segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Os campeões do mundo de 1958 na Fonte Nova


O Brasil esteve muito tempo com a Copa do Mundo atravessada na garganta. Nas duas primeiras até que nem tanto pois o profissionalismo dava seus primeiros passos no país. Mas celebramos a conquista do terceiro lugar na França em 1938, na era Leônidas da Silva.  Por isto é que após a Segunda Grande Guerra foi o país que mais se empenhou para realizá-la. Como os esforços da maioria das nações estavam voltados para a reconstrução foi possível trazer o certame para o Brasil. A Copa de 1950 foi uma das principais razões para a construção de estádios pelo país. A Fonte Nova foi um deles, embora não tenha recebido nem unzinho jogo. Mas isso é assunto para outra história!
A seleção dos sonhos que montamos neste ano começou a fase final com duas históricas goleadas ejogou pelo empate contra o Uruguai no Maracanã perante 200.000 pessoas. Era ano de eleições e todo mundo fez questão de tirar fotografia ao lado dos jogadores. Mas sobreveio a surpreendente derrota, e quem fez parte daquele jogo ficou marcado durante décadas. O goleiro Barbosa morreu com esta mágoa. A perda do título traduziu-se em baixa estima para os brasileiros. Quatro anos depois mais um vice, o de Martha Rocha no Miss Universo. Parecíamos mesmo uns derrotados!  Neste ano, não nos serviu sequer de lição a também inusitada derrota do fenomenal escrete da Hungria para a Alemanha na Copa de 1954.
A seleção que embarcou para a Suécia em 1958 já foi desacreditada. Era a nossa sexta copa e, apesar de já termos conquistado um vice e um terceiro lugar, o que se pensava no país é que só fazíamos perder. Os dois maiores jogadores que pisaram nos campos brasileiros viajaram como reservas de Joel e Dida. Mas não é pra qualquer seleção ter Garrincha e Pelé que nunca perderam um jogo quando atuaram juntos. 
Eu tinha dez anos na ocasião e assisti ao jogo ao lado de meu pai. A televisão só chegaria à Bahia dois anos depois. Assim, foi pelo rádio que "vimos" o drama, as patriotadas e a alegria dos locutores. Começamos bem contra a Áustria (3 X 0), mas depois a coisa engrossou no empate a zero com a Inglaterra. Feola então mudou o time, colocando Zito em lugar de Dino, e mudou radicalmente o ataque onde entrou Garrincha e Pelé (saindo os dois do Flamengo) e Vavá no lugar de Mazola.
                                                       Gol de Pelé contra a França
O Brasil ganharia todas as outras partidas com esta formação do meio de campo pra frente. A vitória sobre a Rússia por dois à zero encerraria a primeira fase. Mas a desconfiança voltaria nas quartas de final, quando passamos com enorme dificuldade pelo País de Gales, graças a um gol antológico de Pelé. O time só se entrosaria depois, aplicando históricas goleadas de 5 X 2 nos franceses e nos suecos, donos da casa. Em minha memória ainda está viva a tristeza de meu pai e o desespero dos locutores e comentaristas com o gol de Liedholm logo no início da partida final. Parecíamos mesmo fadados a ser perdedores!  No entanto, logo depois Vavá empataria, e viraria o jogo mais adiante, com minha casa quase vindo abaixo.
No segundo tempo pensávamos em garantir o resultado que outra vez surpreendia a todos, desta vez positivamente. Na metade do segundo tempo o jogo já estava de 4 X 1. Não acreditávamos no que estávamos vendo. Não era possível que dessse pra Suécia retirar esse título que o país vinha perseguindo há quase trinta anos. O gol de Simonsson não chegou a nos abalar, pois a seleção tomou os cuidados necessários para neutralizar a reação. Pelé, no final, “fecharia o caixão” causando uma verdadeira histeria nacional. Apesar de muitos não perceberem esse dia marca a entrada do Brasil no rol das nações vencedoras e, pela primeira vez, sem apadrinhamento da Inglaterra ou dos EUA.
Três dias depois, numa quarta feira, a seleção brasileira é recebida em clima de verdadeira apoteose no Rio de Janeiro, que naquele tempo era a capital do país. Lodo depois o mesmo aconteceu em São Paulo. Dezenas de milhares de pessoas saiam às ruas para receber aqueles que, mais do que uma seleção de futebol, eram heróis. O título caiu como uma luva na ideologia nacional-desenvolvimentista. O país agora "entrava em uma nova fase, de progresso e desenvolvimento". Mais uma vez era eleição e todo mundo faturou uma “pontinha” com ele. Os empresários tiveram suas mercadorias anunciadas pelos craques, e os políticos os usaram fartamente. E isto não ficou circunscrito ao Distrito federal. Todo o país queria receber a seleção, dar medalhas e tirar foto com os jogadores, uns pra botar no material de campanha!
                                                                    O presidente JK
Quando a seleção aportou no Brasil era Dois de Julho na Bahia e o clima da nossa maior data cívica mexeu com as elites dirigentes do estado que pensaram logo em trazer a seleção pra jogar aqui. Mas não estava fácil! Os jogadores já estavam há muito tempo distantes dos clubes e estes tinham seus próprios interesses. Como fazer então? Depois de muito matutar chegaram à solução.  Passando em vista os “donos” dos jogadores juntaram-se governo, a PANAIR, os Diários Associados, e outros menos votados, e trouxeram o Botafogo de Futebol e Regatas pra Bahia pra jogar contra o EC Bahia.
O contexto da preparação do jogo foi muito agitado. O governador Antônio Balbino, empenhado em fazer seu sucessor, emplacava Pedreira de Freitas “batendo de frente” contra seu próprio partido, o PSD. O Teatro Castro Alves sofre um incêndio devastador, e os órgãos dos Diários Associados, Estado da Bahia e Diário de Notícias, inauguram moderna rotativa e novos equipamentos gráficos.
O dia do jogo foi marcado para três semanas após o desfile do Rio de janeiro, 23 de julho. Estava tudo preparado pra repetir em Salvador a apoteose. Nesse dia candidato que se prezava não deixou de ir ao estádio. Mas aí a natureza apareceu para atrapalhar o espetáculo. O céu começou a escurecer. O jogo se realizou sob tempo chuvoso. Assim, não compareceu o público que se esperava. O Diário de Notícias, entretanto, informou que a renda “deve” ter sido superior a um milhão de cruzeiros.
                                               A constelação de craques do Botafogo FR
Quem chegou mais cedo viu a preliminar (como foi costume no estádio durante muito tempo) onde os amadores do Bahia derrotaram o Palmeiras local por três a um. Nilton Santos, Zagalo, Didi e Garrincha desfilaram na pista com a bandeira do Brasil. O próprio governador Antônio Balbino entregou troféus aos campeões. O mascote da Copa “Chiquinho da Panair” foi mostrado para todo o estádio. Trouxeram até o famoso locutor Oduvaldo Cozzi para dar uma “palhinha” pela PRA-4 durante a partida.
Vale a pena dar a ficha técnica daquele jogo, que teve pelo menos o mérito de ser um dos poucos jogos de Garrincha na Fonte Nova, e que faria o gol solitário da partida logo no início. A imprensa tricolor depois reclamou do gol perdido pelo ponteiro Biriba no segundo tempo, por tentar driblar sem sucesso o goleiro Ernani.  O juiz foi José Monteiro, sendo seus auxiliares Martinho Menezes e Vicente Lobão. O Botafogo formou com Ernani; Beto, Tomé e Nilton Santos; Servílio e Ademar; Garrincha, Didi, Paulinho, Quarentinha e Zagalo. O Bahia com Nadinho; Pernambuco e Bacamarte; Haroldo, Henrique e Florisvaldo; Marito, Wassil (Naninho), Hamilton, Otoney (Ari) e Biriba. Naquela noite os deuses do futebol castigariam a politicagem, enviando, mais tarde,  verdadeiro diluvio que ocasionou desabamentos em vários pontos da cidade. 
O Botafogo voltaria ao estado alguns meses depois, no entanto com um time bastante mudado e sem a presença do famoso ponteiro das pernas tortas. Na ocasião empataria em Salvador com o tricolor e em Feira de Santana com o Fluminense. A renda do primeiro jogo agora seria divulgada mas, estranhamente, foi cerca de um terço do que foi anunciada no jogo dos campeões!
O EC Bahia sagrar-se-ia campeão do primeiro turno na Bahia, e o Brasil voltaria a ser vice, agora no Miss Universo, com a carioca Adalgisa Colombo. Quanto a Antônio Balbino, o entregador de troféus, teria o desprazer de ver seu candidato concorrer contra o dissidente pessedista Vieira de Melo e o antigo interventor da Revolução de 30 Juracy Magalhães da UDN.  Nesta condição, mesmo articulando institucionalmente uma sopa de letras (PSD, PTB, PTN, PR, PRP, PCB), acabou sendo derrotado pelo último.

* Agradeço as informações de Paulo Fábio Dantas Neto, do Setor de Publicações Raras da Biblioteca Central do Estado (Coleção Diário de Notícias), do site dupliperson. net, e dos blogs Wikipédia e fotolog.terra.Sou grato ainda as imagens dos blogs samukalima.blogspotcom, jornalgolaco.blogspot.com,memoriaspostumasdejueslecinokubitschek.blogspot.com e todaoferta.uol.com.

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