domingo, 12 de dezembro de 2010

A Fonte Nova nos dez dias que abalaram o Brasil


                            "Che" Guevara e Jânio Quadros 

O Brasil é um país engraçado. Se é que alguém ri dessas coisas! Aqui a república precisou de um golpe militar. E o “cara” que a proclamou (Deodoro da Fonseca) estava mais interessado em derrubar o gabinete Ouro Preto do que nela. Deve ter tido parentes que não foram nomeados.
A Bahia deve ser o único lugar do mundo onde esta foi proclamada duas vezes. Cientes do episódio do 15 de novembro de 1889 as elites no outro dia se reuniram na Câmara Municipal. Vocês não acreditam no que saiu daí! Hipotecaram solidariedade ao rei deposto e até ameaçaram pegar em armas pra defender a monarquia. Enquanto isto comerciantes, estudantes, profissionais liberais e baixas patentes militares proclamavam a república no Forte São Pedro.
Quando no outro dia souberam que Dom Pedro II já tinha partido pro exílio as elites entenderam que a coisa era séria. Ai foram pro forte e proclamaram de novo a república. Como a assembleia popular já tinha indicado as novas autoridades tiveram que fazer tudo de novo. Assim o estado passou vários dias sem saber quem ia ocupar os altos cargos. Em dois anos a Bahia teria seis governadores. Da noite para o dia os monarquistas se tornaram republicanos. Dos idealistas que haviam assinado o Manifesto de 1872 só dois ocuparam cargos na república de araque que fizeram por aqui. Foram Manoel Vitorino e Severino Vieira, estando atualmente juntos no bairro de Nazaré, onde o primeiro deu nome a um hospital e o segundo a um colégio.
A presidência da “república” sempre suscitou vivas emoções. Teve quem ficasse 18 anos no cargo e quem está querendo bater esse recorde.  Os interesses em torno do maior cargo político do país levaram a licenças, doenças, suicídio, impeachment e renúncia. O artigo de hoje é sobre um desses momentos. Quando, no dia 25 de agosto de 1961, o povo brasileiro soube estupefato da única renúncia de um presidente do Brasil. Quando renuncia o presidente assume o vice, certo? Errado! Pois no Brasil, quando não interessa a alguns, tudo é motivo de polêmica. Assim, o episódio da renúncia suscitou uma série de conflitos políticos e sociais, que estariam na base do golpe de 64.

                                                        João Goulart e Maria Teresa
Foram dez dias muito tensos para o Brasil onde Brizola, Arraes e grupos políticos, estudantis e populares encetaram a Campanha da legalidade, enquanto do outro lado as vivandeiras do golpe se articulavam. Mas, em meio a tudo isto, parecia que nada havia para o nosso esporte, que viu um “baba”, mas também um grande jogo.
Na manhã do dia 19 de agosto Ernesto Che Guevara fazia uma passagem relâmpago para receber a Gran Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul das mãos do próprio presidente Jânio Quadros. Esse dia histórico seria esnobado pelo Diário de Notícias, pois sua manchete seria a luta de boxe Eder Jofre X Ramon Árias em Caracas. A 22 de agosto o jornal anuncia em manchete que “Crise Jânio Quadros-Lacerda não afetou forças armadas”. No outro dia faz o maior “cavalo de batalha” com a agitação feita pelo governador da Guanabara Carlos Lacerda em torno de uma possível renuncia ao cargo que não veio.
Dois dias antes do gesto do presidente ocorreriam coisas estranhas. Não falo dos resultados dos jogos América e Cruzeiro (2 X 1) e Fortaleza e Remo (2 X 0) pela Taça Brasil, mas do Jabaquara (SP) ganhar do Atlético Mineiro em amistoso em Belo Horizonte. Isso já devia ter feito suspeitar que alguma coisa estivesse pra acontecer! Mas ninguém “se tocou” ou não quis se tocar. Pra não deixar de falar da Fonte Nova neste dia ela recebeu o formidável público de 901 pagantes que foi assistir ao importante jogo Galícia dois, Guarani zero. Parece que o povo sentiu o que ia acontecer e nem quis sair de casa pra ver os gols de Raul e Joãozinho!

Na véspera da renúncia do presidente a manchete principal dos confrades é o incêndio em um poço de petróleo de Mapele.  Havia uma reivindicação histórica para que a sede da PETROBRAS e o seu presidente ficassem com a Bahia, embora os cariocas contestassem. Por coincidência, o telegrama com a decisão do presidente favorável a Bahia chegou no mesmo dia da renúncia. Na época passava no Cine Excelsior o filme A tortura do silêncio de Alfred Hitchcock com Montgomery Cliff e Anne Baxter. No dia D o Diário de Notícias estava “pra lá de Marrakesh” em sua análise da crise nacional. Imaginem que colocou a manchete “Forças Armadas louvam o patriotismo de Jânio Quadros”.
No outro dia, o jornal, fica “em cima do muro”, afirmando em manchete ainda na primeira página: “Renúncia de Jânio leva o vice Jango ao poder: ministros militares garantem posse”. Ao mesmo tempo observam que o presidente ao renunciar “lançou um indisfarçável clima de intranquilidade em todo o país” e divulgam sua carta à nação sob o título “forças terríveis levantaram-se contra meu governo”.
O DN gasta as próximas edições com articulações militares ou congressuais contra Jango. Só alguns dias depois, talvez por avaliar a possibilidade do cumprimento da solução constitucional, é que vai dar voz aos legalistas. Assim, anuncia que Brizola resistirá a qualquer golpe e informa as iniciativas das entidades populares. Na época a Rádio Mayrink Veiga transmite os pronunciamentos da campanha para Jango, que se encontrava de visita á China. Grande ebulição se verifica nos sindicatos, universidades e em vários estados do país. Há certa divisão nos comandos militares. No Rio Grande do Sul se recruta milhares de civis para a resistência. Em Salvador o pessoal faz vigília na Faculdade de Medicina da Universidade da Bahia (atual UFBA).
                                           Flamengo campeão do Rio-São Paulo de 1961
Seis dias após a renúncia o Diário de Notícias estampa em manchete “Militares definitivos: inconveniente regresso de Jango”. Nesse dia Ranieri Mazzili, presidente em exercício, decreta feriados bancários e a Comissão Mista Especial do Congresso aprova o regime parlamentarista como “acordo”. Com todo esse clima tenso se realizavam duas partidas em Salvador. Uma no Campo da Graça, com Botafogo local enfrentando o XIII de Campinas (PB), e outra na Fonte Nova, colocando frente a frente o EC Bahia e o Flamengo. O time da Paraíba sairia na frente logo de saída com Arnaldo, chegando ao intervalo com a vantagem. No entanto o estreante Xavier viraria o jogo para o alvi rubro.
A partida no nosso histórico estádio só se resolveria no primeiro tempo, e a favor do tricolor, tendo Agnaldo marcado aos 31 minutos e Alencar ampliado logo após. Jair fez o gol “de honra” rubro negro. Na ocasião o meia Gerson desperdiçou um pênalti quando Nadinho teria a oportunidade de fazer grande defesa. O juiz foi José Monteiro, da Federação Carioca de Futebol, que viria com a delegação do clube da Gávea, e a renda somou quase dois milhões de cruzeiros. As equipes formaram com: (Bahia) Nadinho, Hélio, Henrique e Ney; Antônio e Vicente; Matos (Vadu), Alencar, Agnaldo (Didico), Mário e Biriba; (Flamengo) Fernando, Joubert (Ouraci), Bolero e Jordan; Jadir e Carlinhos (Vanderlei); Joel (Othon), Gerson, Henrique, Luís Carlos (Jair) e Babá.  
                                                          O governador Leonel Brizola
As vitórias baianas dariam sorte. No outro dia Jango chegaria ao Brasil e, mesmo à custa de séria crise no aeroporto, conseguiria desembarcar com o apoio de militares legalistas. Tive a honra de ser amigo do saudoso sargento Prestes de Paula, um dos comandantes da operação de desembarque de Jango. Só então, quando o quadro parece nitidamente apontar quem será o vitorioso na batalha, é que os deputados da Assembleia Legislativa da Bahia apoiam a sua posse. Chegaria a Brasília no dia cinco de setembro pra tomar posse dois dias depois.
Mas a crise não estaria resolvida sem a participação da Fonte Nova. É que no dia três de setembro aqui se realizou o “amistoso da paz” entre Bahia e Vitória quando o clima político estava desanuviado. Deve também ser caso único de celebração indireta da “pacificação” do país. Pena que ninguém soube! Não podia dar outro resultado a não ser o empate. Desde a preliminar se via o “jogo de compadre”, quando empataram em três gols os amadores do Galícia e Bahia. A partida principal não foi tão pródiga, ficando mesmo em um a um.
Os times até se equivaleram nos tempos do jogo. O tricolor ganhou o primeiro tempo com um gol de Alencar logo aos quatro minutos. Já o rubro negro preferiu o segundo tempo, onde Carlinhos assinalou um tento através de falta aos 31 minutos. Os pacificadores da crise jogaram assim: (Bahia) Nadinho, Hélio, Henrique e Ney Andrade; Ari e Lucas; Matos, Alencar (Vadu), Didico, Mário e Biriba; (Vitória) Zé Carlos, Hélio, Leone e Boquinha; Carlos Alberto (Freitas) e Nelinho; Franklin, Carlinhos, Léo, Silvio Mário (Arthur) e Bionga (Reginaldo).
                                                         Refinaria da PETROBRAS
Neste mês, ocorreria na Bahia, mais um fato único, uma greve de trinta minutos pelo cumprimento da decisão de Jânio de transferir a sede da PETROBRAS para a Bahia. Três dias depois o EC Bahia eliminaria o CSA da Taça Brasil na Fonte Nova com um gol de Matos no último minuto. Dois ufas!

* Agradeço as informações do Setor de Publicações Raras da BCE(Coleção DN), e as imagens dos blogs cineplayers.com, dialogico.blogspot.com, jblog.com.br, flamengoeternamente.blogspot.com, arquivohistorico.blogspot.com e jornalweb.com.

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