sábado, 20 de novembro de 2010

O ano em que a Bahia representou o Brasil

                                                     
                                         O herói da independência chilena Bernardo O Higgins
O Brasil é um país estranho. Sua separação de Portugal (que muitos preferem chamar de Independência) foi chefiada pelo filho do próprio soberano daquele país, que enganaria os brasileiros ficando com as duas coroas. Foi um dos últimos países a acabar com a escravidão. Recentemente celebrou-se o aniversário de uma “república” que não é laica, não tem autonomia para os estados e se obriga o voto dos eleitores.
Não é novidade pra muita gente dizer que o esquema de poder político no país é dividido por poucos grupos e estados.  No entanto, se a maioria dos intelectuais críticos se interessassem pelo futebol, deixando de considera-lo “o ópio do povo”, perceberiam como essas coisas tem rebatimento.
Apesar do “Brasil” iniciar a se fazer representar em 1906, o entendimento de vários especialistas é que a primeira fase da seleção brasileira iniciaria em 1914. Mas o critério que usam para isso é hilário, o de vestir a camisa da CBD. Quando vamos pro finalmente o que agente vê é o seguinte. Na fase “pré-seleção” quem representava o país era um combinado Rio-São Paulo ou só mesmo o primeiro.
Isso continua permanecendo por mais nove anos. Coube aos baianos quebrarem este esquema, através do jogador Mica do Botafogo SC, convocado em 1923 para disputar o Campeonato Sul-Americano. Nunca mais voltaria á seleção, e não por ter perdido o título, pois nossa seleção ganhava pouca coisa naquele tempo. A Bahia também seria o primeiro estado a receber a seleção brasileira, quando do retorno do desastre da sua participação na Copa do Mundo de 1934. É isso mesmo! Estou dizendo que durante 28 anos (ou se os especialistas preferirem 20 anos) a seleção “brasileira” nunca jogou fora do eixo Rio-São Paulo.
Os levantamentos dos especialistas (e a própria FIFA) não reconhecem como oficiais os jogos da seleção quando esta se fez representar por clubes, combinados ou seleções estaduais/regionais. Preferem se apegar á formalidade da camisa que estavam vestindo ou de um documento que informe que o jogo foi “oficial”.
No entanto, quando vamos pra prática, vemos que a coisa é bem diferente. Nos anos 1930 o Botafogo FR (RJ) fornecia o maior contingente de jogadores para a seleção. Em 1937 foi utilizado a maioria do time do Palestra Itália para disputar o Campeonato Sul-Americano, que no ano seguinte só contou com um combinado quase todo carioca. Quatro anos depois a dupla FLA-FLU dá a grande maioria dos jogadores que comparecem a este certame.
                                                    Time do Vasco da Gama em 1950
Em 1948/1950 foi à vez do Vasco da Gama (RJ) que teve metade do time convocado para a Copa Rio Branco e para o Sul-Americano, e teria oito jogadores convocados para um amistoso com a seleção gaúcha.
Em meados dos anos 50 o Brasil disputava várias taças e copas, o Sul-Americano, a Copa Roca (com a Argentina), a Taça Osvaldo Cruz (com o Paraguai), e criou a Taça Bernardo O Higgins (com o Chile), esta última em homenagem ao herói da independência chilena quando esta estava em vias de completar seus sesquicentenário. As multiplas competições, num cenário onde o futebol do país era já bastante visto na arena internacional, levaram a que a CBD “radicalizasse” a tendência anterior, ou, dizendo em outras palavras, “permitisse” que não fossem mais os cariocas e paulistas que representassem o Brasil no futebol.
A novidade surgiu entre 1955/1956, quando da disputa da primeira taça O Higgins e do Campeonato Sul-americano. A primeira era realizada no mês de setembro, e, em seu primeiro ano, voltaram a ser empregados cariocas e paulistas contra os chilenos, com a novidade demagógica de se utilizar só cariocas no jogo do Maracanã (1 X 1) e só paulistas no jogo do Pacaembu (Brasil 2 X 1). E, ainda neste ano, repetiriam a dose na Taça Osvaldo Cruz, quando os cariocas (digo o Brasil) derrotariam o Paraguai por três a zero, e os paulistas (digo o Brasil) empatariam com nossos vizinhos por 3 X 3.
Em 1956 a CBD teria o desplante de indicar só paulistas para a disputa do Campeonato Sul-Americano, e chegaria a designar os jogadores dos pequenos clubes do Rio de Janeiro (reforçados por Formiga do Santos FC e pelo técnico Flávio Costa) para disputar no Paraguai a Taça Osvaldo Cruz e a Taça do Atlântico. E o pior é que ambos seriam vitoriosos.
Era demais, e assim a entidade teve que abrir a primeira exceção, para os gaúchos, que representariam o país no Campeonato Pan-Americano no México voltando com o título. Parecia então que daria certo a nova política da CBD, além de render uns votinhos nas eleições da confederação, que ninguém é de ferro.
Chegamos então ao ano de 1957. A seleção, no ano anterior da Copa do Mundo da Suécia, mandou seus titulares para o Campeonato Sul-Americano. Na segunda Taça Bernardo O Higgins a seleção baiana fora escolhida para disputa-la. A notícia causou furor na Bahia governada por Antônio Balbino. Basta passar os olhos nos jornais pra ver que a imprensa se encheu de orgulho cívico. Afinal, depois de séculos, a Bahia era o Brasil.
Chegou a se pensar que seria um jogo Na Fonte Nova e o outro em Santiago do Chile, mas depois se soube que eram os dois jogos lá. O que quer dizer que a Fonte Nova não veria o reconhecimento nacional do nosso futebol. No entanto os torcedores baianos não ficariam sem ver a seleção brasileira de baianos. Constituída em seu grosso por jogadores do EC Vitória (que seria campeão daquele ano) e do EC Bahia, o selecionado treinou uns dois meses, arranjando um jogo amistoso com o fraco Guarany nas vésperas da viagem pra “dar este gosto” aos torcedores. Mas a emenda saiu pior que o soneto! O empate de um a um deixou muita gente “de orelha em pé”.  É que os “índios” pressionaram a seleção e faltou pouco pra ganharem a partida.
                                                       
O próprio presidente da Federação Baiana de Desportos Terrestres (que depois se dividiria na atual FBF) chefiou a delegação, para a qual a CBD designou dois representantes. Acompanharam a mesma Zé Athayde (Diários Associados), Cléo Meireles (Rádio Cultura), Nelton França (ABCD), Fernando Protásio (Jornal A Tarde) e o fotógrafo G. Filho.
Durante a viagem os jogadores treinaram no Rio de Janeiro e depois treinaram em Santiago do Chile. Na ocasião havia criticas a seleção do técnico “Pedrinho” (Pedro Rodrigues) que nem baiano era. Dizia-se que a imprensa baiana estava dividida. O próprio presidente da FBDT declarou, com certeza injustamente, que isto vinha “de cronistas que não conseguiram viajar”.
A rádio Sociedade transmitiu os dois jogos além de boletins sob o patrocínio das Lojas Morais, CESMEL, Baterias Heliar e Colchão de Molas Divino. A imprensa local estava em pé de guerra com o que lia nos jornais do Sul e que considerava depreciativo pra Bahia. O Diário de Notícias é claro em 15 de setembro, ao afirmar que “a seleção brasileira, apesar de menosprezada por cronistas do Sul, será representada pela Bahia”.
Finalmente vem o tão ansiado jogo, na tarde do mesmo dia. O time brasileiro formou com Periperi, Pequeno e Valder (Henrique); Pinguela, Nelinho e Boquinha; Teotônio, Matos (Wassil), Ceninho, Otonei e Raimundinho. Já o Chile formou com Quitral (Ojega), Pena, Salazar e Astorga; Morales e Veras; Ramirez, Melendez, Robledo, Fernandez e Diaz. O técnico era Ladislao Pokazdi.
O que os jornais publicaram foi o comentário de Zé Athayde sobre o jogo que perdemos por um a zero, gol de Melendez. Ele disse que a nossa seleção se aclimatou em campo só após cinco minutos, e que no primeiro tempo levou perigo para o gol adversário, sendo o capitão e meia Otonei o mais agressivo. Mas que no segundo tempo errou de tática passando a se defender. De forma que aos 14 minutos um desses rebotes foi cair no pé do chileno que se encontrava na meia lua da área e que chutou, tendo a bola batido na trave e entrado no gol de Periperi. O Estado da Bahia estamparia manchete (não na primeira página) “De pura chance a vitória chilena”. O jornal chileno El Diário Ilustrado não deixa dúvidas aos invejosos sobre quem jogou, com a manchete “Seleção chilena vence a do Brasil por 1 X 0”.
Tive que consultar dois jornais da época para entender o que se passou no segundo jogo. Nestes não se descreve a partida, afirma-se que fomos vitoriosos, “perdendo o jogo nos últimos segundos da prorrogação”. Na verdade não perdemos, e até ganhamos por uma a zero, gol de Matos, no tempo normal. No entanto, inventaram tal de prorrogação onde os chilenos conseguiram fazer um gol através de Fernandez.
Na medida em que se computava um a zero para cada equipe nos dois jogos a prorrogação era como outro jogo e contou como um a zero. Mas os levantamentos dos especialistas ainda hoje colocam o jogo como um a um.

Nos próximos dias vai rolar de tudo. Quando a seleção chegou o presidente da FBDT afirma que foram prejudicados pelo juiz, e o Estado da Bahia anuncia que Otonei e Matos serão convocados para a seleção brasileira que se prepararia para a Copa do Mundo de 1958(sic!). Alguns dias depois “rolaria” um espetáculo de rock and roll na Fonte Nova, promovido pelo Clube de Regatas São salvador, decerto pra comemorar esta data histórico-desportiva para os baianos.
A Taça Bernardo O Higgins ainda seria disputada outras vezes.  Como a taça estava com os chilenos desde 1957, dois anos depois foi colocada à seleção titular pra enfrentar o Chile, o qual ganharíamos, no Rio e em São Paulo, por 7 X 0 e 1 X 0. Em 1961, agora realizada em maio, os titulares de novo compareceram a Santiago para manter a taça ganhando por dois a um e um a zero. A Copa do Mundo no Chile representou uma "virada" no futebol daquêle país, que aprimorou a qualidade de seus jogadores, técnicos e dirigentes. No entanto, após a mesma e a comemoração da Independência o interesse na disputa da taça não foi mais o mesmo. O torneio voltaria apenas em 1966 pois precisava decidir quem ficaria com a taça. Nesta ocasião, porém pareceu mais “jogo de compadre” em Santiago, onde o Brasil ganhou a primeira partida pelo escore mínimo para logo depois perder por dois a um. Desta vez, porém, não fizeram como procederam com a seleção baiana que representava o Brasil, acabando por dividir a taça.
O ano que os baianos representaram o Brasil entrou para a história, mas não é que há alguns sites e blogs que até hoje teimam em "pular" 1957, apresentando uma taça disputada sem a única vez que os baianos representaram o Brasil? 

·         Agradeço as informações dos sites www.rsssfbrasil.com, www.campeoesdofutebol.com.br e www.pt.wikipedia.com.br e do Setor de Publicações Raras da BCE (Coleções dos jornais Diário de Notícias e Estado da Bahia). Sou grato também as imagens dos blogs museudosesportes.com, albumbdocrvascodagama.blogspot.com,futebolforca.com,1dankon.blogspot.com e qu4tro.spacebaby.com.

Um comentário:

  1. Eu me lembro tinha 14 anos de idade,foi sem dúvida emocionante ver o nosso pais,sendo representado pela seleção baiana de
    futebol com gradiosos craques da época.Não sei dizer quantos estão ainda entre nós!!
    Deveria ser seleção brasileira formada com jogadores que mais se destacaram m nos varios estados brasileiros e não somente do eixo Rio-São Paulo!!

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