terça-feira, 23 de novembro de 2010

Os baianos no campeonato de seleções


                            Pelé recebe taça da raínha Elisabeth por vitória contra cariocas

A criação do campeonato brasileiro de seleções na década de 1920 foi uma boa, contribuindo para as relações esportivas entre os estados e ajudando sua evolução técnica.  O primeiro certame, realizado em 1922, deu, por exemplo, a oportunidade de jogarem paulistas e baianos. Os baianos classificaram-se para esta condição pela Zona Norte mediante a desistência de Pará e Pernambuco de participarem do certame onde as finais foram realizadas no eixo Rio-São Paulo.
Os resultados não foram tão ruins para os baianos, que empataram com o Rio de Janeiro (2 X 2), venceram o Rio Grande do Sul (1 X 0), mas foram derrotados pelos paulistas por três a zero.  Na ocasião jogavam pela Bahia o atacante Manteiga e o zagueiro Mica, que seria o primeiro jogador fora do eixo Rio-São Paulo a ser convocado para a seleção brasileira. No restante da década a Bahia não repetiria esta atuação. Nos campeonatos brasileiros de 1926 e 1929 seria literalmente arrasada pela seleção paulista por incríveis 13 X 1 e 7 X 1!
Como já é habitual afirmar que a história desse campeonato é um passeio dos cariocas e paulistas eu irei ressaltar outras opiniões. Em 1928, o sétimo ano que o certame era realizado, o estado do Paraná fez a partida final com o Rio de Janeiro, sagrando-se vice-campeão. Mas seria em 1934 o momento da maior surpresa de todos, que até hoje muita gente não engoliu, a do campeonato da Bahia.
Ao escrever este artigo fiquei cansado de verificar em sites e blogs referências superficiais sobre esta conquista. Diz-se que o título “não é reconhecido” (imagine, o único da Bahia!), ou, no máximo, que houve dois campeonatos, um “amador”, onde a Bahia ganhou, e o outro, “profissional”, com a vitória de São Paulo. Fui então verificar com quem está a razão.
Entre 1930 e 1938 a questão amadorismo e profissionalismo ainda estava em discussão, como, aliás, quase tudo no Brasil, pois houve uma revolução em 1930 e as coisas só se definiram a partir de 1937 com o estabelecimento da ditadura do Estado Novo. O contexto desta discussão é o da maior crise enfrentada pelo futebol brasileiro.
Desde o fim da década de 20 se ouvem criticas sobre o “falso amadorismo” que reinava nos campos de futebol do Brasil, e  que era representado pela CBD, entidade que representava o Brasil na FIFA. A situação não pode ser mais escondida no início da nova década quando passou a ser muito grande numero de jogadores e clubes que praticava o profissionalismo.  Em 1933 o confronto pôs frente a frente as ligas esportivas, pelo menos do Rio de Janeiro e São Paulo.
No Rio inúmeros clubes ficam contra a CBD e criam uma entidade profissional, a Liga Carioca de Futebol - LCF, sucedendo o mesmo em São Paulo com a antiga APEA. O próximo passo foi criar uma entidade nacional, a FBF. O objetivo dos que assim procediam era retirar a representação da CBD junto á FIFA com base em artigo desta que previa a atuação dos filiados no futebol, diferente da CBD que tratava dos “desportos”.
Apesar de a CBD ficar bastante isolada na discussão é preciso ver que havia bastante resistência em passar ao profissionalismo. O grande artilheiro Frienderich, é um dos que encerra sua carreira neste período, que, porém, marca a criação de clubes já diretamente profissionais como o EC Bahia e o São Paulo FC. No Rio de Janeiro o Botafogo FR ficou na contramão desta tendência, continuando, junto com times pequenos na CBD e na AMEA. 
O ano de 1934 é decisivo para o conflito político-esportivo. Nele ocorrem uma série de fatos que elevam a crise ao seu ponto máximo, mas vão, mais tarde, começar a repactuar o futebol brasileiro. Abre-se na ocasião a temporada de caça aos clubes que serão disputados um a um por uma e outra entidade.  Um episódio ocorrido com o Vasco ajuda decisivamente a CBD. Aquele, na defesa de seus interesses sai da LCF e se junta a Botafogo, e aos recém-convertidos Bangu e São Cristóvão, para a criação da FMD filiada a CBD.
O peso de Vasco e Botafogo, e, naturalmente alguns interesses materiais, pois ninguém é de ferro, (como a possibilidade de jogos internacionais restrita pela FIFA á CBD) acabam por “puxar” o Palestra Itália e o Corinthians, que saem da APEA e criam a Liga Bandeirante de Futebol-LBF (depois LPF), junto com Juventus, São Paulo Railway, Santos, Hespanha, São Paulo FC e AA Portuguesa, originando campeonatos paulistas paralelos.
                                            A boicotada seleção brasileira na Itália(1934) 
A disputa não se deteve em quaisquer considerações com o Brasil. Para se ter uma ideia até a própria participação nacional na Copa do Mundo de 1934 foi atingida. Como a maioria dos jogadores e clubes profissionais estavam ligados a FBF e, como cabia a CBD levar o selecionado de futebol para aquele certame, aconteceram coisas “do arco da velha”. A CBD então partiu para uma política de terra arrasada.
Abandonando seus princípios amadores passou a aliciar jogadores com dinheiro para que formassem na nossa seleção. Como o orçamento da entidade era irrisório muitos não aceitaram o valor oferecido. Teve clube que escondeu seus jogadores para que não fossem com a seleção brasileira! O resultado todo mundo sabe, fomos eliminados na primeira partida, perdendo de três a um para a Espanha.
É neste ano, num ambiente profundamente conflagrado no futebol, que são organizados dois certames de seleções estaduais, um pela CBD e outro pela FBF. Mas a surpresa aqui foi o certame de profissionais, pois há doze anos só existia o de amadores. O tal campeonato brasileiro de seleções estaduais que a seleção paulista ganhou tinha apenas seis estados, participando dele até um estado desconhecido, a “Liga de Esportes da Marinha”(!). Deve ter sido em função do crescimento da influencia militar. Quem sabe não esperavam que fosse fundado? Repare-se que os paulistas concorreram nos dois certames (sic!), colocando também uma seleção paulista de jogadores amadores.
                                                          Baianos campeões de 1934
Já no campeonato amador participaram dez seleções. É claro que não é uma simples questão de número. A esta época uma grande maioria de jogadores já estavam ligados ao profissionalismo. Mas convenhamos. O escrete da Bahia que disputou o certame amador também não era profissional? Se todo ele não o fosse certamente vários jogadores o eram. Até onde podemos dividir rigidamente esses campos nos dois torneios?
A Bahia começou o Campeonato de Seleções de 1934 dando de oito a zero em Sergipe. Depois aplicou 5 X 3 no Rio Grande do Norte, credenciando-se a final contra os paulistas. As partidas foram jogadas no estádio da Graça em Salvador. Tudo ocorreu há 76 anos na semana de 4 a 11 de março. Foi quando Popó, Gia, Pelágio, Israel e Mila ganharam a primeira de 4 X 2, perderam a segunda por 3 X 2, para aplicarem dois a zero no tira-teima, saindo com o título inédito, com gols de Raul (Vitória) e Pedro Braz (Ypiranga).
Os paulistas ficaram tão irritados que acertaram uma revanche “amistosa” para quatro dias depois, derrotando os campeões por três a zero. Porém, exageraram na dose! Esperando “passar a limpo” em regra a derrota, acordaram com o EC Vitória a outra partida, sofrendo nova derrota, agora por dois a um. Despedir-se-iam, enfim, do estado empatando (1 X 1) com um combinado Flamengo-Vitória.
Durante quarenta anos de campeonato de seleções a hegemonia de paulistas e cariocas foi absoluta, havendo apenas duas solitárias exceções, a “não reconhecida” dos baianos (1934) e a dos mineiros (1962) em sua última edição. Será que foi por causa disto que o torneio acabou?
Ainda haveriam dois campeonatos em 1935. Quanto à crise só seria resolvida em 1937 com a decadência da APEA que não teve mais forças para suportar as pressões. Mas o acordo teve que ser nacional, passando pelo fim da FBF. Estava superada a crise com a CBD “tirando de letra” a situação.
Deixo aqui apenas algumas perguntas. Descrevi, ainda que sinteticamente a crise profunda que perpassou o futebol brasileiro nos anos 30. Ora, e isso em nada afetou a Bahia? Ao ler, recentemente, artigos que contam a história do Bahia e do Vitória, verifiquei que “passam batidos” por esta discussão que abalou o esporte nos anos 30. No nosso estado, por exemplo, houve transferências de jogadores que deram o que falar (denotando pagamento), um “racha” na diretoria do Bahia (1932) e a demissão de diretores do tricolor(1937). Há ainda há o episódio mal explicado dos dois campeonatos de 1938, onde a “falta de público” (ou a liderança disparada do Botafogo) foi substituída pela organização inédita de outro campeonato.
O certame de seleções foi realizado ininterruptamente até 1944, mesmo durante a Segunda Grande Guerra. A partir desta época é realizado de dois em dois anos, deixando de ser feito em 1948, e, desde 1956 passa a intervalo de três anos, tendo o seu final em 1962.
                                                     A Fonte Nova nos anos 50
A Fonte Nova veria, portanto, jogos do campeonato de seleções por cinco vezes, quatro deles ganhos pela seleção paulista. Conforme certos interesses a CBF colocaria a Bahia nas chaves mais estranhas. Em 1952 faria parte da 4ª região (na verdade a região Sul!). A primeira partida na Fonte Nova realizou-se em 16 de março de 1952 com a nossa seleção sendo arrasada pelos paranaenses por cinco a um.
Parecia que estava sacramentada a desclassificação. Porém, os baianos aproveitarem-se de não existir saldo de gols para renascerem das cinzas. Assim, na segunda partida em Curitiba ganharam por 3 X 2 no tempo normal, forçando uma prorrogação onde ganharam por dois a zero. O próximo obstáculo foi à seleção de Santa Catarina, quando empataria em Florianópolis (2 X 2) e ganharia na Fonte Nova (2 X 1). Não passaríamos das semifinais, sucumbindo ao Rio Grande do Sul, perdendo ambas as partidas, em Salvador (0 X 1) e em Porto Alegre (1 X 2). Dois anos depois, ainda nesta chave esdrúxula, pararíamos logo no Paraná, mediante goleadas recíprocas.
Em 1956 já estávamos na chave Nordeste-Leste (!) iniciando o certame nas proximidades do Natal. Ganharíamos na estreia do Espírito Santo fora (4 X 1) e dentro da Fonte Nova (3 X 1), mas tropeçaríamos em Minas Gerais nos dois jogos, 0 X 1 em casa e 3 X 4 em Belo Horizonte. Três anos depois, agora na chave Centro Oeste-Sudeste, de novo pegaríamos os capixabas, ganhando aqui por três a zero, e empatando sem gols em Vitória.
O próximo confronto, entretanto, seria com os paulistas. O episódio lembraria os desastres da década de 20. A primeira partida ainda deu pra disputar, perdendo a Bahia por dois a zero com ambos os gols assinalados pelo formidável ponteiro esquerdo Pepe do Santos FC no primeiro tempo. No segundo tempo, com certa acomodação dos adversários, deu pra seleção baiana tocar a bola, equilibrando o jogo e ameaçando mesmo pelo menos diminuir o placar.
                                           Ataque paulista na goleada contra os baianos
Os paulistas jogaram na Fonte Nova com Gilmar, Egídio e Olavo; Juds, Zito e Oreco; Dorval, Chinezinho, Busoni, Pelé e Pepe. Já os baianos estiveram com Periperí, Valvir e Henrique. Pinguela, Nelinho e Boquinha; Alencar, Carlinhos, Léo, Haroldo Barros e Salvador. O segundo jogo, no Pacaembu, nem é bom lembrar! O estádio estava cheio, tendo a renda sido de um milhão e quatrocentos mil cruzeiros. O jogo foi duro só primeiro tempo, sendo que os paulistas só conseguiriam um gol através de pênalti cobrado por Pepe.
No segundo tempo, porém, nosso selecionado “abriria a cancela”.  Choveu na horta da Bahia, com gols de Pelé, Pepe (em novo pênalti), Chinezinho, mais dois gols do “rei”, e ainda Pepe de novo. A torcida baiana nem comemorou pelo rádio o gol do ponteiro Biriba, que deu números definitivos ao placar, 7 X 1.
O último certame, em 1962, também ocorreria nas férias escolares, entre dezembro e janeiro. Inventaram na ocasião uma “fase preliminar” onde a Bahia enfrentou a seleção goiana, empatando na Fonte Nova (2 X 2) e vencendo em Goiânia (2 X 0).  O próximo adversário seria o Paraná, com quem tínhamos sempre dificuldades. O empate em Curitiba pareceu, porém, aliviar as nossas preocupações. Bastava ganhar na Fonte Nova que chegaríamos à semifinal. Mas, qual, repetiu-se o que havia acontecido dez anos antes, perdendo dos paranaenses em nossa casa, pelo escore mínimo. Não me lembro se meu pai me levou a este jogo. Se não o fez é mais uma dívida que tem comigo, pois, deixei de assistir ao último jogo da Bahia no último campeonato nacional de seleções. 
Peço desculpas aos leitores por não falar do “campeonato” de 1987. Não o reconheço como o fazem alguns, mais apaixonados por nomes que por conteúdos. Acredito ser totalmente despropositado fazer um torneio um quarto de século depois que a vida o tornou anacrônico. Realizá-lo nesta ocasião me parece uma farsa, cheia de times mistos e clubes disfarçados de “seleção estadual”.   
Fica para o final a pergunta: qual a seleção que ganhou mais desses certames?  Se vocês procurarem na internet verão uma disputa nos sites e blogs afirmando ora que são os paulistas, ora os cariocas. A maioria dá a vantagem para os paulistas, no entanto, há casos como o do blog netvasco que suprime alguns certames o que acaba por inverter a vantagem em prol do Rio de Janeiro. Este modesto escrevinhador que, por sinal, não é paulista nem carioca, prefere apostar na coluna do meio.
·         Agradeço as informações dos sites www.copa2014.org.br, www.museudosesportes.com.br e www.campeoesdefutebol.com.br, e dos blogs rsssfbrasil, Wikipédia, brfut.blogspot.com e acopapordenise.blogspot.com. Sou grato ainda pelas imagens de Fábio Paes, do site http://www.juventus.com.br/ e dos blogs colunistas.ig.com.br, jogosdobrasil.com.br e oblogdoroberto.zip.net.

Um comentário:

  1. fRANK BELO RESGATE DA GRANDE CONQUISTA BAIANA EM 1934 A PRIMEIRA DE PORTE NACIONAL, PENA TEREM ACABADO COM ESSA COMPETIÇÃO, NO FINAL DOS ANOS 70 E COMEÇO DOS ANOS 80 HOUVE UMA TENTATIVA DE RESGATAR O TORNEIO SENDO REALIZADOS COM SELEÇÕES SUB-20, EM 1980 A BAHIA FICOU EM 3º LUGAR SENDO ELIMINADO POR SÃO PAULO NO SALDO DE GOLS, O TIME BAIANO TINHA PAULO CESAR ATACANTE DO BAHIA QUE FOI NEGOCIADO COM O VASCO NO MESMO ANO.

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