terça-feira, 28 de setembro de 2010

O show de Jimmy Cliff e Gilberto Gil na Fonte Nova


O estádio da Fonte Nova, tal como o Ginásio Antônio Balbino, não foi utilizado em sua história apenas para práticas desportivas. A inexistência, durante muito tempo, de equipamentos em Salvador deste porte fizeram com que fosse utilizado pera méga espetáculos tão logo se desenvolveu por aqui a indústria cultural.

Se nos anos 60, 70 e 80, já era utilizado para as Olímpiadas da Primavera, para fins de mobilização civil e, posteriormente, para atividades religiosas e até para lutas de boxe, o que chama mesmo a atenção são os shows musicais. Além dos artistas citados aqui se apresentaram os Menudos (1985), Xuxa (1989) e Ivete Sangalo comemorou seus dez anos de carreira gravando DVD (2003).

Nos anos 70 o movimento Black chegava a Salvador depois de alcançar seu ápice no Rio de Janeiro. Sob a influência da chamada abertura política aportariam a dance music, Michael Jackson e outros artistas negros. O reggae ainda não havia deslanchado em nosso país apesar da simpatia dos maranhenses. Naquele ano, porém receberíamos visitas ilustres. Bob Marley viria ao Rio de Janeiro para divulgar o gênero. Peter Tosh se apresentaria em São Paulo durante o Festival Internacional de... Jazz no Centro de Convenções. E Jimmy Cliff viria passar uma temporada em Salvador.

Gilberto Gil, que há certo tempo havia enveredado por uma musica dançante que lhe permitiria gravar o álbum Realce, traduz então o hit No woman no cry de Bob Marley e The Wailers, que em português levou o nome de Não chores mais. A popularização do ritmo necessitou de méga espetáculos pelo Brasil, com a dupla Jimmy Cliff e Gilberto Gil onde se apresentariam no “Geraldão” (Recife), no “Mineirinho” (Belo Horizonte), no estádio da Portuguesa (São Paulo), no “Maracanãzinho” (Rio de Janeiro) e na Fonte Nova.

Naquele tempo eu era um militante político, recentemente saído dos bancos da UFBA, e iniciando-me no movimento sindical. Lembro-me de que participei da solidariedade aos metalúrgicos de São Paulo que realizavam a maior greve de sua história pouco antes do show na Fonte Nova. Na ocasião, a falta de acordo entre operários e patrões sobre o índice de aumento levaria a greve, e com ela, a uma pesada repressão. O II Exército organiza uma verdadeira operação de guerra, que coloca São Paulo sob seu comando, ocupando as cidades afetadas (inclusive parte da capital) utilizando armas pesadas, veículos blindados, helicópteros, tropas de infantaria e de choque. Centenas de trabalhadores são presos, e o ministério intervém novamente nos sindicatos, destituindo e prendendo lideranças proibindo as empresas de negociarem diretamente.
No dia 24 de abril completei 32 anos, comemorados em uma passeata de solidariedade aos metalúrgicos e a Igreja Católica. A repressão havia prendido diversos dirigentes sindicais em Santos, Santo André, São Bernardo e São Caetano, entre os quais Lula, seu irmão Frei “Chico”, Arnaldo Gonçalves, Devanir Ribeiro, José Cicotti e Djalma Bom. Aqui na Bahia o movimento foi organizado pelo Comitê de Solidariedade aos Metalúrgicos e “o pau comeu”, com a PM utilizando milhares de soldados espalhados pelo trajeto entre o campo Grande e a Praça Municipal.

Cães foram jogados contra os manifestantes e houve por volta de quinze prisões. A ordem era impedir qualquer aglomeração. Na ocasião o governador ACM (que deu a ordem de repressão de acordo com o governo Figueiredo) tentou colocar a culpa na “intransigência” do deputado Elquisson Soares. A ironia da repressão policial foi que, pouco tempo depois, o governador mandava demitir dezenas daqueles soldados por tomarem parte de uma tentativa de greve na corporação.

O show de Jimmy Cliff e Gilberto Gil na Fonte Nova seria logo depois.
No período milhares de pessoas haviam ocupado a embaixada do Peru em Havana e ocorre a morte de Tito na Iugoslávia. Naqueles dias realizamos participei do dia internacional dos trabalhadores realizado, pela primeira vez, em local aberto, onde havia sido liberado o Campo Grande. A chegada do jamaicano coincidiu com a apresentação da cantora Mercedes Sosa no TCA e com o início da prática do topless que, entretanto, iria causar sérios constrangimentos e agressões às mulheres pioneiras na Praia dos Artistas.

Muitos repetem o número de cinquenta mil pessoas, mas creio que havia mais. O estádio tinha poucos claros estando bem cheio, parecendo dia de “Ba-Vi”. Tecnicamente o espetáculo teve muitos “furos”. Acho que foi a primeira vez que um espetáculo desses ocorreu na Bahia.

Já admirava Bob Marley há certo tempo, mas foi o primeiro show de reggae que fui. A entrada foi uma confusão só. A venda de bebidas “correu solta”. Creio que entrou muita gente de graça. O retorno do som estava longe de ser dos melhores. Mesmo assim quando os artistas começaram a cantar agradaram em cheio. A esta altura do campeonato não me lembro mais das musicas que tocaram, mas uma das mais aplaudidas foi o sucesso No woman no cry cantado pela dupla em português e em inglês.

Dois meses após o espetáculo presenciaríamos mais um, a visita do papa João Paulo II a Bahia. Na oportunidade passa aqui dois dias. No entanto, seja por motivos políticos do regime ou intenção da alta hierarquia da Igreja Católica, sua agenda e sua segurança foi um sufoco. Teve aparições no Campo Grande, CAB, Igreja NS dos Alagados, Catedral e Centro de Treinamento de Lideres em Itapoá, em algumas delas meteoricamente. Quem achou que viria condenar o regime militar se machucou. O discurso de João Paulo II foi praticamente restrito a questões eclesiais e de evangelização. Figueiredo aproveitaria a visita do papa ao Brasil para defender a “união nacional”.

A Escola de Musica onde eu trabalhava fez uma homenagem ao papa na ocasião, realizando um concerto na reitoria, para o qual foi encomendada ao colega Lindenberg Cardoso a Missa Joao Paulo II na Bahia que depois gravamos. Desta vez, porém, não se usaria a Fonte Nova, particularmente por se esperar um público ainda maior. O maior evento foi à missa no CAB, estimando-se em 500.000 os que ali compareceram. Um coral de seiscentas vozes se apresentou no palanque, sendo acompanhado ao órgão pela saudosa colega Hildebranda Káteb (“Dedé”).

No entanto, bastou o papa sair do país para recomeçar a repressão provisoriamente interrompida. Um atentado a bala em São Paulo atinge o prédio onde funcionavam a sede do PT e a anistia. O jurista Dalmo Dallari é sequestrado e é assassinado o sindicalista Wilson de Souza Pinheiro. Duas bombas explodem no Rio de Janeiro, na sede da OAB (morte de Lyda Monteiro) e no gabinete do Vereador do PMDB Antônio Carlos. E até em Salvador cartas-bomba são enviadas a donos de bancas de revistas em função da venda de jornais alternativos como o Em Tempo.

Naquele ano os baianos veriam a interrupção da maior sequencia de títulos já ocorridos na Bahia, o heptacampeonato do EC Bahia, com a conquista do EC Vitória derrotando o Galícia na final por 1 X 0, gol de pênalti cobrado pelo zagueiro Paulo Mauricio, para cinquenta mil pessoas. O time na ocasião tinha como técnico o gaúcho Carlos Froner e tinha jogadores como o centro avante “Careca”, o zagueiro “Xaxa” e o meia Alberto “Leguelé”.









2 comentários:

  1. Eu estava na Fonte Nova,lembro que Gil tocou uma música chamada macapá,e Jimmy Cliff tocou bongô na música bongo man.

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  2. ...eu tinha 15 anos, era fã de Jimmy Cliff desde 1975; mas, meu pai não permitiu que eu fosse à fonte nova; pois, o show era de "maconheiros"! Depois, do show... ouvi comentários que Cliff, fez o show todo sem abrir os olhos! Ou, das raras vezes que os abriu, eram duas "bolas de fogo"... kkkk. Há algum registro (áudio e/ou vídeo)deste show?

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