quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O dia em que o papa quase reza missa na Fonte Nova




O papa João Paulo II foi o 265º pontífice da Igreja Católica. Eleito ainda jovem teve muito tempo para colocar suas ideias em prática, sendo um dos papas mais longevos da história (26 anos de papado) e que viajou mais do que o conjunto de seus antecessores, 129 países e mil localidades.

O papa havia tomado posse no ano anterior e enfrentou uma conjuntura mundial de fim da guerra fria que possibilitou novas estratégias da Igreja Católica, que ganhavam mais legitimidade em face de sua condição de polonês e crítico contundente do socialismo. Assim, buscou estimular o dialogo inter-religioso e recolocar a ação da Igreja no campo da mediação diplomática. Conservador promoveu uma era de distanciamento da Igreja em relação a posições progressistas, particularmente da Teologia da Libertação.

Muita gente, porém, não sabe que ele esteve na Bahia e, quase foi á Fonte Nova em sete de julho de 1980. Mas vamos “começar do começo”. 1979 foi um ano importante no Brasil para a resistência á ditadura militar. Conquistamos nesta época uma anistia (se bem que não ampla e irrestrita como queríamos) e uma reforma política. O quadro político de recuo do regime possibilitou a que ACM admitisse a realização do Congresso da UNE no Centro de Convenção da Bahia e que o papa João Paulo II, que havia tomado posse no ano anterior, decidisse por uma extensa visita ao Brasil no próximo ano.

Desde esta época foram constituídas comissões que preparariam a visita nas doze cidades que foram relacionadas em estadias-relâmpago. Aqui, tendo em vista serem destinados apenas dois dias, a arquidiocese recebeu tantas propostas para a agenda que não caberiam em um mês. Todos os segmentos da sociedade baiana se mexeram para participarem da importante visita. Nós da Escola de Música da UFBA também. Ao colega e compositor Lindemberg Cardoso foi encomendada a Missa para João Paulo II que seria apresentada pela Orquestra Sinfônica da universidade e cantada por um gigantesco coral de seiscentas vozes.

                            O saudoso colega Lindemberg Cardoso 

Na época se especulou onde seria realizada. Seria inviável de ser feita nos espaços tradicionais de boa acústica, em função da sua pequenez. Estavam afastados, portanto, a reitoria da UFBA, o Teatro Castro Alves, e até mesmo a Concha Acústica e o Centro de Convenções. As atenções de todos então convergiram para o estádio da Fonte Nova, em cuja inauguração do anel superior, no início da década, haviam comparecido entre 120 e 150.000 pessoas. 

O estádio já tinha sido usado em eventos extrafutebol em anos anteriores, como a Olímpiada Baiana da Primavera, lutas de boxe, entre outros, e, vinha sendo cogitado para a realização de shows. Assim, pensou-se na quantidade de caixas e equipamentos necessários para uma adequada sonorização da missa. Na localização do palanque (em frente á ferradura), convidados e fiéis.

Os preparativos se aceleraram na entrada do novo ano. Esta registra, logo de saída, a morte de Petrônio Portella, o articulador do regime militar no Congresso. Mas, logo depois, para mostrar que a chamada comunidade da informação estava bem viva, ocorre o atentado a quadra da Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro (RJ), onde se realizaria o lançamento do Movimento Democrático Brasileiro-MDB. Logo depois seria criado o Partido Popular, pontificado por Tancredo Neves, no Colégio Sion (São Paulo) e eu compareceria no ato de fundação do PT no mesmo local.

Em março/abril inicia-se a maior campanha salarial da história dos metalúrgicos do ABC que levaria a decretação da ilegalidade da greve e uma coordenada entre PM e Exército.  Um movimento de solidariedade espalhou-se pelo país, do qual participei, divulgando o movimento e arrecadando recursos para o fundo de greve. No início de maio, porém, os metalúrgicos do ABCD regressam ao trabalho depois de 41 dias de greve.

                                      O papa e Roberto Carlos

O papa João Paulo II chegou ao Brasil em fins de junho. Passou por Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Aparecida, Porto Alegre, Curitiba, Manaus, Recife Salvador, Belém, Teresina e Fortaleza em apenas treze dias. Chegou à Bahia num domingo, seis de julho, na semana da nossa maior data cívica.

Na véspera da sua chegada houve rodada do campeonato baiano. Acho que os clubes ficaram contaminados com a diplomacia do pontífice. A maioria dos jogos deu empate, Bahia X Botafogo e Humaitá (Conquista) X Galícia, ficaram no zero, e Fluminense X Galícia, no um a um. Só o Vitória e o Leônico ganharam, mesmo assim com magros 2 X 1(Atlético de Alagoinhas) e 1 X 0 (ABB).

Seja por motivos políticos do regime ou intenção da alta hierarquia da Igreja Católica, a agenda e a segurança do papa causou certa frustração. Teve aparições no Campo Grande, no Centro Administrativo da Bahia-CAB, na Igreja Nossa Senhora dos Alagados, na Catedral e no Centro de Treinamento de Lideres em Itapoá, em algumas delas meteoricamente.

Quem achou que capitalizaria a visita se machucou. O papa se distanciou convenientemente, tanto do governo como da oposição. Na ocasião entidades profissionais e estudantis assinaram uma nota á população, distribuída pelo Trabalho Conjunto de Bairros. Alguns bispos do interior do estado denunciaram a grilagem de terras e a miséria da população do estado. E, o pessoal dos Alagados, (que havia preparado um documento onde pedia a atenção do papa para a realidade local) sequer conseguiu entregá-lo durante a sua visita á região.

                              O papa, Irmã Dulce e os militares

Na ocasião, já tinha sido afastada a possibilidade da missa ser na Fonte Nova de maneira que a Escola de Música da UFBA desdobrou sua apresentação, realizando um concerto na reitoria sem a presença do pontífice, e destacou colegas, alunos e amigos para a missa no CAB. Era uma tarde de segunda feira e, com exceção do dia, fazia um belo sol, propício aos dias de jogos. Foi ali que o coral que vinha ensaiando se mostrou para o papa e cerca de quinhentas mil pessoas presentes, sendo acompanhado ao órgão pela saudosa colega Hildebranda Káteb (“Dedé”). Por coincidência, entre as palavras de ordem dos fiéis estavam algumas típicas do futebol, como por exemplo, “ei, ei, ei, o papa é nosso rei”.

O discurso de João Paulo II foi praticamente restrito a questões eclesiais e de evangelização. A partir da leitura da miscigenação da população da Bahia repisou o tema do “encontro” aqui realizado de três universos culturais, o branco, o índio e o dos “homens de cor”, ressaltando a contribuição dos migrantes. Sua visita estaria por conta do verdadeiro progresso onde buscava salvar a todo custo os valores da fé, da moral e da família. 

A presença do papa no Brasil foi aproveitada pelo general-presidente Figueiredo para defender a “união nacional”. Já o papa apenas se “posicionaria” sobre os problemas políticos que a população brasileira vinha sofrendo há quinze anos, após sua volta á Roma. Na oportunidade ofereceria “colaboração para qualquer iniciativa que tivesse o objetivo de promover os valores humanos fundamentais”.

                                        Ronaldo e o Papa

No entanto, bastou o papa sair do país para ocorrer um atentado a bala ao prédio onde funcionavam a sede do PT e a anistia em São Paulo. No período ocorrem novos ataques da repressão quando Geraldo Siqueira e outros parlamentares e populares são agredidos, é sequestrado o jurista Dalmo Dallari e assassinado o sindicalista Wilson de Souza Pinheiro. Para completar o quadro pós-papa duas bombas explodem no Rio de Janeiro, na sede da OAB (morte de Lyda Monteiro) e no gabinete do vereador Antônio Carlos (PMDB) e cartas-bomba são enviadas a donos de bancas de revistas em Salvador em função da venda de jornais alternativos como o Em Tempo. A presença do papa deve ter estimulado o Galícia, que voltaria a decidir o título depois de doze anos sagrando-se vice-campeão.

No ano posterior, a comunidade católica local novamente se mobilizaria em sua função, desta feita quando do atentado que sofreu, realizando atos visando o seu restabelecimento. Quando a João Paulo II ainda duraria muito tempo, vindo ao Brasil mais duas vezes, em 1991 e 1997. Na primeira ocasião viria a Salvador mais uma vez, porém, somente para visitar o Abrigo Santo Antônio onde se encontrava doente Irmã Dulce. Esta só resistiria mais cinco meses, enquanto o papa deixaria este vale de lágrimas em 2005, sem ter visitado a Fonte Nova.


A nós apenas resta um consolo. Soubemos depois que quando se dirigiu ao centro Administrativo ele passou pela Fonte Nova apreciando-a de longe. Nunca saberemos, porém, o que pensou do estádio e se reclamou do fato de não a haverem incluído na sua agenda!


·     Agradeço as informações e imagens dos sites bayoubrasil.com, Wikipédia,bahiaempauta.com.br,natanaelluis25.blogspot.com e tiosan.net.

Um comentário:

  1. o papa foi conivente com as ditaduras latinoamericanas e africanas

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