No início de 1972 eu estava namorando com a mulher que iria ser minha companheira por toda a vida, Cybele, e, como tinha lhe dado uma aliança de noivado, pensava em casar. Só no ano anterior comecei a arranjar grana pra esse projeto, entrando pra Orquestra Sinfônica da UFBA. Na época o salário era pouco, então tive que aceitar convite do Instituto de Música da UCSAL para trabalhar como professor de contrabaixo.
Já não precisava mais pedir dinheiro a “maínha” pra ir aos jogos. Era bom, pois o calendário esportivo prometia muita movimentação naquele ano. O Brasil celebrava o sesquicentenário da chamada independência (que nem necessita letra maiúscula) e foram organizados grandes eventos, uma “Mini Copa” no país, e aqui, a Taça Cidade de Salvador. Para esta convidaram as fortes equipes do Grêmio Porto Alegrense e do Fluminense carioca e o todo poderoso River Plate da Argentina.
Na ocasião pude ver que a rivalidade entre os gaúchos é pra valer. É que o Internacional havia sido campeão do Torneio Regis Pacheco em 1953. O Grêmio deve ter ficado com aquilo atravessado. Pois bem, antes de se completarem vinte anos desse feito, foi a sua vez de ganhar um torneio ainda maior, de caráter internacional.
O Grêmio Porto Alegrense disputaria poucos torneios amistosos na Bahia. Por coincidência quando do início do funcionamento do estádio com o anel superior. O primeiro é inesquecível por começar com a maior tragédia da história da Fonte Nova e exatamente quando o clube jogava contra o Vitória. Posteriormente empataria com o tricolor, mas preferiria que a taça ficasse na Bahia. Na Taça Cidade de Salvador, porém, o negócio, tal como Kleiton e Kledir, "foi pra Porto Alegre tchau".
Fora esses momentos o clube se limitaria a vir jogar no estado em certames nacionais fazendo poucos amistosos. Veio por aqui em abril de 1950 jogando no Campo da Graça onde ganhou de Galícia (1 X 0) e Metaluzina (MG, 4 X 2), mas perdeu a sua primeira partida contra o EC Bahia (0 X 1). As próximas visitas já seriam por ocasião do “Robertão”, ganhando dois jogos (2 X 1, em 1968 e 1 X 0, em1970) e perdendo outro (0 X 1, em 1969) para o EC Bahia.
Fui com meu irmão “Toínho” a todos os jogos da Taça Cidade de Salvador em 1972 chegando mais cedo pra ver os grandes jogos realizados nas preliminares. Lembro-me que a torcida rubro negra estava deslumbrada, pois, além de estar neste torneio com grandes clubes, iríamos disputar o Campeonato Brasileiro.
No ano anterior a CBD tinha se mostrado inflexível quanto a nossa participação. Mas, o primeiro certame levou a grande desmoralização da entidade dando visibilidade aos “esquemas” pra beneficiar alguns grandes clubes. Além disto o público baiano respondeu muito bem ao primeiro campeonato trazendo grandes rendas. Desta forma foi “aberta à cancela” para o meu rubro negro, embora acompanhado de outros com menor tradição. Porém, mal sabíamos as dificuldades que nos esperavam.
Quando o torneio foi realizado, em janeiro de 1972, havia chegado a TV em cores no país. Estávamos na onda da pornochanchada nos cinemas, embora passasse filmes como O poderoso chefão e Dona Flor e seus dois maridos.
Os jogos do torneio foram muito concorridos. Tudo aconteceu em apenas uma semana onde pudemos hospedar as delegações de fora. Como não poderia deixar de ser quem causou o maior frisson foram os argentinos. Há doze anos uma equipe desse país não se apresentava na Bahia, desde as disputadas da Libertadores da América de 1960 entre Bahia e San Lorenzo de Almagro. Havia ainda a mística do poderoso River Plate que nunca havia jogado no Nordeste. Imaginem que o seu técnico era nada menos que o brasileiro bicampeão do mundo Didi, e havia jogadores como Alonso, Martinez, Ghizo, Moretti e o goleiro Barisio.
A rodada inicial marcava o jogo Fluminense X Grêmio, que terminou sem gols. No segundo a formidável “fria” do EC Vitória, ao enfrentar, logo de saída, tamanho escrete. No entanto os rubro negros surpreenderam a torcida. Após um começo nervoso equilibraram as ações em campo e praticaram o futebol envolvente que lhes permitiria ganhar o campeonato baiano daquele ano após sete anos na fila. O ataque baiano composto por Osny, Gibira, André “Catimba” e Mario Sérgio, conseguiu fazer Rodriguez e Cia passar por maus momento, mas acabou por se render a linha atacante argentina com Alonso, Martinez, Moretti e Ghizo que venceria por dois a um.
A próxima rodada seria ainda mais disputada, fazendo com que passássemos o desprazer de não ver gols entre Vitória e Grêmio e Fluminense e River Plate. A decisão ficaria então para a rodada final onde jogaria o Vitória contra o Fluminense e o River contra o Grêmio. Os argentinos estavam com um ponto perdido, os tricolores cariocas e gaúchos tinham dois e o rubro negro baiano estava com três. Não tinha conta que fizesse com que ficássemos com a taça! A atenção da imprensa estava toda voltada para os argentinos, ainda mais quando batemos o Fluminense. Bastava um empate pro caneco ir pra Buenos Aires.
Mas uma surpresa estava reservada para baianos e hermanos naquele dia 30 de janeiro de 1972. É que o Grêmio agigantou-se em campo e conseguiu praticar um futebol objetivo que neutralizou as principais peças de Didi. Quem foi ver Ghizo, Moretti, Martinez e Barisio acabou vendo o goleiro Jair, os laterais Espinosa e Everaldo, o volante Jader e o ponta Loivo, autor do gol do título. O maestro, como era chamado, bem que tentou mudar o quadro, trocando Ghizo por Gianetto e Merlon por Laraigne. Do outro lado, entretanto, estava Oto Glória, que também mudaria, trocando Gaspar por Caio, e Carlos por Bira, garantindo até o fim o histórico resultado.
O Grêmio ainda faria 35 partidas na Fonte Nova até o fim do nosso estádio, a maioria esmagadora pelo campeonato brasileiro. Com a era “Barradão” passaria a jogar unicamente contra o tricolor baiano. Vinte e dois jogos seriam contra o Bahia (três vitórias, oito derrotas e onze empates), doze contra o Vitória (seis vitórias, quatro derrotas e dois empates) e um contra o Galícia (2 X 1). No computo geral há equilíbrio nos 44 jogos que disputou em nosso histórico estádio, onde obteve 14 vitórias, 13 derrotas e 17 empates, marcando 36 gols e sofrendo 37.
Everaldo, gremista campeão do mundo em 1970
A despedida dos gaúchos do nosso histórico estádio foi em 16 de fevereiro de 2005 no primeiro jogo contra o EC Bahia pela Copa Brasil daquele ano. Mas seguramente os torcedores não sabiam que aquele era a último vez, foi por isso que houve apenas 4.453 pagantes no estádio. O tricolor baiano levaria vantagem por dois à zero marcando Guaru e Viola (Lembram-se?). Na época seu técnico era Hélio dos Anjos e contava com jogadores como Cícero, Elias e Magno. Já a equipe de Hugo de León tinha Marcelinho, Nunes e Somália.
Logo depois que o torneio acabou veio o carnaval. As cervejarias CIBEB e Carlsberg patrocinaram os trios. Ia na sede de praia do Vitória que funcionava em Amaralina e "peruava" o bloco carnavalesco Os Internacionais nas ruas. Na época ainda se podia levar a família para ver o “desfile” carnavalesco em Salvador. Tem gente que nem acredita! Agente deixava as cadeiras amarradas no Relógio de São Pedro e quando voltávamos no outro dia elas ainda estavam lá! Mas já começávamos a saber das atrocidades cometidas pela quadrilha do policial Manoel Quadros.
Quanto ao futebol baiano cinco meses depois do torneio veria o Vitória ser esmagado pelo Ceará Sporting, em partida preparatória para o Campeonato Brasileiro, por sete a dois na Fonte Nova. A “Mini Copa” seria uma decepção com equipes fracas e uma França desfalcada. O torcedor baiano reagiu na mesma medida com que foi “considerado”. É por isso que devemos ficar alerta para a Copa do Mundo de 2014 que terá jogos na Bahia. Naquele campeonato brasileiro Grêmio e Bahia empatariam sem gols em 30 de setembro jogando, além dos campeões da histórica Taça Cidade de Salvador, outros como Mazinho, Buião e Oberti. No tricolor baiano se destacavam o goleiro Buttice (lembram-se?), o zagueiro Onça, Baiaco, Eliseu, “Picolé” e João Daniel.
Juro que não é provocação aos gremistas!
Cedo fui entendendo que meu clube ainda não estava preparado para disputar títulos nacionais. Apesar de ter vários títulos estaduais, ter chegado a possuir grandes jogadores, e ter tido grandes vitórias em amistosos, inclusive no exterior, tinha ainda dimensão regional. Quem viveu esse tempo acha o máximo o papel de destaque que hoje ocupa no cenário futebolístico nacional. Pensei nisso há duas semanas quando fomos rebaixados pela quarta vez para a Segunda Divisão e me consolei com uma história onde sempre fomos capazes de dar a volta por cima.
· Agradeço as informações do site do Grêmio Porto Alegrense, e dos blogs RSSF Brasil e Futipédia. globo.com. Sou grato também as imagens dos blogs gremio.net, botecodoamaral.blogspot.com, comoquiabocru.com, experienzadipiacere e maryvillano.blogspot.com.
Nenhum comentário:
Postar um comentário