segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Um dia muito agitado


                                           
Naquela noite não dormi. O avião saiu do Rio de janeiro mais de meia noite, e olhem que antes nosso voo havia sido antecipado na Bahia e mofamos algumas horas no Aeroporto Antônio Carlos Jobim. Passamos  o tempo nos revirando na cadeira e Cybele pegou uma dor nas costas.
Eram onze horas e meia pra Londres e tentei de tudo pra matar o tempo. O jantar sequer matava a fome. Aliás as comidas dessas companhias de aviação são de dar dó. Encontrei um bom papo na fileira com um paulista que havia feito mestrado na London School Economics. Foi bom pra saber a situação social e política de Londres e pra trocarmos ideias sobre a dura vida de escritor e blogueiro. Rolou tudo quanto foi assunto e a conversa morreu quando chegamos na China.
Aí o jeito foi procurar os filmes que a TAM estava oferecendo. Pelo meu cálculo precisava assistir uns cinco filmes pro avião chegar no Canal da mancha. Mas a pobreza era total. Thor, uma comédia romântica que já havia assistido, uns filmes nacionais sem graça, e Água para elefantes. Acabei ficando com o último do diretor Francis Lawrence. Pelo menos me diverti com as recordações do ex-estudante de veterinária que fez do circo (e da encantadora de cavalos) sua paixão. Nem vi o final pois consegui cochilar.  
                                                       São jóias essas casinhas!

Mudei então o canal para aquelas informações de voo, e imaginem onde estávamos passando, pois é por cima de Salvador. Era demais esse capitalismo. Por um problema de mercado nois obrigam a ir para o Rio e passar pela própria Bahia para alcançar Londres. Se houvesse voo direto de Salvador economizaríamos duas boas horas.
O tempo que faltava era imenso e (acreditem!) consegui até assistir Thor.  Foi realmente um “pé no saco”. Muita ficção somada a efeitos especiais de todo tipo a serviço de mais um herói de plantão. Não sei nem onde foi parar a história pois cochilei quando nosso herói estava destruindo uma ponte que ligava o nada a lugar nenhum.
Pelo menos já estávamos em cima do Oceano Atlântico. Olhava Cybele com inveja de seu sono. Basta botar a cabeça no travesseiro que ela pega no sono. Tentei fingir que dormia. Havia torcido pra não sentar mais ninguém na nossa fila pra que pudéssemos estirar as pernas mas veio o paulista. Me estirei na poltrona do lado. Acho que chegamos á costa da África após umas 25 vezes que troquei de lado.
                                          Pô Wagner, cadê o voo direto Salvador-Londres? 

Resolvi então praticar meu inglês nas revistas que essas empresas de aviação fornecem. Mas isso só iria ocorrer na volta pois na ida estavam todas em português e abaixo da crítica. Aproveitei que meu vizinho foi ao banheiro pra fazer o mesmo. Chegamos a Grã Bretanha com outras dezenas de ações inúteis como essas. Aí foi só contar os minutos até a aterrisagem.
Chegamos ás quatro da tarde, passamos o maior nervosismo na famosa imigração, fomos entulhados em duas vans na viagem pro hotel (onde tivemos a nossa primeira experiência com a concepção de hospedagem faça-tudo-você-mesmo) e ainda deu tempo de desfrutar a noite londrina.
O aeroporto de Hearthrow é uma imensidão. Deixa no chulé o Dois de Julho em Salvador. Mas a tensão que passamos com os agentes não foi mole! Tinha duas filas, uma da “gente bem” (que tem título de cidadão europeu ou é norte-americano) e a outra para os mortais comuns, africanos, latinos, asiáticos, brasileiros e outros bichos.
                                     O esporte na Inglaterra é se atirar embaixo dos trens!

Trata-se de uma fila por natureza suspeita e tem que ser investigada. O grupo deixou as brincadeiras pra trás assim que entrou no recinto fatídico da imigração. Uns quatro batiam um inglês legal, outros enrolavam, e haviam os que não entendiam bulhufas. Imaginem como ficariam com as perguntas que os agentes fazem costumeiramente.
Nas reuniões em Salvador se falou de tudo que podia acontecer. Eu acessei até um blog que arriscava as perguntas básicas mas preferi ler as experiências concretas de brasileiros com esses distintos funcionários. E olhem que havia coisas de arrepiar. Um deles, que chegou para participar da Semana Beatles em Liverpool, teve que responder quantos Beatles estavam vivos e ainda cantar duas musicas do grupo! Outros tiveram que tirar as libras e os cartões da carteira, e o escambau.
Até que o grupo procurou acalmar a todos mostrando que não era nenhum “bicho de sete cabeças” mas ficou no subconsciente. Mas quando entramos no inferno, digo na área da imigração, as caras e até o papo rareou. A fila era monstruosa e me pareceu serpentear por milhares de linhas. Mas bastou uns vinte minutos porá chegarmos perto dos guichês, e aí, expontaneamente, todos chegaram a mesma tática: ir todo mundo atrás de Valdir, o coordenador do grupo e o que melhor falava inglês.
                                    Depois eu conto quando fomos no Estádio do Liverpool!

Bastou chegar a vez do último cara que estava em nossa frente e um pelotão de baianos seguiu atrás do líder em direção o último guichê. A ousadia foi ditada pelo puro e simples medo mesmo! Pensei que iam nos barrar, já estava até preparado, decorando um Sorry but no understand!
Mas não foi necessário pois a turma chegou toda em frente do surpreso funcionário todo mundo vestindo a camisa do Beatles Social Club. Valdir logo se apresentou cuspindo um inglês de fazer inveja. Encheu de documentos a mão do funcionário. Convenhamos, ali tinha tudo. Nome e telefone dos hotéis, dos caras que nos guiariam, datas e horários das passagens de volta, todos os nossos passaportes e até os tickets da viagem de trem Londres-Liverpool-Londres. O agente então se rendeu, mas antes disso fez algumas perguntas a Valdir sobre os Beatles e confirmando algumas informações dos documentos. Depois disso não é que o cara ainda chamou a todos pelo passaporte? Mas acho que era só pra conferir a cara. Deu pra ouvir o “ufa” quando chegamos do lado de fora.
Depois foi nos acotovelar nas vans e rumar pra Bayswater. O motorista até que tentou conversar mas desistiu ao ver que não estávamos nem aí, não por desinteresse, mas por terem concentrado em nosso veículo os que menos se defendiam em inglês. Aí ele apelou colocando uma fita latina pra tocar que abria logo com uma bossa nova instrumental. Aí arrisquei um beautiful para a sua satisfação.
                                           Quero ver sorrir viajando onze horas!

Enquanto isto a van já ultrapassava a rodovia por onde se vai ao aeroporto (Londres tem uns quatro) e avançava sobre o tráfego de Londres. Não nos surpreendeu os ônibus de dois andares, as cabines telefônicas, ou os famosos taxis pretos mas a arquitetura da cidade, cheia de bairros com casas em série com dois andares, uma porta, quatro janelas, e uma escadinha na frente. Só variava a cor mais ou menos sem graça das construções.
Já era umas sete da noite quando chegamos ao Hyde Park Hotels. Quando entramos na rua já achei estranho. Não havia lugar para um edifício naquela rua pois só tinha prédios de dois e três andares. A van parou em frente ao número 55, vendido pela internet como o endereço do hotel. Mas era somente outra casa de dois andares. Aí foi fazer uma vaquinha pra pagar a corrida, tirar as malas amontoando-as devidamente no pequeno recinto da recepção e do corredor.
Depois de deixarmos de novo toda a iniciativa com Valdir, e quando este voltou com as chaves, é que descobrimos que iriamos nos hospedar num hotel diferente, com uma concepção moderna de faça-tudo-você-mesmo. Eu e Cybele ficamos no apartamento 9 do prédio 30 mas só recebemos uma chave que abria os dois. Depois disso o grupo se dividiu, percorrendo a rua para buscar o local onde estava. Nós caminhamos uns quatrocentos metros arrastando malas pra achar o prédio 30. Pelo menos a chave abria a porta, mas a dificuldade foi descobrir o quarto nove.
                                                             Passeata no Soho!

Tinha entradas á direita, escadas pra cima e pra baixo (onde existiam quartos),e uma porta fechada no fim do corredor do primeiro andar.  Deixei tudo ali e saí a procurar. Confesso que subi e desci algumas vezes e nada. Aí então decidi ir até aquela porta fechada, e não é que dava pra dois quartos, e entre esses o nove? Ficamos vizinhos do casal de sócios do Cheiro de Pizza Almira e Dorival.
Mas o problema mesmo foi no quarto. O primeiro problema foi ligar a luz e o segundo tomar banho morno. Levamos uns bons quinze minutos pra achar a mágica que iluminasse o ambiente. Quanto ao banho tentamos misturar de todas as formas a agua fria com a agua quente. O jeito foi deixar o banho pra de manhã quando chamamos Cabus que resolveu tudo simplesmente.
Não posso deixar de contar o que passamos em matéria de hospedagem em Londres e Liverpool. No resto até que ficamos em hotéis mesmo, mas nessas cidades a hospedagem tinha um “conceito moderno”. Não foi tanto pelo “apertamento” pequeno e pior que um kitchenette baiano, mas pelo fato dos que imaginaram esse sistema ter o desplante de colocar no mesmo quarto a cama, o armário, a cozinha (com fogão, gás e tudo) e a TV. Só deixaram o banheiro separado.
                         Na Irlanda se diz do Titanic: feito na Irlanda e afundado por um inglês! 

De forma que quando estirávamos o pé pra fora da cama quase batíamos no extintor, e tínhamos que ter cuidado ao acordar pra não chutar o fogão. Era tanto botão pra apertar que fomos embora e não descobrimos como fazer café no quarto, embora o restante do grupo não combinasse com a nossa ignorância. Mas vamos voltar a Marx, quero dizer ao passeio com nossos sobrinhos.
Mas nossa passagem pelo quarto foi super rápida. Foi só inspecionar o local, largar as malas, dar uma ajeitada geral na aparência e estávamos novinhos em folha. Valdir tinha nos avisado que nossa rua era paralela com a Queensway Street e que lá tinha muitas coisas. Mas não esperávamos tanto. O pessoal que circulava alí era de todos os lugares do planeta menos ingleses. Havia mil lojas, lanchonetes, restaurantes (gregos, italianos, indianos e chineses), duas estações de metrô (a Queensway e a Bayswater), lan houses, pubs, e até uma igreja, a Apostólica Brasileira.
Entramos logo em uma loja pra comprar um chip da operadora Lebara (como Valdir havia nos ensinado) pra habilitar o telefone de Cybele na Europa. Só aí é que conseguimos telefonar pra nosso sobrinho Matheus que vive e trabalha em Londres. Mas qualquer acerto dependeria da programação do Beatles Social Club do dia posterior.
                                                                     Ói ele aí!

Eram quase nove da noite quando fomos jantar no Restaurante Bela Itália. Só depois é que soubemos que Matheus já havia trabalhado lá e não recomenda pra ninguém essa cadeia. O pessoal todo do grupo entrou mas só nossa mesa ficou, tendo como companhia Almira, Dorivcal, Portela(Companhia da Pizza).A comida foi ruim de dar dó abrindo uma temporada de comidas sofríveis que iríamos encontrar na viagem. O que se salvou foi o garçon português que conhecia a Bahia e pretendia voltar para o estado durante o duro inverno inglês.
Na saída conhecemos Daniel, outro estudante brasileiro em Londres, que era amigo de Faustão, e, como o pessoal estava no fogo, ele propôs nos ciceronear numa visita ao centro. Nessa altura já eram quase onze da noite e estávamos cansados, mas quem sabe quando teríamos outra oportunidade? Bastou uma troca de olhares entre eu e Cybele pra decidirmos topar.
                                            Rapaz, entrei no quarto de John e tudo!

Foi assim que passamos pela Oxford Street (onde estão muitas grifes), por Piccadilly Circus, e fomos terminar a noite no Soho. O Bar Itália ficava quase em frente do Clube de Jazz Rowney Scott que tinha uma programação de encher os olhos, a qual copiei toda até o fim da viagem. Quando acabamos o tour não tinha mais metrô e o jeito foi pegar dois taxis grandes pra voltar pro hotel onde chegamos quase as três da madruga. E o pior é que nesse dia precisaríamos estar cedo em pé pois era quando conheceríamos o estúdio dos Beatles em Abbey Road. Mas isso é assunto do próximo capítulo.

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