terça-feira, 2 de novembro de 2010

O segundo maior “frango” da Fonte Nova




Galdino Antônio Ferreira da Silva
Financista, desportista e colaborador dos blogs História do Futebol, Futebol 80 e Memórias da Fonte Nova.                                                                                       

Há alguns dias atrás escrevi para este blog um artigo sobre o maior “frango” da Fonte Nova. Agora escrevo sobre o segundo maior “perú” do nosso inesquecível estádio, o tomado pelo goleiro "Azeitona" do Botafogo SC.
Era uma noite chuvosa de quarta-feira em Salvador em vinte de julho de 1977. Foi por isto que não fui ao estádio preferindo ouvir os jogos pela rádio. Havia uma “rodada dupla” pelo campeonato baiano onde jogariam na preliminar Galícia X Atlético de Alagoinhas, e na principal, o EC Bahia enfrentaria o Botafogo EC no famoso “clássico do pote”. A atenção ao jogo havia crescido em função do alvi rubro ter em março “quebrado o tabu” de vinte e um anos sem vencer o tricolor.
No primeiro jogo o azulino venceu, sem maiores dificuldades, a “laranja mecânica” por dois a zero. Mas o que interessava mesmo era o jogo de fundo, um tira teima, pois neste ano tinha ocorrido uma vitória para cada lado e um empate. O Bahia entra em campo com sua força máxima incluindo um linha de frente espetacular com Fito, Douglas, Jorge Campos, Miltão e Jesum.
Já o alvi rubro contava com Zé Amaro, Luciano, Hilton e Sivaldo. No entanto, no gol, o clube teve que escalar o seu terceiro goleiro. Neste dia Zé Ivan não pode jogar por estar contundido, estando seu reserva Norival também lesionado. Deram lugar assim, ao jovem goleiro Azeitona, de 22 anos, formado pelas categorias de base do Botafogo. Mas que melhor chance de mostrar suas qualidades que num clássico contra o Bahia?
O jogo começou da forma que eu imaginava. O Bahia atacando e o Botafogo se defendendo e explorando os contra ataques. A primeira boa investida do jogo foi do Botafogo com Luciano cobrando uma falta e o goleiro Luís Antônio espalmando para escanteio. Logo depois o Bahia tomou conta do jogo e o jovem goleiro do Botafogo começa a aparecer. Uma cabeçada de Miltão e um bom chute de Jesum são salvos por Azeitona.
A chuva corria copiosamente e torna o jogo ainda mais dramático. O gramado encharcado dificulta as ações dos dois clubes, mas principalmente do Bahia que dominava. No final do primeiro tempo o tricolor aperta e Douglas obriga Azeitona a fazer uma defesa sensacional num chute “a queima roupa”. Na cobrança do escanteio Fito acerta a trave e, no rebote, Miltão chuta para nova defesa de Azeitona colocando para escanteio. .
De repente, Luciano (Botafogo) adianta a bola e comete uma falta violenta numa dividida com Baiaco (Bahia) sendo expulso. O primeiro tempo termina em zero a zero, com o Botafogo acuado, sem conseguir sair do sufoco, mas o gol não saía por causa de Azeitona, o grande destaque do jogo. No intervalo só dava ele nas entrevistas das rádios.

Começa o segundo tempo com o Bahia de novo “em cima” do Botafogo. O ponta esquerda Jesum estava em noite inspirada e dribla como quer o lateral Anildo e o volante Aliomar passando a bola para Miltão que chuta na trave. No rebote é a vez de Jorge Campos perder um gol feito. O publico nas arquibancadas sente que o gol está próximo.
Mas ai acontece um contra ataque rápido do Botafogo e Sivaldo cruza a bola pra Hilton que é derrubado por Zé Augusto. É pênalti e, pra piorar, ele e Romero são expulsos na confusão que se segue á marcação do arbitro Anivaldo Magalhães. Hilton do Botafogo bate o pênalti e Luís Antônio defende. Mas no rebote o atacante acerta o olho esquerdo do goleiro gerando um “sururu” maior ainda que fez os jogadores saírem no tapa. No final da confusão é a vez de Hilton ser expulso igualando o número dos jogadores dos times em campo: agora, nove de cada lado.
O Bahia substitui o goleiro contundido Luís Antônio por Jair e, com a diminuição da chuva, volta a tomar conta da partida. Neste momento, é Douglas quem comanda o time enquanto o avante Miltão segue dando trabalho a defesa do Botafogo. Fito cobra falta “na gaveta”, o grito de gol quase saiu, mas Azeitona de mão trocada manda a bola para escanteio. Jorge Campos invade pela direita dá um “corte” em Vavá e manda “no ângulo”, mas aparece novamente Azeitona espalmando.
Já estamos aos 21 minutos da etapa final quando entra Zé Neto no lugar de Fito do Bahia que coloca mais um atacante para forçar a defesa adversária. Em sua primeira jogada esse jogador que veio do Goytacaz (e estreou num BA-VI com um gol de cabeça) quase faz o gol, mas outra vez Azeitona defende. Faltam quinze minutos para o jogo acabar e nada do placar sair do zero.
Eu, meu pai e meu primo Anacleto ouvíamos o radio com minha mãe insistindo para que eu dormisse, pois no outro dia haveria aula. Foi ai que Jesum desce pela milésima vez pela esquerda, passa fácil pelo zagueiro e centra para Miltão que sobe e é empurrado por Roberto Oliveira. É pênalti agora para o Bahia e Douglas ajeita a bola com carinho para a locução do radialista José Athayde da Radio Clube da Bahia: “Correu Douglas para a bola, atenção, bateuuuuuuuu, e... defendeu Azeitona”. Não é que o miserável do Azeitona voou espetacularmente e defendeu? É realmente parecia que os gols naquele dia estavam “rezados”. Tudo levava a crer que o jogo terminaria em 0 a 0.
Para complicar a situação, novo expulso do Bahia, Jorge Campos, por agredir Aliomar do Botafogo. Agora o Bahia tinha apenas oito jogadores em campo. O alvi rubro então, percebendo que a noite não era tricolor, passa a apertar o Bahia nos minutos finais. Faltando quatro minutos ocorre o lance capital do jogo. O meia do Botafogo Queirós perde uma bola na entrada da grande área para Baiaco, e este passa para Douglas que resolve abrir o jogo pra Zé Neto.

Este cai pela direita e na linha lateral domina e bola e penetra no campo do Botafogo. Leléu então sai em seu combate fazendo com que o atacante do Bahia perca o domínio da bola. No entanto, este, ainda em cima da linha lateral levanta a cabeça e, vendo Miltão na grande área, tenta o lançamento pra ele. A bola, porém, erra o alvo, subindo muito e indo até o goleiro Azeitona que a espera com as mãos estiradas para a defesa mais fácil do jogo.
No entanto, a bola tem e sua trajetória mudada pelo vento - como num chute estilo “folha seca” notabilizado por Didi – e cai dentro do gol. O narrador, depois de breves segundos de surpresa, canta o gol para a alegria da galera lá de casa. Imaginei durante anos a cara de Azeitona, de herói a vilão. Uma falha lamentável do jovem arqueiro que era a maior figura do jogo. É gol do Bahia Zé Neto, um gol espírita na Fonte Nova pra delírio da ala tricolor que deixava 13.532 pagantes na Fonte Nova!
Os jogadores do Botafogo deixaram transparecer o seu desespero nas entrevistas. Zé Athayde falou que levaram as mãos ás cabeças, e que o diretor do clube Miguel Carneiro não cria no que via. No entanto, não deixaram de consolar o desolado Azeitona que saiu de campo aos prantos. Era o seu primeiro jogo no time profissional e cometia uma falha destas! Mas a gente agora podia dormir!
Os times formaram naquela noite assim:
O Botafogo com Azeitona; Anildo, Roberto Oliveira, Vavá e Leléu; Ademilton, Aliomar (Queirós) e Luciano; Chiquinho (Zé Amaro), Hilton e Sivaldo. Já o Bahia formou com Luís Antônio (Jair); Toninho, Zé Augusto, Sapatão e Romero; Baiaco, Fito (Zé Neto) e Douglas; Jorge Campos, Miltão e Jesum.·.
Depois deste jogo Azeitona ainda defendeu o Botafogo em outras partidas. Atuou ainda no Jequié, Humaitá, Serrano, todos da Bahia, e no CSE de Alagoas. Eu o conheci pessoalmente em 1990 quando disputava um campeonato amador na liga de futebol do bairro de Luís Anselmo no Largo dos Paranhos em Salvador. Ao conversar com ele toquei no assunto da partida e aí me disse que “teve vergonha de sair na rua do bairro onde morava em Cosme de Farias no outro dia, e que ficou três noites sem dormir”. Falou ainda que “aquele frango só foi esquecido por todos em 1979 quando Gelson falhou na final do campeonato de 79 pelo Vitória contra o Bahia”.
Com este artigo encerro minhas narrativas sobre os “frangos” da Fonte Nova. Já contei o de Gelson e o de Azeitona. Só faltando o do goleiro Rui do Ypiranga em 1952 numa cabeçada despretensiosa de Carlitos. E o engraçado é que todos os três beneficiaram o EC Bahia.  
A vida de goleiro é realmente muito difícil. Azeitona me disse, que.
Estou lembrado para sempre pelo frango que tomei naquela noite, e não pelas defesas sensacionais que fiz naquela partida. Até pênalti do maior jogador do Bahia na época eu defendi bolas a queima roupa, petardos indefensáveis de Jesum, cabeçadas de Miltão, Zé Augusto, faltas de Fito. Mas de nada adiantou. O único gol do jogo foi por minha culpa, minha falha! Pelo menos ainda sou lembrado, que ironia!
Ele sorri e frisou “pelo menos não fui acusado de ter me vendido como fizeram com o Gelson”. Falhas acontecem, mas ainda bem que era um jogo de fase de classificação e não uma final como foi com Rui e Gelson. Como diz Azeitona: "ainda bem, ainda bem”. Ufa!
* Agradecemos pelas imagens aos blogs dogoleiro.com, quebarato.com e andrefidusi.com.

Um comentário:

  1. Parabéns pela narrativa. É muito importante manter viva a memória do futebol na Bahia.

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