terça-feira, 19 de outubro de 2010

Rock e futebol nos anos 60: parte I

                                            Os Beatles

Tem gente que fala muito mal dos anos 60. Dizem que foi um tempo de confusão e ditadura. Que esculhamba a “guerra fria” e jura que o Brasil entrou na contramão. Eu sei que eles tem muita razão, mas acontece que não foi só isso que aconteceu. Mesmo correndo o risco de parecer alienado devo dizer que passei nesse período alguns dos melhores anos de minha vida!

São tempos que não voltam mais. Eu era um garoto, que ainda não tinha descoberto o namoro e o mercado de trabalho e era muito apegado a família no bairro de Nazaré onde morávamos e Salvador. Nossa situação familiar não nos permitia frequentar os bons lugares da cidade. Assim, nossos principais divertimentos eram ir com “maínha” a um dos cinemas da Baixa dos Sapateiros, e assistir com “painho” os jogos, pelo rádio ou na Fonte Nova. Essa “vidinha” iria ser mudada com a chegada da TV Itapoá na Bahia em fins de 1960.

Apesar de meu pai me levar pequenino pra Fonte Nova, onde entrava com o time do Vitória no campo, meu primeiro encontro com o estádio se deu com 13 anos no jogo de decisão da II Taça Brasil onde torcemos pro Santos FC no empate de um a um com o EC Bahia. Uma semana depois conseguiríamos nosso intento ouvindo pelo rádio a goleada de 5 X 1 sofrida pelo tricolor baiano.

                                          O agente 007                           

Estávamos no Brasil numa tardia Era de ouro de Hollywood. E apreciávamos os filmes de Frank Sinatra, Bing Crosby, Gene Kelly, Charles Chaplin, Cary Grant, James Garner, Fred Astaire, Marilyn Monroe, Audrey Hepburn, Romy Schneider e do agente 007. Contraditoriamente assistíamos também as “chanchadas” brasileiras, produzidas por companhias como a Atlântida, Maristela e Vera Cruz e que lotavam os cinemas com suas estrelas Anselmo Duarte, Ankito, Oscarito, Eliana e outros.  Nesse clima de glamour não perdíamos as edições do Miss Bahia no “Balbininho”. Não peguei Martha Rocha, mas assisti Maria Olívia Rebouças e Marta Vasconcelos ganharem o certame.  

Recentemente, me bateu uma profunda tristeza ao ver o Ginásio Antônio Balbino ir ao chão para dar lugar a um estacionamento da arena da Copa do Mundo de 2014. Lembro que ali tive momentos saborosos da minha adolescência e juventude. Assisti a grandes jogos de basquete e de voleibol. Ao Harlem Globe-trotters e Holiday on ice. A luta de Eder Jofre contra um mexicano pela manutenção do título mundial. E, já atuando pelo conjunto Os anjos, cheguei a participar de uma maratona de grupos de rock que inclua a própria banda de Raul Seixas.

Foi na virada para os anos 60 que comecei a superar meu romantismo e a Fonte Nova participou de todos os momentos. Para minha evolução contribuiu as mudanças que ocorriam na própria indústria do cinema lá fora. Os filmes “agua com açúcar” estavam sendo substituídos por um entretenimento voltado para a juventude. Surgiam novos astros e diretores, novas temáticas, e novos produtos. Dessa pauta constavam a igualdade racial, o feminismo, o sexo, as drogas e a reforma educacional.

O Brasil também experimentava mudanças. Juscelino havia deixado o Estado esgotado e Jânio renunciaria a presidência em pouco tempo abrindo uma profunda crise institucional. Ao invés de participar de uma geração que apostava no desenvolvimentismo eu ouvia Elvis Presley e seria logo “um garoto que amava os Beatles e (bem menos) os Rollings Stones”.

Na Bahia o futebol havia se tornado muito chato, pois havia acabado aquele equilíbrio dos anos 50, onde o Vitória ganhava um ano e o Bahia ganhava outro. Penso que foi isso que também ajudou a rivalidade entre esses clubes. Agora era o Bahia que emendava um título atrás do outro. Acho que meu pai começou a selecionar muito os jogos que íamos quem sabe pra que eu não sofresse “más influências”? 

Apesar da importância da família para a minha socialização, devo dizer que esta ocorreu em meio ao rígido sistema educacional da época. Na época imperava o recurso a formas autoritárias e violentas para reproduzir um ensino chato, de interesse das classes dominantes e da posição “sacrossanta” do professor.  Tive problemas em vários colégios e me tornei um verdadeiro “rebelde sem causa”.

                              

Nesta época o antigo Centro de Salvador viveria nos anos 60 seus últimos dias. Só pode saber quem viveu este período, onde a Avenida Sete, as ruas Carlos Gomes e Chile, as praças da Sé e Castro Alves eram o ponto de encontro sindical, político, literário, do namoro ou da boêmia da cidade.

Em Salvador um programa bacana era comer pastel no Good Day (Rua Carlos Gomes), fazer uma merenda no Ava Lanches (bairro do Canela), traçar uma lambreta no Mercado Modelo, ou ir para o Bar Brasil (Praça da Sé) e ao Cacique (Praça Castro Alves). Valia pegar um cinema nos cines Excelsior e Guarany ou assistir um show no Tabaris, no Cine Roma ou na Boite Cloc, o inferninho mais falado da cidade. Nesta época não haviam shoppings e nem tínhamos costume de ficar em barzinhos, o negócio era então estar nos lugares da moda e ver alguma menina “certinha” nos encontros marcados na porta da Fundação Politécnica, da Sloper, ou nos passeios por esta região.

O carnaval era a ocasião de extravasar. Lembro dos desfiles do rei Momo, e, mais tarde, de Os internacionais, Os corujas, e dos blocos Jacu e Barão. Na época o chique mesmo era possuir lança perfume, mas nunca tínhamos dinheiro pra comprar tendo que nos contentar em levar amostras grátis de uísque na cintura. Aliás, eu nem gostava de uísque. Depois o lança perfume e as máscaras foram proibidas. Íamos ao Cruz Vermelha e ao Fantoches de penetras. Gostávamos especialmente das “batalhas de confete” onde haviam muitos jovens. As orquestras eram a Brazilian Boys, Stukas, Milionários, Fausto, Os Turunas, e Carlos Lacerda.


Neste tempo continuava apreciando cantores como Frank Sinatra, Bing Crosby e Nat King Cole, agora, no entanto temperados com as fusões rítmicas promovidas por Ray Charles e Stevie Wonder. A indústria do cinema contava com produções cada vez mais internacionais e surgia o “cinema de arte”, surgindo atores como Sidney Potier, Gina Lollobrigida, Marilyn Monroe, Brigitte Bardot, Sofia Loren e Marcello Mastroianni. No Brasil surgia a bossa nova, disputando espaços com o bolero e o samba canção, mas durante anos não seria muito aficionado ao gênero. De Miltinho, Cauby Peixoto, Agnaldo Rayol e Ângela Maria passei para os irmãos Cely e Tony Campelo.

Neste ano assistimos pela primeira vez na televisão a Copa do Mundo de 1962 no Chile, onde a seleção brasileira obteve o bicampeonato, e pelo rádio o título carioca obtido pelo Botafogo, time que meu pai torcia. Ao lado disto, para satisfazer nosso pai acompanhámos os clubes do Rio e São Paulo, o Botafogo de Garrincha, Quarentinha, Jair, Amarildo, Manga e Nilton Santos, e o Santos de Pelé, Zito, Gilmar, Pepe e Coutinho, acompanhando suas partidas através de narradores e comentaristas como os inesquecíveis Valdir Amaral, Fiori Giuliotti e o irascível Mário Vianna.

Do golpe de 64 ficou pouca coisa em minha memória. Da véspera só me lembro de ter acompanhado a excursão dos The Beatles aos Estados Unidos, do lançamento de I want to hold your hand, do futebol e do carnaval. Como ia na escola aos “trancos e barrancos”, meus pais tinham me colocado no Colégio Ypiranga, tido como fábrica, cujo diretor era Ângelo Lírio. Não é que consegui passar?

Nesse tempo compareci à finalíssima do campeonato baiano, onde vi com satisfação no Estádio da Fonte Nova, o EC Bahia perder o hexacampeonato para o Fluminense de Feira por 2 x 1, com dois gols de Renato, após duas partidas onde houveram empates de 0 X 0 e 1 x 1, respectivamente, em Salvador e Feira de Santana.



No dia 31 de março foi festa em minha casa! Teve bolo e tudo. Mas, para que não se tenha a impressão de que éramos um bando de reacionários devo dizer que isso acontecia em virtude de ser aniversário de minha irmã “Lena”, que completava 18 anos. Mas meu pai e minha mãe pareciam mais sérios que de costume. É que nesse dia o rádio estava ligado para acompanhar o deslocamento de tropas do general Mourão Filho de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro. Eu não atinava as coisas.

Assisti ainda no dia dois de abril pela TV Itapoá o pronunciamento do governador Lomanto Jr., aliado do presidente Jango, de apoio aos golpistas. Lembro de ter observado militares nas ruas e visto, da Ladeira de São Bento, a marcha em defesa da família, tradição e propriedade dos vitoriosos passando pela Praça Castro Alves.


 * Agradeço as imagens aos blogs quebarato.com.br, tvpeloespectador.blogspot.com,vieguardei.blogspot.com e portalcinema.blogspot.com.










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