiu com a do seu rival deixando o futebol baiano órfão de clássicos. O Campo da Pólvora e o Rio Vermelho viveram às moscas sem uma picuinha pra agitar o ambiente, a não ser, naturalmente, as brigas diárias dos dirigentes.
Mas aí surge o Ypiranga em 1914. No início os dirigentes elitistas não gostaram, afinal de contas relutavam a aceitar que um time do povo frequentasse o ambiente seleto das partidas de futebol. E que nos ouça dizem que foi um dos motivos para o Vitória e o São Salvador abandonarem a liga. Mas o auri negro não estava nem aí. No primeiro certame teve participação muito discreta mas no segundo só não levou o título porque o Guarany abandonou o campeonato nas últimas partidas tomando um WO do campeão Fluminense FC.O mais querido ficou tão “puto” que largou o certame.
                                          Com esse cabelo Geraldo nao jogaria na Graça!

Aí entrou outro representante das “classes baixas”. Que horror! E o pior é que vinha agora gente até do subúrbio pra assistir aos jogos olhando até para as madames que faziam o seu lazer nos domingos. Mas, graças a Deus, o alvi rubro sabia o “seu lugar” e ficou lá em baixo da tabela.
Mas desgraceira mesmo foi quando o Ypiranga voltou em 1917. Vixe nossa, cruz credo. Parecia até coisa do demo. Imaginem que arranjaram até uma revolução lá na Rússia pra subverter o “direito natural” dos ricos ficarem por cima e os pobres por baixo. No primeiro ano em que participaram os dois os seus jogos viraram clássico. No dia em que jogavam o Campo da Pólvora ficava cheio da turma que levava farofa nos jogos. Quanto aos granfinos nem passavam por lá.
                                       Foi na época do filme Encouraçado Potemkin!

E o pior é que o Ypiranga teve a cara de pau de ser campeão levando gatos e cachorros de roldão! Até então ainda não havia ocorrido na Bahia um clube acabar com sete pontos na frente do segundo colocado. Botafogo X Ypiranga foi o último jogo do turno e ocorreu a 12 de agosto terminando com três a um para o futuro mais querido.  No segundo turno vários clubes fugiram do confronto perdendo o transporte pro Rio Vermelho no dia do jogo contra o Ypiranga. O alvi rubro infelizmente foi um desses e porisso acabou perdendo o campeonato para o Fluminene FC.
No ano seguinte não teve ninguém que evitasse que os dois se tornassem os mais poderosos clubes de então. O Ypiranga repetiu a dose e o Botafogo ficou com o vice. Mas só houve um jogo, o do primeiro turno, quando o auri negro ganhou no sufoco por dois a um, pois no segundo turno o alvi rubro nem apareceu no Rio Vermelho.
                                          Não tinha nada da esculhambação dos nossos dias!

Devagarzinho o Bota foi se impondo e, depois da guerra, armou um time pra ser campeão deixando o mais querido pra traz. Foi um ano atípico que mostrou a divisão de classes do nosso futebol. Um clube da elite(Fluminense) e outro popular(Botafogo) acabaram disparando na frente e empatando em pontos no final do certame obrigando a um jogo extra. O Botafogo ganhou seus primeiros jogos pro Ypiranga, um a zero e dois a um. E a rivalidade nascente entre os dois fez com que o auri negro entregasse os pontos para o Fluminense empatando o certame.
Foi aí que nasceu o novo clássico que viria a substituir Vitória X São Salvador. Os torcedores ipiranguenses compareceram em massa às finais, houve o maior qui-pró-cói na liga. O primeiro jogo terminou com o empate em um gol levando um mês pra sair a segunda partida totalmente dominada pelo Fluminense mas vencida pelo Botafogo em um lance de azar.
                                     Nem pensar nesse cara jogando no Campo da Pólvora!

Os grã-finos não podiam aceitar esta situação. Além de aguentar o povo sem terno de tropical inglês, dizendo palavrões e fazendo barulho nas “arquibancadas” ainda tinham de vê-los levar a taça. Logo eles que eram os fundadores da liga. Era mesmo muita cara de pau! Aí resolveram tomar uma providencia reunindo-se no clube baiano de Tênis e comprando o terreno de uma roça na Graça onde construíram o Estádio da Graça.  
A atitude animou o campeonato. Até que tentaram expulsar a “gentalha” do certame mas o clima de unidade não permitiu. Nesse ano, ao invés de sair entraram mais fazendo com que pela primeira vez fosse disputado um certame com doze clubes. O campeonato ficou claramente dividido em duas classes, a dos que moravam na Vitória, na Graça, Garcia, Centro e adjacências, e dos que moravam nos demais bairros.
                                                         Charles Muller dava pra jogar!

O Vitória então voltou, e formou ao lado dos clubes da elite, juntamente com o Bahiano de Tênis, da Associação Athlética, o Internacional, os Yankee e o Sul América. A esta altura o Fluminense estava aceitando jogadores populares e acabou ficando pelo meio. Mas torcer pela dupla Ypiranga e Botafogo nem pensar pois havia até quem viesse de sandália e com a camisa desabotoada para os jogos. O Itapagipe pegava o pessoal que morava na Cidade Baixa, e Santa Cruz e Nacional só Deus sabe de onde vinham.
Nesse ano a divisão chegou ao auge com o jogo da elite: Baiano X Associação, e o jogo dos pobres: Ypiranga X Botafogo. E a disputa foi tão grande que acabou havendo um inédito supercampeonato em função do empate de Fluminense, Associação e Ypiranga em primeiro lugar com 19 pontos, mas o pessoal estranhou o escore do jogo Fluminense 9 X 0 Itapagipe!
                                                 Foi por isso que o Titanic afundou!

As finais foram realizadas em dezembro e colocaram logo os clubes da elite para que um saísse na frente mas o jogo entre Fluminense e Associação acabou empatado. Um gol anulado da Associação provocou o maior rebu entre os grãfinos. É que dois bicudos não se beijam e o Ypiranga esperou sentado pra ganhar dos dois e levar o caneco pra raiva geral da burguesia da cidade.
No ano seguinte foi “pau puro. De um lado os clubes da elite Bahiano e Associação(com o Vitória correndo por fora), e , de outro lado, a dupla Ypiranga e Botafogo. Mas todos divididos, era o clássico das elites e o clássico do povo. O público que iam em um jogo nem aparecia de bonde no jogo do outro.
                                                          Dá pra permitir essa ousadia?

Até a última rodada em 13 de dezembro estavam empatados Associação e Ypiranga em primeiro lugar com 20 pontos, ficando o Bahiano com 16 e o Botafogo com 15. Mas no último jogo o auri negro ganhou do Santa cruz por três a um levando mais uma vez o caneco. Mais problemas para a liga administrar.
1922 foi um ano decisivo onde acontece a Semana de Arte Moderna, a revolta do Forte de Copacabana, e a fundação do Partido Comunista. Já os baianos continuam imersos em sua disputa de classes através do futebol. Nesse ano só sete clubes participaram do campeonato. De um lado ficou a elite do Bahiano, do Vitória e da Associação, e do outro Botafogo e Ypiranga. Mas ninguém sabe o lado do São Bento e Santa Cruz que ficaram na lanterna.

                                                   Não tinha nem uma briguinha!

O certame foi muito duro e como sempre apontaram até o final um clube de cada lado, mas agora a vez era do Botafogo e Associação. Foi decidido nas últimas três semanas, sendo o jogo chave a vitória do alvi rubro sobre o Bahiano por dois a zero colocando quatro pontos na frente da azulina. Mas o estranho mesmo foram os enfrentamentos finais onde cada um jogou com seu cada qual. O Vitória perdeu pra Associação por três a um enquanto o Ypiranga tomava uma estranha goleada do Botafogo por sete a zero! É muita cara de pau, e fez com que o alvi rubro levasse o caneco desse estranho campeonato.
Em 1923 os mesmos clubes dispararam na frente tornando o campeonato emocionante para grã-finos e populares. Vitória, Bahiano e Ypiranga ficaram bem pra trás. Mas na última rodada aconteceram coisas que Deus duvida. Foi em dezembro de 1923 e as maracutais não respeitaram nem o Natal. É que enquanto o Botafogo suou em campo pra derrotar o São Bento por cinco a zero, o Auto Bahia não comparecia para o jogo com a Associação. E olhem que compareceu e ganhou os pontos do baiano!
                                            Dilma e Palocci nem poderiam torcer assim!

Nesse ano, porém, só houve um jogo final, e ocorreu na véspera do Natal. A Graça tinha gente até em cima do muro pra ver a decisão entre povo e elite, dizendo melhor, entre Botafogo e Associação Athlética (com "h"“mesmo!).  Não foi fácil arranjar o juiz, evitar a crise na liga, e conter os ânimos, mas os diabos rubros acabaram faturando de novo, um a zero.
Esta história poderia continuar indefinidamente acompanhando o tempo onde a divisão dos clubes de futebol mostrava de forma bem mais clara o que acontecia com as classes sociais. Mas preferímos acaba-la em 1923 quando a elite, depois de “lutar” vários anos, conseguiu retomar a taça. Nesse ano até um tal de Democrata começou a participar, talvez em função das críticas à chamada República Velha. Mas como era no Brasil o Democrata ficou mesmo em último lugar.
                                            Era assim um jogo no Campo da Graça!

O campeonato de 1924 só acabou no ano seguinte. Mais uma vez aconteceram coisas estranhas no final. Nas suas últimas partidas a Associação deu de sete do Fluminense (sic!) e WO do Auto Bahia. O resultado acabou levando a um quádruplo empate com 25 pontos obrigando ao maior supercampeonato da história do certame baiano até hoje, onde pra contento geral ficaram dois de cada lado, o povão com Botafogo e Ypiranga, e a elite com Bahiano e Associação..
Mas desta vez os clubes do povão estavam fracos. O Bahiano eliminou logo o Botafogo por quatro a um, e a Associação precisou de dois jogos pra bater o Ypiranga, empatando o primeiro em um gol e despachando os canários por cinco a um. Foi aí que a Graça encheu de grã-fino prá ver, enfim, a final de elite entre Bahiano e Associação Athlética. Haviam finalmente voltado os bons tempos do pincenez, do terno e de solicitar licença pra sentar nas arquibancadas de madeira. O tempo do cavalheirismo voltou na Graça. Não faltou quem pedisse a expulsão definitiva daquele povo do subúrbio, dos carregadores e camelôs.
                                                     Foi aí que a crise chegou!

Foi uma semana de glória para a elite, aquela de oito a quinze de março de 1925. E olhem que os jogos foram sensacionais. É verdade que os jogadores não pediam licença pra passar e bem que terminaram as partidas num desalinho de fazer dó. Mas, nem pensar em divulgar pelos jornais os seus xingamentos. A primeira partida dos clubes de elite não podia dar outra coisa que não um empate de três gols pra cada lado. Saiu até na coluna social.
Mas na segunda o negócio engrossou e nem a July da época apareceu. A coisa foi “pra pirão” com os dois clubes da elite querendo levar a taça de qualquer jeito, mas só podia ganhar um e esse foi a Associação, e por quatro a dois.
A farra das elites iria continuar até 1930 quando invocados com o profissionalismo crescente, o Bahiano e a Associação resolveram acabar com seus departamentos de futebol. E vejam quem apareceu deles, logo o EC Bahia que iria mudar de lado, transitando da elite para o povão. Mas isso é coisa da Bahia!

·          Agradeço ao site RSSSF Brasil.


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