Foi depois do golpe de 64 que o EC Vitória voltou ás cabeças aproveitando a desestruturação política do futebol baiano para tornar-se bicampeão baiano após sete anos sem títulos. O primeiro título só seria decidido em maio do ano seguinte com a tradicional “melhor de quatro pontos”. Nesse tempo a vitória ainda valia dois pontos e a tabela de classificação constava de pontos perdidos.
Assisti aos três jogos. O Vitória ganhou de dois a um o primeiro. Aí comparecemos na quarta feira de noite pra “fechar o caixão” do título. Quando Didico, o “diabo louro”, abriu o placar tudo parecia sacramentado. Mas não é que o Bahia viraria o jogo? O jogo decisivo seria no domingo, quando foi à vez do Vitória ganhar de 2 X 1 de virada, com dois gols de Itamar.
Era o título tão esperado. Entrei na farra da comemoração, comprando um litro de Ron Bacardi (até hoje no posso nem ver a garrafa!) indo com amigos a um bar onde tomamos com coca cola todas as que tínhamos direito. Foi a primeira e única vez que me embriaguei na vida, tendo um dos amigos me levado pra casa de madrugada, encostado na porta e batido, pra surpresa de minha mãe que me viu desabar no chão.
Estávamos numa época de manifestações musicais jovens e acompanhava como podia os grupos estrangeiros de sucesso. Além de ser fan incondicional dos Beatles vibrava com artistas como os Rolling’s Stones, Elvis Presley, Little Richard, The Animals, Dave Clark Five, The Byrd’s, os Beach Boys, The Mamas The Papas, The Monkeys, os Bee Gees, Rita Pavone, Peter, Paul and Mary, Sonny and Cher, The Supremes, Simon Garfunkel, dentre outros.
O rock nacional era um rebatimento do que se fazia nos EUA e Inglaterra. O comportamento dos artistas “de fora” influenciou toda a nossa geração, inclusive no modo de vestir e encarar o mundo. Queríamos ser como eles, usar calças apertadas e com boca larga, botinha, deixar crescer bigodes, costeletas e cabelos, cortando-os se possível na testa á maneira dos Beatles. Durante muitos anos só vesti calça Lee.
Em Salvador assistíamos ao programa Jovem Guarda na TV Itapoá, comandado por Roberto Carlos nas tardes de domingo, e ouvíamos programas de rock na rádio. Vibrávamos com Roberto Carlos, Erasmo, Vanderléa, Leno e Lilian, Rosemary, Jerry Adriani, Eduardo Araújo, Silvinha e Roni Cord. “Rolavam” na época também ritmos como o twist e o hully gully embora fossem difíceis de dançar nas festas.
Lembro-me de ter assistido por várias vezes os filmes Os reis do iê-iê-iê (A hard days night) e Help, ambos no Cine Guarany, e a comprar todos os discos dos Beatles que chegaram Á Bahia. Em relação aos seus imitadores no Brasil, - tipo Brazilian Beatles, The Fevers, Os incríveis e Renato o seus Blue Caps, herdei apenas o hábito de fazer versões musicais.
Mas até aí se insinuava as minhas traquinagens. Numa destas sessões de cinema, a qual compareci com meu irmão “Toínho” e alguns amigos, fingi desmaiar sendo carregado por eles por todo o cinema. Parou o filme, acenderam as luzes, foi um escândalo! Deve ter sido um dos primeiros “desmaios” de fãs do rock na Bahia, embora no exterior eles fossem feitos por mulheres.
Nessa época dei até pra ir aos treinos do Vitória no estádio da Graça. Num dia, porém, um pequeno laivo de consciência político-desportiva me levou a desentendimento com o zagueiro campeão Tinho, conhecido pela sua atuação viril. É que não havia engolido a derrota do Vitória no segundo jogo da decisão, e me chamavam a atenção coisas estranhas num futebol cheio de dirigentes “escolados”.
Naquele tempo, “por coincidência”, haviam sempre três jogos na decisão, não importando a boa fase do clube. Alheio ás tramas do futebol me perguntava por que nenhum clube ganhava as duas primeiras partidas e liquidava o campeonato? Outra questão que me intrigava era porque nenhum clube ganhava os dois turnos evitando jogar uma decisão?
Não pensem que é desculpa (no mínimo é coincidência), mas a ditadura pioraria o meu rendimento escolar. Na Escola de Eletro Mecânica em Nazaré, amargaria duas reprovações seguidas, só conseguindo ser aprovado em 1967 quando já achava que o Colegial era muito complicado pra mim.
O movimento do rock em Salvador era muito ativo e me levou de roldão. Havia The Gentlemen (de Pepeu), The Brazilian Crickets (de Jeff Cesar), Eles Quatro (de Plínio), Os Jetsons (de Perinho Santana), Os Sombras (de Augusto e Sérgio), além de outros que se apresentavam em festas como os Jormans, Os Desafinados, o Brasa Bossa, Os Mustangs e o The Lords.
Na oportunidade outros estilos de bandas de rock já apareciam por aqui, merecendo apenas a minha atenção parcial por considera-los agressivos e com pouca melodia. Achava inusitada a turma que começou a quebrar guitarras no palco, mas tendia a não gostar deles. Os Rolling Stones eram os principais agressivos, embora eu tenha apreciado Satisfaction. Na época ouvia Jimmy Hendrix sem entender o mundo de sons que saía de sua guitarra e tinha dificuldade de me concentrar no que Janis Joplin cantava. Que dizer então dos punkies, os mais politizados entre esses grupos?
O artista que permitia sintetizar um trabalho de fácil compreensão, com o rock country norte-americano e o protesto era o admirável Bob Dylan. Talvez seja por estas restrições que o movimento hippie não tenha me sensibilizado e, junto com ele, as drogas e a liberação sexual. É que entrei na Era do rock com o mesmo romantismo do início de minha adolescência absorvendo deste apenas o comportamento transgressor.
Neste período alternei o comparecimento ao futebol com a participação em grupos de rock. Nesse último, fiz versões de musicas estrangeiras de sucesso e penetrei no universo que deu ao Brasil nomes como os de Raul Seixas, Tildo Gama, Valdir Serrão, e outros, com quem tive a oportunidade de tocar nos grandes eventos na Concha Acústica e no “Balbininho”.
Enquanto sucediam-se movimentos políticos no Brasil, no Vietnam, na França, na China, nos EUA, eu iniciava como crooner de bandas, começando com Os homens maus (isso mesmo!), depois participando de Os anjos, e, por último, tocando com Roosevelt e seus relâmpagos.
O meu crescimento no instrumento foi meteórico, adotando como modelo o contrabaixista Plinio, do grupo Raulzito e seus panteras (de Raul Seixas), chamando a atenção do meu ídolo durante um encontro de bandas no “Balbininho”. Lembro que após o evento ele veio conversar comigo elogiando o meu desempenho no contrabaixo e me perguntou:
- Rapaz, porque você não estuda musica?
- Aquilo ficou em minha cabeça e, certamente, influiu em minha decisão posterior.
Meus amigos de futebol e do iê-iê-iê passaram a ser minhas turmas. Eu andava sempre por Nazaré e pelo Centro. A Fonte Nova era logo ali, a duzentos metros do Campo da Pólvora. Os integrantes dos Anjos (Dílson, Ubajara e Soeiro), moravam em Nazaré, no Sodré e nos Barris. De modo que era tudo ali perto.
Eu frequentava ainda locais de ensaios na Avenida Carlos Gomes e no Garcia, onde passei a tocar e me relacionar com vários roqueiros da época, entre os quais Tildo Eládio (guitarrista de Raul), Márcio (um contrabaixista que tocava em várias bandas), entre outros. O amor pela musica eliminou a necessidade de minha mãe me acordar todas as manhãs para estudar. A televisão ia aos poucos substituindo o rádio. Enquanto a ditadura campeava parecíamos querer mandar tudo pro inferno.
O pessoal de Raul tinha sua área de operação no Campo Grande/Canela. Raul estudava nos Maristas, e os apartamentos de Eládio e “Carleba” eram, respectivamente, num prédio da esquina da Rua Araújo Pinho, e no Edifício Marigomes, situado ao lado do TCA, esquina com a Rua Leovigildo Filgueiras.
Nos próximos anos a imprensa local boicotaria o futebol. A desculpa foi à agressão sofrida pelo jornalista Cléo Meirelles e uma invasão que teria sofrido o jornal A Tarde. Os acusados eram diretores do Vitória como Raimundo Rocha Pires, o “Pirinho”. Pra saber das noticias você tinha que ir ao estádio ou ler o Esporte jornal. O Vitória fez uma difícil e histórica decisão contra o Botafogo.
Esse clube tinha montado o seu melhor time depois de décadas e o título só saiu com um gol de pênalti cobrado por Tinho, depois de dois empates de zero a zero. Nem a Taça Brasil amainou a posição da imprensa. Tivemos que ouvir os jogos do Vitória contra Campinense e Náutico pelas emissoras de outros estados. O Vitória passaria por um (duas vitórias), mas perderia duas vezes para o excepcional ataque pernambucano, formado por Nado, Bita Nino e Lala.
Depois foi o desastre do “tri” frustrado, quando demos o azar de pegar o melhor time da história do Leônico. Na decisão perdemos a primeira (2 X0) e ganhamos à segunda (2 X 1). Na final, entretanto, o meia Armandinho só faltou fazer chover. Não adiantou o gol de Bassu contra os dois do avante Zé Reis e a reza do goleiro Gomes do Leônico. Foi uma tristeza de dar dó a nossa saída, presenciando a “muquequínha” do nosso adversário “inchada” pela torcida tricolor.
Havia passado a boa fase do Vitória, mas o Bahia só voltaria a engrenar no fim da década, embora obtivesse o campeonato em 1967 graças a um deslize do Galícia. Os azulinos haviam ganhado o primeiro turno e estavam prestes a ganhar o segundo. No entanto Osorio Vilas Boas acabou convencendo os dirigentes do clube a pensar mais no dinheiro que no título.
O time da colônia espanhola conseguiu a façanha de perder quatro vezes para o Bahia em duas decisões. Lembro que fui à última, sentando na “geral” de noite pra ver o Bahia ganhar o título por 1 X 0 e o juiz Armando Marques não dar um pênalti escandaloso no fim do jogo a favor do Galícia. Saímos rapidamente pra não ver a comemoração dos arquirrivais, mas ainda a tempo de ouvir o juiz declarar no rádio que não iria atrapalhar os festejos.
No fim da década o homem chegaria á Lua, chegaria também ao fim a tentativa de trazer novos ares políticos na Tchecoslováquia, e morreria ícones de uma geração como Che Guevara, Jimi Hendrix e Janis Joplin. No Brasil entrávamos no “milagre econômico” e no endurecimento político. Ocorre uma reforma universitária de araque e uma crescente militarização do Estado. A oposição armada reagia como podia.
Mas nesse tempo eu já vivia agora outro tipo de musica, o sonho dos festivais de musica e do tropicalismo como a antevéspera da indústria cultural. Não lembro quem teve a ideia de me colocar em outra fabrica, onde se preocupasse com o pagamento do aluno. O que funcionou mesmo foi o retorno a outro colégio do saudoso Hugo Baltazar da Silveira, o chamado de Instituto Valença situado no Campo da Pólvora. Ali, onde consegui a façanha de ter notas sofríveis, recebi meu diploma e, finalmente, encerrei o colegial em 1969 aos vinte e um anos.
Por coincidência, foi nesta época que encontrei Cybele, a mulher com quem passaria o resto dos meus dias. O sentimento da família era de alivio. Eu e todos pensavam que não voltaria mais a estudar. Algum conforto encontravam na minha comunicação solene de que, ao invés da escola, iria dedicar-me a musica. Quando em 2000, defendi a minha tese no doutorado em historia, a primeira pessoa que eu fui mostrar o certificado foi minha mãe, lembrando-se de seu esforço para que eu estudasse. Ela sempre se recusou a me perder. Sou grato á vida por ela ter conseguido sobreviver para ver isso falecendo seis meses depois da formatura coletiva dos mestres e doutores no ginásio do Campus da UFPE em Recife.
* Agradeço pelas imagens aos blogs ai5.jpg, arcannes.net, bandarubbersoul.blogspot.com, emule.com.br e cearanews.blogspot.com
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