Caetano na Fonte Nova entre os jogadores Romenil(direita) e Zé Oto(esquerda)
No início de 1969 o filme 2001: uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick causou uma profunda impressão na Bahia. As sessões ficaram lotadas para ver efeitos especiais que não conhecíamos. Imaginem se pudéssemos prever o que viria mais adiante! Caetano e Gil haviam retornado a Salvador, depois da estadia de alguns meses presos no Quartel do Realengo no Rio de Janeiro. A Bahia iniciava um novo campeonato com a promessa de muito equilíbrio. O Galícia havia sido campeão no ano anterior, o Fluminense de Feira de Santana havia reforçado seu time com jogadores vindos do Flamengo, e havia a tradicional dupla BA-VI. Há dois anos o certame havia sido interiorizado com a presença de vários clubes do interior.
Uma das minhas principais recordações desse período foi um encontro do Grupo Comunicação com Caetano Veloso. O encontro foi arranjado por um dos irmãos do artista que gentilmente concordou em nos receber. Na oportunidade não foi todo mundo pra não assustá-lo o artista, mas bem que o pessoal queria! Dos violonistas do grupo apenas eu e José Alberto.
Eu fui incumbido de abrir o papo com a musica que era meu “cavalo de batalha” naquele tempo: Ciranda Cantada com a qual iria me inscrever mais tarde no Festival de MPB da TV Record. A música, entretanto, pra minha surpresa e da do pessoal do grupo, não foi do gosto de Caetano. Fiquei na ocasião na defensiva passando o violão para “Zé”. No entanto, meus colegas insistiam particularmente Elísio Brasileiro que queria que eu cantasse uma das musicas que tinha parceria comigo. Senti-me como o jogador que vai repetir o pênalti por ordem do juiz, pois o goleiro pegou a primeira cobrança.
Mas, que fazer? Atendi ao pedido cantando Engenheiro do ar. Mas nem esta conseguiu mover o coração do artista, tendo a mesma recepção da primeira. Aí, então ninguém mais objetou quando passei o violão para “Zé”. Este, diferente de mim, ao cantar sua composição “Marina” (em parceria com “Paquito”), obteve a imediata aprovação do artista. Meu colega de grupo tocava bem melhor do que eu e o próprio Caetano, de forma que passaram ainda boa parte do resto do tempo do encontro conversando sobre os acordes usados.
Algum tempo depois seria a despedida pública de Gil e Caetano do país. Seu contexto foi muito movimentado. O homem chegava á Lua com a Apolo, Sharon Tate seria assassinada e seria realizado o Festival de Woodstock, na periferia de Nova Iorque. Depois haveriam outros festivais, mas nenhum tão marcante como este. Ali, sob o pano de fundo das atrações que se apresentavam, havia questões como a pílula anticoncepcional, a igualdade de direitos, e o desafio comportamental.
Se não me engano o show Barra 69 ocorreu em julho. O espetáculo foi anunciado pelo Teatro Castro Alves em duas sessões, às dez da manhã e às 21 horas, pois tinha o objetivo de recolher fundos para a viagem dos dois em seu “exílio voluntário” em Londres. Acabei não presenciando a sua despedida. Até pensei em ir, mas tinha o hábito de acordar tarde de manhã. Já de noite acabei assistindo a TV. Não sei se eles conseguiram ver antes da partida o novo incêndio do Mercado Modelo que ocorreria apenas alguns dias depois.
O time campeão baiano de 1969
Nesta ocasião o Fluminense de Feira continuava dando um “passeio” no campeonato que lideraria de ponta a ponta, acabando com a expectativa de equilíbrio do início. Tinha um timaço que tive a honra (e a raiva) de presenciar algumas partidas. Era constituído de Ubirajara, Ubaldo, Sapatão, Mário Braga e Nico; Merrinho, Delorme e Robertinho; João Daniel, Freitas e Marcos Chinês. Ganharia o campeonato por antecipação ao vencer o EC Vitória por 1 X 0 na Fonte Nova, com um gol de Freitas. O Galícia, que experimentou em 1967/1969 sua melhor fase na Fonte Nova, ficou em segundo lugar ao empatar de 0 X 0 com os feirenses. O clube teve apenas três derrotas num campeonato onde fez 61 gols!
Antes de o ano acabar o general de plantão Costa e Silva ficaria doente e o embaixador norte-americano Charles Elbrick seria sequestrado. Sem as polêmicas do futebol foi um final de ano com muitos acontecimentos. Seria aprovada a pena de morte e de banimento. O vice-presidente Pedro Aleixo seria impedido pelos militares de assumir, e o congresso, depois de um ano, voltaria a funcionar para eleger Médici presidente.
Para a minha frustração, o revolucionário baiano Carlos Marighela seria assassinado. Na época, apesar da minha reduzida consciência política o admirava pela grande coragem que o fez dizer que “não teve tempo para ter medo”. Pouco depois eu conheceria Cybele, a mulher com quem passaria o resto da minha vida, e faria a façanha de concluir o curso de Técnico em Contabilidade no Instituto Valença.
Ainda me encontraria com Caetano por duas vezes. Uma seria no início dos anos 80 no Teatro Castro Alves, quando fui com uma comissão do Sindicato dos Músicos solicitar-lhe que fizesse uma apresentação beneficente para este, sem obter sucesso. Na ocasião nos atendeu em seu camarim no Teatro Castro Alves-TCA, que estava cheio de gente. A outra ocorreu em 1994, logo após a rumorosa ocupação dos músicos da Prefeitura de Salvador, com a presença do deputado Nelson Pellegrino, atual secretário da Justiça, e do músico Tuzé de Abreu. Não posso, entretanto, revelar os assuntos que ali foram tratados em função do compromisso que fizemos na oportunidade de no levá-los a público.
Quanto ao Fluminense nos anos 70 participaria por três vezes do Campeonato Brasileiro, e, nos anos 90, voltaria a frequentar decisões, duas vezes na Bahia, e uma a nível nacional na Terceira Divisão a qual perdeu para o Tuna Luso do Pará. Nunca mais, porém, repetiria a sua Era de Ouro dos anos 60.
* Agradeço a Alexandre Teixeira pela identificação do jogador Zé Oto na foto.
Além de Zé Oto, tem esse menino aí, que sou eu. Tenho inclusive outra foto, desse mesmo dia, tirada segundos depois, com o meu cabelo sem cobrir os olhos.
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