terça-feira, 29 de novembro de 2011

O empréstimo


O empréstimo é um conto que faz parte de uma antologia do nosso grande escritor Machado de Assis. A história gira em torno de um honesto tabelião que recebe uma proposta inusitada emprestar cinco mil reis a um conhecido para montar um grande negócio. Mas como o mesmo se fez de rogado este começou a diminuir o pedido e quanto mais o fazia mais a situação constrangia seu interlocutor. No final da história o abusado saiu apenas com cinco mil reis...o suficiente para um lauto jantar!
Mas não é só na literatura que essas coisas acontecem, no futebol baiano também. Só que o jantar foi outro! No ano de 1970 o anel superior do Estádio da Fonte Nova estava sendo construído. Pra não deixar de realizar o campeonato baiano o jeito foi voltar a jogar no antigo Campo da Graça. Deve ter sido seguramente um dos piores certames já realizados. A disputa desde 1963 era um equilíbrio só. Em 63 ganhou o Fluminense de Feira de Santana, em 64 e 65 o Vitória, em 66 deu Leônico na cabeça, em 67 o Bahia, 68 o Galícia e em 69 de novo o Fluminense.

O campeonato havia sido interiorizado desde 67 e não era brincadeira para os clubes da capital jogarem nos verdadeiros alçapões do interior. De forma que mesmo naquele ano dois clubes diferentes ganharam os turnos, Bahia e Itabuna. Osório Vilas Boas conta em seu livro como foram as finais.
A final seria em dois jogos, um lá e outro cá e, em Itabuna, esperava-se as mesmas dificuldades dos outros jogos. Brigas, pancadarias, pressões de todos os tipos, juiz caseiro, etc. Enquanto Osório pensava em uma alternativa pra tudo isso eis que aparece em sua casa às sete e meia da matina o presidente da FBF, Carlos Alberto de Andrade, que trabalhava no gabinete do prefeito.   
 
        Foi no tempo em que se viajava pra Itabuna em diligência!

   
- Fiquei surpreso com a visita, desde que o Carlinhos só me procurava em casa as dez ou onze horas da noite. Eu disse “vá entrando” e ele não se perdeu em parolagens, em conversa cumprida. Falou:
- Osório, eu preciso de vinte mil cruzeiros para pagar uma letra da Federação, já vencida, e irá para o cartório de Protestos amanhã.
- Engraçado. Você está com este problema e eu com outro: isto de o Bahia jogar em Itabuna nas circunstancias atuais.   
- Eu resolvo.
                                                                  Ói quem era o prefeito!

Então Osório emprestou dinheiro do tricolor, tendo o presidente da FBF dado a garantia de uma nota promissória correspondente a quantia emprestada.
- Fiquei feliz quando ele saiu. Mas ao meio dia todas as resenhas esportivas das rádios anunciavam que uma caravana de esportistas e políticos de Itabuna tinham obtido uma audiência com o prefeito para que interviesse no sentido de se garantir um jogo na cidade.
                                                    O pessoal saía cheio de grana!

E aí, como Osório sabia da sua disponibilidade no gabinete decidiu procura-lo falando com toda a franqueza.
- Olhe aqui Carlinhos, se vire! De modo algum o Bahia jogará em Itabuna.
- Deixe comigo. AS partida será adiada sine die. Fique tranquilo.
                                                           Ainda nem tinha o BNDES!

Resultado, quando o pessoal de Itabuna estava reunido com o prefeito este convocou o presidente da Federação ao seu gabinete dizendo:
- Você vai marcar o jogo em Itabuna no domingo. Entendido?
Mas a resposta de Carlos Alberto Andrade surpreendeu a autoridade:
- Não vou marcar coisa nenhuma! Se a Prefeitura é aqui, a Federação é lá em São Pedro, e seu presidente sou eu. Aqui sou apenas funcionário. Os casos concernentes à Federação eu decido é lá...
                                                   Foi aí que Osório conheceu ACM!

- Eu estou dando uma ordem!
- Sabe de uma coisa senhor prefeito? O Bahia não vai jogar em Itabuna agora e não sei mesmo quando irá!
Aí o prefeito não aguentou mais e explodiu:>
- Suma da minha vista, agora!

                                           O futebol baiano "era" a casa da mãe Joana!

Desta vez Carlos Alberto atendeu a ordem saindo prontamente da sala. No dia seguinte perdia a disponibilidade no gabinete do prefeito retornando à repartição de origem.
Bendito empréstimo. Por vinte mil reis o Bahia jogou as finais em Salvador e jantou fácil o título. Na primeira deu de três a zero no Itabuna, e na segunda foi ainda pior: seis a zero.

·         Agradeço as informações do livro Futebol, paixão & catimba e do site Releituras.com.

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