sábado, 10 de dezembro de 2011

O vigarista do ano

 

O filme O vigarista do ano do diretor Lasse Halstrom, é sobre o escritor Clifford Irving(Richard Gere) que procurando há muito tempo uma grande história pra contar resolve inventar uma. Ele escreve uma falsa autobiografia do milionário excêntrico Howard Hughes contando com que o isolamento e a falta de informações sobre o mesmo bastaria pra enganar os outros.
Assim uma grande editora aceita sua proposta e publica o livro que vira um best-seller. No resto do filme o escritor só faz se enrolar tendo que inventar uma verdadeira rede de mentiras pra sustentar a sua história. Só não conto o final pra vocês assistirem. Mas se Richard Gere estrela o cúmulo da vigarice o futebol baiano lidou com muitos vigaristas. Um deles surgiu na vida do tricolor aí perto do fim dos anos cinquenta.
Pô, o negócio era botar a mão na cota!


Os clubes baianos começaram nessa época a fazer excursões ao exterior, já bastante atrasados em relação aos clubes do Sul que já o faziam desde os anos vinte. Foi em 1957 que a dupla BA-VI estrou no exterior, e logo na Europa. Mas pra isso tiveram que comer o pão que o diabo amassou. Vejam o que o EC Bahia passou pra jogar no dito Velho Mundo.

A imprensa sequer acreditou não havendo poucos que tirassem gozação com o clube. O locutor Zé Athayde chegou a dizer que o roteiro tricolor se estenderia do bairro de Periperi (passando por Plataforma e Paripe) até a cidade de Juazeiro. Por outro lado, o radialista Cléo Meirelles, queria indicar o jornalista que acompanharia a viagem. Não foi fácil selecionar os jogadores que iriam. Carlito que foi como roupeiro acabaria como titular e artilheiro da equipe.
                                                        Ora, não é nada disso!

Lourival Lorenzi foi o organizador da excursão e, na última hora faltaram as passagens, tendo o Bahia sido procurado pelo empresário Roberto Faulisier por telefone:
- Seu Osório, está tudo pronto para a excursão, mas o sócio que iria financiar as passagens falhou, caiu fora. Porém, se o Bahia financiar as passagens eu pagarei mais 55 contos por jogo, ressarcindo as despesas.
Osório chegou a desconfiar que o “pé frio” era o governador Antônio Balbino, que tinha dado o nome à excursão, pois o jornal A Tarde, que lhe fazia oposição, espalhava essa história. Naquele tempo 27 passagens custavam uns 700 contos de reis e aí a diretoria tricolor decidiu ir ao governador. Foram ao palácio do governo e explicaram a situação.
                                              O time foi jogar em cada lugar desgraçado...

Se o Banco do Fomento (depois BANEB) emprestasse o dinheiro, com o aval do diretor Waldemar Costa, o clube pagaria em noventa dias. Balbino resolveu o impasse com um telefonema e 24 horas depois, saiu o dinheiro que Osório levou para Plinio Risório, superintendente da Panair do Brasil. Aí a imprensa confirmou a noticia:
- o Bahia vai mesmo à Europa!
                                       Querem mais vigaristas que Havelange e Blatter?

Osório ainda tomara quinhentos contos emprestados a Nelson Pinheiro Chaves empenhando seus subsídios na Câmara dos vereadores. A delegação fez escalas em Recife, Dakar, Madrid e chegou a Londres, onde encontraram com o empresário e ficaram hospedados em um bom hotel. Mas o presidente tricolor não gostou do jeitão do empresário achando que não tinha dinheiro nenhum e era um picareta.
A estreia foi três dias depois com o tricolor caindo por três a um. Mas se não fosse o goleiro Jair a conta seria ainda maior. O empresário não pagou a cota do clube depois da partida dando apenas “vales” pros jogadores sob a desculpa de que o restante seria empregado para financiar a viagem de navio para o porto de Le Havre onde o time venceu a seleção local.
                                                                   Reunião da CBF!

Depois seguiram para Paris a cidade luz, mas aconteceram coisas do arco da velha. O lateral Florisvaldo se perdeu na estação, roubaram dinheiro de Bacamarte, e o ponta Izaltino “encheu a cara”. Tudo isso e nada de dinheiro. Aí Osório teve uma conversa mais firme com o empresário Faulisier:
- O Conselho Deliberativo do Bahia só autorizou a viagem porque o contrato determina pagamento após cada jogo, caso contrário retorno imediato da delegação.
O empresário, porém, jogava agua fria na fervura pedindo calma, dizendo que estava “se virando” e levando a coisa no papo. Osório se controlou à custo, inclusive porque não queria encerrar a excursão de supetão. A próxima parada seria em Hamburgo quando o Bahia levou de quatro a um do clube local. Logo depois Osório voltou a procurar o empresário, que lhe respondeu:
- Você não me disse que o Conselho determinou que o time retornasse, na hipótese de eu não pagar? Podem voltar! Eu não tenho dinheiro. Você me traz um time vagabundo, perdendo pra todo mundo e ainda quer fazer exigências? Pode voltar!
                                                                 O velho Osório!

Osório engoliu aquela em seco nem conseguindo dormir direito à noite. Pra retornar tinha a vergonha, o consulado tinha que intervir para repatriar a delegação e havia ainda a divida com o Banco do Fomento. Aí engoliu o sapo. No outro dia quando o empresário picareta lhe telefonou perguntando se iriam prosseguir respondeu que sim e procurou saber para onde iriam. Bronswick foi a próxima parada onde ficaram hospedados num hotel em uma montanha com um frio de doer. No campo não deu outra com o tricolor apanhando de seis a três.
Depois, a escala rezava passar em Praga pra jogar contra a forte seleção da Tchecoslováquia. Aí Osório mandou o técnico colocar Carlito na ponta esquerda o qu4e levou a uma virada no time que ganhou da seleção e, logo depois, o fortíssimo Estrela Vermelha em Bratislava. Perderam na Hungria e ganharam em Pilsner e Coshita. Aí o empresário começou a pagar algumas cotas em moedas diferentes. Mas ao invés de converter em dólares o presidente tricolor mandou o dinheiro pra Bahia. Conta-se que quando chegou aqui ninguém sabia o que era...
                                                    Os baianos viajaram muito!

Enquanto isso o empresário mostrava-se um verdadeiro vigarista, fazia contrabando, sumia e entregava o time para um agente seu na cidade, etc. Acabou conseguindo jogos na Russia o que causava estremecimento da delegação com a FIFA num período de guerra fria. O tricolor viajou de Copenhagen a Riga em dois aviões e tiveram que passar pela alfandega russa. Mas apesar do pessoal estranhar foram bem tratados, receberam flores, tiveram dois interpretes e comeram á base de vodca e caviar.
Aí surgiu a oportunidade de vingança de Osório. É que um dos interpretes conhecia a picaretagem do empresário e disse que não gostavam de tratar com gente desonesta. Aí Osório pediu uma reunião com o responsável pelo comitê esportivo russo e disse que havia acompanhado os movimentos do empresário em Hamburgo e podia dizer que achava que era espião americano...
                                                     O mar não estava pra peixe!

É claro que esta acusação impressionou os soviético e Osório conseguiu que os dez mil dólares que receberiam pelos jogos fossem enviados diretamente para Salvador. Pediu ainda outros jogos no país mas os russos responderam que não. Mas desafiou, se ganhassem ou empatassem com o Torpedo Moscou (campeão do país) receberiam mais três jogos e ainda as passagens Moscou-Salvador com dez quilos de excesso de bagagem por pessoa.
O resultado é que o Bahia ganhou do time do grande goleiro Iashin no estádio Lenin e jogou ainda em Minsk e Leningrado. Só não jogou na Noruega por causa das trapalhadas do empresário. Os russos não pagaram a ele as cotas e sim ao chefe da delegação. E o cara ainda tentou convencer Osório lembrando o “contrato”. Osório não perdeu a ocasião:
- Quando você deixou de pagar as cotas na Inglaterra o contrato já estava roto. Aliás procure o tesoureiro do Bahia para ver quanto você ainda nos deve...
                                                 Olhem Richard Gere no Porto da Barra!

E, como o vigarista insistisse em arranjar novos jogos através de esquemas ele levou-lhe para um reservado do hotel e lhe deu uns sopapos tomando-lhe o passaporte. Mas os russos pediram para que devolvesse, o que fez, porém, após garantir que o cônsul do Brasil em Hamburgo pedisse a polícia local para lacrar a porta do apartamento onde estavam as bugigangas que a delegação tinha comprado na Europa.
Os russos cumpriram o compromisso, mandaram o dinheiro e as passagens. Mas chegando a Frankfurt, houve problemas com excesso de bagagem, e em Recife, a denúncia de que a delegação trazia contrabando. Foi preciso muito papo pra contornar essas coisas. Mas, chegando ao Brasil a imprensa pernambucana enalteceu os êxitos tricolores e o presidente da FPF, Rubem Moreira, ofereceu um almoço à delegação.
                                 O cara continua por aí enganando quem quer ser enganado!

Em Salvador novas homenagens, povo no aeroporto, e até uma medalha de ouro da Liga Bahiana de Desportos Terrestres. Duraram de cinco da tarde até uma hora da manhã pois teve desfile e tudo, saudação no Palácio da Aclamação do governador Antônio Balbino, e até um carnaval na Praça da Sé.

·         Agradeço as informações do livro Futebol, paixão & catimba e do site Adoro Cinema.  

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