No início dos anos 70, em plenos anos sombrios de ainda maior endurecimento da ditadura militar prosperava a pornochanchada quando assistíamos a ex miss Vera Fischer, Jardel Filho, Nuno Leal Maia, Milton Morais e outros. Na época morrem a inesquecível cantora Dalva de Oliveira e o poeta tropicalista Torquato Neto põe fim a sua inquietação criadora. O carnaval de Salvador era patrocinado pelas cervejarias CIBEB e Carlberg que se concentravam nos grandes trios elétricos. Já se podia brincar o carnaval na sede do Vitória que ficava então em Amaralina. Nas ruas se via o bloco carnavalesco Os internacionais e ainda dava pra levar a família pra Avenida Sete. Chegávamos pela manhã e levávamos nossas cadeiras amarrando-as ás que lá haviam. Quando chegávamos á noitinha para o desfile ainda estavam lá, acreditem se quiserem, ninguém roubava! Começava a chegar a público as atrocidades cometidas pela quadrilha do policial Manoel Quadros, versão baiana do esquadrão da morte e a toda hora apareciam mais corpos.
Nessa época houve acontecimentos inusitados para mim, quase todos ocorridos no Estádio da Fonte Nova. Meu pai, desde os anos 50 vinha tendo atuação constante no mercado da engenharia civil do estado. Para saber das obras e agilizar o pagamento dos serviços contava com conhecidos na máquina governamental. Durante vários anos, entre 1955 e 1973, trabalhou no antigo Departamento de Energia, sob a chefia de Lídio, inclusive quando Tarcísio Vieira de Melo “mandava” no setor onde meu pai varou dezenas de municípios para levar energia elétrica. Durante o primeiro governo ACM era com Barbosa Romeu, da Casa Civil, com quem procurava agilizar o empenho de suas notas.
Em 1969 meu pai, e seu irmão José Carvalho, criariam uma nova firma, a EMBACIL, em função das obras de iluminação da ampliação do Estádio da Fonte Nova. Desta forma, ao fim do primeiro governo de ACM lidei com a minha primeira greve, só que do lado patronal, o da empresa dos irmãos Carvalho. Era fim de semana, quando os operários costumavam receber, e o banco estava muito cheio. Assim, meu tio acabou atrasando o horário do pagamento do pessoal.
Foi um sufoco para meu pai. Eu e meu irmão tivemos de ir ajudar. Os operários foram para o escritório, que funcionava no próprio estádio, e fizeram um escarcéu, exigindo o pagamento. Ajudei a colocar um balcão pra separar a administração do pessoal em fúria. Nunca tinha visto aquilo! Tentamos contemporizar e pedimos para aguardar. Naquele tempo não tinha celular então não podíamos saber quanto tempo ia demorar meu tio no banco. Quando o dinheiro chegou foi um alívio. Nunca mais a EMBACIL foi buscar o dinheiro na hora. Meu tio passou a ser um dos primeiros a chegar ao banco.
Depois a empresa levou um tempão pra receber, pois como é comum no Brasil o novo governo ficou remanchando pra pagar a obra autorizada no governo de Luiz Viana Filho. A empresa teve que fazer um acordo com o governador ACM sendo obrigado a dar 25% de desconto. Até hoje meu pai fala nisso, afirmando que seus amigos, os empreiteiros Norberto Odebrecht e Nilton Simas, sofreram a mesma chantagem!
Outro sufoco foi quando das primeiras partidas após a colocação da parte de cima do estádio. Este havia sido ampliado acrescentando-se um anel superior ao primeiro lance de arquibancadas que existia desde os anos 50. Sua capacidade aumentava de 40.000 para mais de 90.000 pessoas. Os jogos ocorreram no dia 4 de março de 1971. Nesse dia estava “socado” de gente. Depois divulgaram um público de 94.000 pessoas, mas acredito que havia mais de 120.000, inclusive por terem mandado abrir as portas.
Havia ficado aborrecido na preliminar, quando nosso arquirrival ganhou do Flamengo por dois a um e, na partida principal, já estávamos tomando um a zero do Grêmio. Tínhamos sentado na parte de cima da torcida do Vitória quando vimos o mundo vir abaixo no segundo tempo. Não sabíamos como havia começado, apenas víamos um mar de gente correndo e caindo do segundo para o primeiro nível das arquibancadas. Na torcida do Vitória todo mundo corria não se sabendo bem pra onde, pois o estádio “balançava” provocando uma verdadeira histeria coletiva parecendo mesmo que ia cair.
Nesse dia eu passei vergonha, abandonei o meu irmão menor e saí correndo me pendurando na grade que separava a arquibancada do setor das cadeiras. Enquanto isto já via gente se jogando no fosso e adentrando o campo que já abrigava milhares de pessoas. Mesmo lotada a torcida do Vitória esvaziou em poucos minutos. Depois de algum tempo pendurado, e com a redução dos tremores, me dei conta do ridículo da minha atitude. Ora, se o estádio fosse cair mesmo, pouco iria adiantar estar pendurado na grade!
Só aí me lembrei de meu querido irmão, procurando ver onde estava. O descobri então um pouco atrás, pendurado como muitos na mesma grade. É que vários imitaram o meu gesto desesperado. Olhamos então para a nossa volta. Vimos dezenas de milhares de pessoas andando a esmo. Outros milhares estavam no campo, alguns estirados imóveis, outros sendo socorridos, e ainda outros sendo levados por ambulâncias.
Imaginamos então o que nossos pais deviam estar pensando e então subimos a Ladeira da Fonte de volta pra casa. Debitei á censura reinante os números divulgados pela imprensa, de dois mortos e dois mil feridos! Até hoje se divulga esta versão esquecendo que estávamos numa ditadura. Acho sim, que foi esta a maior tragédia da história da Fonte Nova e do Brasil e nunca a esquecerei.
Circularam na imprensa várias versões sobre o que teria ocorrido. Uma das versões afirmava que uma lâmpada havia explodido outra que teria havido uma briga envolvendo várias pessoas. Independente do motivo em minha opinião o que pesou mesmo no incidente foi o inconsciente coletivo. É que durante as semanas anteriores os meios de comunicação deram ampla cobertura a uma discussão sobre a segurança do estádio com alguns especialistas levantando dúvidas.
A política não poderia ficar de fora. Nas proximidades do estádio vi uma pichação contra o governo militar, que soube muito tempo depois tratar-se de uma iniciativa da Ação Popular-AP, pois a inauguração teve a presença do general-presidente Garrastazu Médici.
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