sábado, 2 de outubro de 2010

Galícia EC, uma história de glórias.

                                 
Quem não se lembra da antiga JS Gravações? Era uma agência e estúdio que funcionou no edifício SULACAP (Ladeira de São Bento) e depois foi para o edifício Martins Catarino, na Rua Bonifácio Costa, transversal da Rua Chile. Os proprietários da agência eram Jorge Santos, antigo locutor de rádio, e Jose Jorge Randam. Era lá que se produziam a maioria dos jingles que tocavam nas rádios e onde eu fiz a minha curta carreira como compositor desses anúncios. O próprio Gilberto Gil era publicitário e atuou ali, obtendo sucesso com alguns jingles que ficaram conhecidos, como o da Água sanitária Lisa.
Aquele ambiente me ajudou a fazer contato com vários colegas da profissão, tendo conhecido “Berimbau”, “Batatinha”, Tião motorista, Osvaldo Fahel, Tuzé de Abreu e Vevé Calazans, além de reencontrar Moacir Albuquerque (da TV Itapoá), Antônio Carlos e Jocafi, Perna e Alcyvandro Luz (que já conhecia antes), e o Trio Inema. Este último era composto de Douglas, “Tom” e “Dito” e foram eles que gravaram ali o Hino do Galícia de autoria de Francisco Icó da Silva, e que diz muito bem das glórias do clube.
Galícia, Galícia, Galícia / demolidor de campeões.
Granadeiros da cruz de Santiago / Clube querido de muitas tradições.
O Galícia tem nome na história, no futebol tem títulos de glória.
Salve, salve pendão galiciano / Alegria do futebol baiano.
Um, dois, três / Granadeiros tricampeões.
Um, dois, três / Azulino que domina corações (...).
Recentemente, durante o curto período do amigo Antônio Lins a frente da Fundação Gregório de Matos, pude ver “Dito” outra vez numa reunião a que fui convocado pelo também amigo e parceiro Elísio Brasileiro. Parece conservado em formol. Está agora radicado no Rio de Janeiro onde continuou sua vitoriosa carreira musical e atua como maestro. Mas, deixemos de recordações pessoais e voltemos ao assunto desta crônica.
O Galícia é um clube que se inscreveu na história do futebol baiano. Foi criado no início do profissionalismo em 1933 por espanhóis oriundos da bela região da Galiza naquele país que tive a honra de visitar por duas vezes indo a Pontevedra, Santiago de Compostela, e muitas pequenas cidades e aldeias. Seu período áureo foi na sua primeira década de existência, quando, logo após se aclimatar na competição, subiu ao podium de campeão ou vice por nove vezes, sendo o primeiro clube da Bahia a se sagrar tricampeão.
O apelido de “azulino” vem das cores azul e branca do clube. E o de “demolidor dos campeões” vem dos anos 40 quando o clube venceu grandes campeões do Sul e Sudeste que vinham jogar na Bahia.  O primeiro título do azulino veio quatro anos depois de fundado após dois vice-campeonatos nos anos anteriores. Participaram do certame apenas cinco clubes ficando o EC Vitória de fora num agitado contexto político, onde se iniciaria o Estado Novo, e Juracy Magalhães renuncia ao governo da Bahia que passa a ser governada por um interventor.
A campanha do Galícia, entretanto, foi arrasadora. No primeiro turno ainda teve a companhia do EC Bahia que também ganhou as duas primeiras partidas. No entanto venceu o clássico por 2 X 1 marcado para a terceira rodada.  O clube só perderia pontos no último jogo do segundo turno, no que se constituiria em sua única derrota, para o Ypiranga por 3 X 2. No terceiro turno parecia que este clube criaria dificuldades para o demolidor de campeões, no entanto cairia para o Galícia por 1 X 0. Nem a recusa do Botafogo de ir a campo empanaria o brilho desta primeira conquista galiciana. Seu time base na ocasião foi Devec, Carapicu e Nabuco; Gradim, Ferreira e Valter; Dedé, Servilio, Palito, Raul e Moela.
Os próximos anos veriam um tri vice e o inédito tricampeonato do Galícia em 1941, 1942 e 1943. O retorno do EC Vitória fazia com que o campeonato fosse disputado por seis clubes. No primeiro ano os granadeiros só provariam da derrota no último jogo contra o EC Bahia por 1 X 0. Terminaria o certame com cinco vitórias, dois empates e esta derrota, marcando 16 gols e tomando 10.
O bicampeonato viria de forma arrasadora, com apenas uma derrota, desta vez para o EC Vitória, que havia saído na frente do certame, para o qual cairia por 5 X 2 na terceira rodada. A partir daí, porém, emendaria uma sequencia de sete vitórias seguidas, inclusive contra aquele clube por 3 X 1. No último jogo derrotaria por este mesmo placar o EC Bahia. Desta vez seriam nove vitórias e uma derrota, marcando 39 gols e sofrendo 21.
Finalmente, o inédito tricampeonato no Campo da Graça. O certame se afigurava difícil. Todos haviam reforçado seus times visando destronar o Galícia. O time da colônia espanhola foi prejudicado pela tabela, fazendo um primeiro turno muito irregular. Pegou logo no início a dupla BA-VI perdendo para o EC Vitória de 4 X 3 e empatando com o EC Bahia de 1 X 1. Ganharia no jogo seguinte contra o Botafogo para o Guarany, voltando a perder no jogo contra o Botafogo (1 X 2) e terminando o turno com uma vitória contra o Ypiranga (3 X 1).
Parecia ameaçado o “tri”, com a classificação apontando o Botafogo na frente com oito pontos, seguido do EC Vitória com sete e o Galícia ainda empatado com cinco pontos com o Bahia e o Ypiranga. Os desafiados galicianos, porém, entraram no segundo turno com tudo. Na primeira partida venceriam o Bahia por 3 X 2. Seguem-se duas goleadas notáveis por 6 X 0 contra o Guarany e o líder Botafogo. Depois seria a vez de o Vitória cair por 3 X 2. Na última partida, porém não passou de um empate emocionante com o Ypiranga por 4 X 4.
O resultado levaria o certame pela primeira vez para um supercampeonato, pois Vitória, Galícia e Botafogo haviam chegado a 14 pontos e duas derrotas. O “super” foi sensacional. O Botafogo sai na frente, ganhando do Vitória (1 X 0) e empatando com o Galícia (3 X 3). Na última partida do super turno o desastre quando os granadeiros são esmagados pelo EC Vitória por históricos 9 X 1 com sete gols do lendário Siri, deixando para o Botafogo o primeiro turno do “super”.
O “tri” parecia definitivamente perdido, ainda mais quando o Botafogo volta a ganhar o Vitória na estreia do segundo super turno, agora por 4 X 1. Faltavam duas partidas para o Galícia que, tem que buscar novas forças nos deuses do futebol vencendo ambas, por 3 X 0(Botafogo) e 3 X 2(Vitória), e conquistando o segundo super turno.  Parte então os dois campeões para uma melhor de quatro pontos. O Galícia vence a primeira por 4 X 2, perde a segunda por 2 X 1, e, a 27 de abril de 1944, arrasa o Botafogo por 5 X 1 e obtém o tri campeonato.
A campanha do “tri” termina com onze vitórias, três empates e três derrotas marcando 54 gols e tomando 36. Nos três anos o clube azulino jogaria 35 partidas obteria 25 vitórias, cinco empates e cinco derrotas, alcançando a fantástica marca de 109 gols pró (3,1 por jogo) contra 67 gols tomados. O time base que alcançou esta façanha seria cantado em prosa e verso: Nova, Carapicu e Daruanda; Nevercinio, Falabaixinho e Nouca; Louro, Curto, Pequeno, Novinha e Isaltino.
Esta história toda ocorreu antes do meu nascimento. Meu pai, porém, me contava das maravilhas do “Tri” do Galícia. Na época ele jogava nos aspirantes do Vitória, remava no clube, e ainda participava dos campeonatos de basquete da FUBE, sendo inclusive um dos melhores árbitros deste esporte.  Meu tio “Zeca” jogava no profissional do Ypiranga e também remava no Vitória que ainda não havia realmente entrado no profissionalismo.
A Era da Fonte Nova foi muito ingrata com o Galícia. Eu mesmo só o assisti a partir dos anos 60. Era ainda um time duro, difícil de ganhar, embora estivesse longe da equipe maravilhosa dos anos 40. Vivi o tempo em que havia vários “clássicos” e, no que concerne aos granadeiros, o faziam contra Bahia, Vitória e Ypiranga. O Botafogo teria seu último sopro de vida em 1965 quando decidiu, e perdeu o campeonato para o Vitória.
Em 1967, estando meu time sem chance, fui assistir a alguns jogos do Galícia. O clube havia montado um bom time com o qual ganhou o primeiro turno e estava na liderança do segundo turno.  No entanto, os azulinos acabaram fazendo a incrível façanha de perder para o EC Bahia tanto a decisão do segundo turno como a melhor de quatro pontos para o adversário. Estive presente a final numa quinta feira á noite na Fonte Nova quando o Galícia perdeu o título por 1 X 0(gol de China) e o árbitro Armando Marques não marcou um pênalti escandaloso contra o Bahia declarando aos jornais que não atrapalharia a festa do título.
No outro ano, quando os estudantes estavam nas ruas e o clube celebrava um quarto de século do “tri” do Galícia, o título não escaparia. O campeonato foi dividido em duas chaves ficando o Galícia junto com o Bahia (feira), o Flamengo (Ilhéus), o Itabuna, o São Cristóvão, o Ypiranga e o Vitória. Terminou a fase de classificação invicto, com quatro vitórias e sete empates, dando-se ao luxo de não comparecer para jogar com o Flamengo de Ilhéus. Quatro clubes se classificaram em cada chave para a disputa de um octogonal para conhecer o campeão daquele ano. O granadeiro jogaria mais 14 partidas obtendo sete vitórias, seis empates e apenas uma derrota, contra o Conquista por 4 X 1. A partida que “fechou o caixão” foi o 0 X 0 contra o Fluminense de Feira de Santana. O clube, para voltar a ser campeão, disputaria 26 partidas, obtendo onze vitórias, treze empates e apenas uma derrota, se desprezarmos o WO e teria o artilheiro do campeonato, o avante Carlinhos.
Durante a campanha Jorge Vieira e Enaldo Rodrigues (dublê de jogador) seriam seus técnicos, usando 23 jogadores, que incluíam experiente campeões de outras conquistas do Vitória e do Bahia: Adilson, Souza e Dudinha, Roberto, Apaná, Hélio Nylon, Mimi, Nelinho, Touro, Haroldo, Enaldo, Nelsinho Leal, Quinho, Chinesinho, Josias, Chiquinho, Carlinhos Gonçalves, Telê, Valtinho. Roberto Oliveira, Ouri, Florizel e Ricardo Gonçalves.
Depois daí o clube experimentaria um jejum de títulos. Ainda colocaria o rosto ao sol em 1980, 1982 e em 1995, quando alcançaria vice campeonatos, quatro anos depois seria rebaixado para a segunda divisão do campeonato baiano. O quadro político-administrativo, no entanto, era tão grave que, após dois anos, o clube pediria licença á FBF contentando-se em disputar divisões inferiores. Em anos recentes voltou a disputar a segunda divisão e promove a recuperação de seu campo de futebol, o Estádio de Santiago. Há dias atrás ninguém lembrou que se passaram 42 anos desde aquele 15 de setembro de 1968 quando ganhou seu último título.

*Agradeço as informações dos sites: Galícia EC e www.granadeiros.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário