quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O dia em que um torcedor tirou um título nacional do Bahia


Em seis décadas de Fonte Nova aconteceu de tudo. Coisas que até Deus duvida! O dia 21 de março de 1973 jamais será esquecido pelos torcedores do EC Bahia. Foi no apelidado Torneio “do Povo”. Vou contar essa história.
Todos sabem que o Brasil ficou 21 anos em uma ditadura militar. Mas o período mais sombrio foi mesmo o de Médici, entre outubro de 1969 e março de 1974. Ele assumiu graças a um derrame do general Costa e Silva. O episódio foi tragicômico. Primeiro tentaram ocultar a doença do presidente. Quando é impedido o presidente assume o vice, certo? Errado! No Brasil daquela época era diferente. Afastaram o vice, o civil Pedro Aleixo, e formaram uma junta militar.
Esta promoveu uma curiosa “eleição” onde só puderam votar os generais. Fizeram campanha quatro candidatos, se destacando Albuquerque Lima e Emílio Garrastazu Médici, este comandante do III Exercito. Em número de votos Albuquerque ganharia, pois disparou na Marinha, equilibrou na Aeronáutica e, não perdeu por muito no Exército. Albuquerque ganhou, mas não levou. O argumento pra melar a “eleição” foram às estrelas dos dois generais. Neste futebol, Médici ganhou por 4 a 3.
Costa e Silva faleceu a 17 de dezembro, mas nem esperaram ele passar á condição de defunto. Declararam a sua incapacidade e reabriram o Congresso, que estava fechado há um ano, pra “eleger” o novo presidente. Este, ao organizar seu ministério, deixou a repressão a cargo do general Orlando Geisel, ministro do exército colocando na Assessoria de Comunicação Social, a AERP, o coronel Octávio Costa.
Orlando Geisel ficou com o trabalho sujo. Não podemos dizer que nesta tarefa não teve sorte. No seu primeiro mês comandaria a operação que assassinou o baiano Carlos Marighela. Mais dois meses unificaria órgãos de segurança criando o temido DOI-CODI.  Reorganizaria toda a “defesa interna”, inclusive redividindo o Exército. Só pra dar uma ideia deste período no último ano de Médici havia 80 mil pessoas com ficha no SNI.
Octávio Costa ficou como responsável pela imagem do governo. O objetivo era criar uma imagem popular, humana e paterna do novo general de plantão a partir de tradições populares como a musica e o futebol. A mídia e as grandes empresas dariam sustentação ao projeto que afirmava o país como uma ilha de tranquilidade num mundo conturbado. Ninguém seguraria o Brasil que, além de atravessar um “milagre econômico”, tinha projetos como o PIS, o PROTERRA e a Transamazônica com apelo social e desenvolvimentista.

Num quadro de aguda censura, repressão e suspensão dos direitos políticos e sindicais foi possível crescer a taxas chinesas e isolar a oposição política.  Nos anos Médici o Brasil teria duas eleições, ambas ganha pelo partido oficial, a ARENA. É claro que à custa de métodos, vamos dizer extra-políticos.  Nos dias anteriores as eleições de 1970, por exemplo, mais de dez mil pessoas foram tiradas de circulação.
Mas, vamos reconhecer que os militares não fariam tudo isto sozinho. A mídia, empresários, políticos e dirigentes esportivos dariam expressiva colaboração aos anos sombrios. Na Bahia, por exemplo, é construído o anel superior da Fonte Nova, sendo convidado o próprio Médici para fazer a inauguração. A tragédia que ocorreu naquele dia foi tão bem escondida que, até hoje, continua sendo eclipsada pela de 2007. A Bahia seria escolhida como sede da Mini Copa onde gozaria de seis partidas.  Por último, mas não por fim, o EC Bahia foi incluído no Torneio Emílio Garrastazu Médici, que ganhou o apelido de Torneio do Povo. Sabe como é né? O nome de Médici pra denominar um torneio “do povo” veio a calhar na propaganda oficial.
O regulamento do Torneio Emílio Garrastazu Médici previa o convite aos clubes com as maiores torcidas estaduais. Mas, no início ficaram circunscritos só mesmo a São Paulo, Rio, Minas e Rio Grande do Sul, onde foram convidados Flamengo, Corinthians, Internacional e Atlético Mineiro. Seria realizado entre janeiro e fevereiro, tradicionais meses de “entressafra” futebolística e férias estudantis. Alguns dos clubes desprezados preferiram tratá-lo como um “caça níquel”, inclusive nós do EC Vitória.
A primeira edição teria como campeão o Corinthians ficando o Flamengo na lanterna e sem ganhar uma só partida. O Inter seria o vice. O time alvi negro campeão seria formado por jogadores como o goleiro Ado, o grande meia Rivelino, e os avantes Samarone e Mirandinha. Porém, em 1972 o Flamengo daria o troco! Foi nesta ocasião que foi incluído o Bahia. Eu confesso que, com muita pouca consciência política na época, fiquei chateado pelo fato do meu clube não ser incluído. Naquele ano, 1972, havíamos conseguido a duras penas entrar no campeonato nacional e agora vinha esta exclusão!
O torneio se realizou nesse ano apenas em fevereiro, e apresentaria o rubro negro carioca como campeão e o Atlético Mineiro como vice. Da campanha do Flamengo participariam jogadores como o goleiro Ubirajara, o lateral-esquerdo Rodrigues Neto, o meio campo com Liminha e Zé Mario, e o bom ataque com Rogério, Doval, Caio e Arilson.
O EC Bahia teria uma campanha inusitada, não ganhando um único jogo, e, pior, não fazendo nenhum gol na competição. E isso com a maioria dos jogos sendo realizados na Fonte Nova! Começaria no dia consagrado a Iemanjá, dois de fevereiro, que, no entanto, não protegeria o esquadrão de aço da derrota para o Flamengo pelo escore mínimo. Logo depois perderia de novo, agora do Corinthians, e pelo mesmo escore.
Faria uma pausa de duas semanas pra recuperar as energias, mas não sairia do zero na partida contra o Atlético Mineiro. Despedir-se-ia melancolicamente apanhando de quatro a zero do Inter em Porto Alegre. O time base do tricolor responsável por esta façanha foi: Renato, Carlos Alberto, Zé Oto, Onça (Roberto Rebouças) e Souza; Baiaco e Delorme; Alberto, João Daniel (Sima), Carlinhos (Neves) e Gilson Porto.  
Mas o grande momento do Bahia no Torneio Emílio Garrastazu Médici foi em 1973 quando realizou, de novo, quase todas as partidas na Fonte Nova. Neste ano inventaram a divisão em chaves A e B, caindo o tricolor na segunda.  O esquadrão de aço estrearia numa terça feira, 24 de janeiro, ganhando por um a zero do Internacional com gol de João Daniel. Um público muito maior acorreu a Fonte Nova no sábado, para apreciar a partida contra o Curitiba. A partida, porém, foi tensa, particularmente quando o juiz marcou um pênalti para o clube “coxa branca” logo aos 14 minutos. Mas foi com alegria que os tricolores viram o atacante Zé Roberto desperdiçar. Com o jogo equilibrado o Bahia pode tomar a iniciativa e terminar o primeiro tempo ganhando de um a zero, gol do centroavante Picolé aos 35 minutos. O segundo tempo foi só pra segurar o resultado.  

Quatro dias depois os torcedores acorreriam em número ainda maior a Fonte Nova para o confronto com o Atlético Mineiro. As coisas, porém, não ficaram nada boas, especialmente quando Oldair abriu o placar para os mineiros aos 19 minutos. Mas ainda deu pra consertar aos 35, quando Natal (lembram-se?) empatou a partida. A alegria dos tricolores duraria pouco, pois o mesmo Oldair faria o galo passar a frente do marcador. O segundo tempo consumaria o desastre, quando Campos e Bibi dariam números definitivos ao marcador, quatro a um.
Na semana seguinte o tricolor jogaria com o Flamengo. Após um primeiro tempo à zero o gol do ponta rubro negro carioca Arilson preocuparia de novo a torcida. Mas Douglas, logo a seguir, decretaria o empate. A animação inicial só retornaria seis dias depois, quando o clube derrotaria o Corinthians com um gol de Peri logo no início do segundo tempo.  
O Bahia estava classificado para as finais, onde jogaria com o Flamengo pelo empate. E não deu outra coisa! A partida foi, de longe, a maior renda do certame no estádio, sendo arrecadados quase 200.000 cruzeiros de mais de 25.000 presentes. A classificação do Bahia para a final seria, porém, conturbada. O campeão do ano anterior fez um gol com Dario, a pouco mais da metade do primeiro tempo, e segurou o placar até os últimos minutos.
Aos 45, porém, o juiz marcou pênalti contra o clube carioca levando à maior confusão. Além do tempo que demorou pra bater, os jogadores do Flamengo invadiram a área por duas vezes. Como Roberto Rebouças estava nervoso não conseguiu converter as duas cobranças. Sobrou então para Fito que, na terceira cobrança, assinalou o empate. O time assim, heroicamente, iria fazer a final com o Curitiba que havia derrotado o Corinthians pelo escore mínimo.
                                                              A taça é do Curitiba
No dia 21 de março de 1973 acorreram 21.975 torcedores para a finalíssima do Torneio Garrastazu Médici, digo Torneio do Povo. Há dez anos os baianos não viam um jogo decisivo de um torneio nacional, desde a V Taça Brasil. A animação era tanto maior, pois o tricolor estava a uma vitória de mais um título nacional. Os dois times formaram com: (Bahia) Zé Luís, Ubaldo, Washington, Roberto e Romero; Baiaco e Fito; Natal, Douglas, Picolé (João Daniel) e Peri. (Curitiba) Jairo, Orlando, Oberdan, Claudio e Nilo; Hidalgo e Negreiros (Dreyer); Leocádio (Reinaldinho), Hélio Pires, Zé Roberto e Aladim.
O jogo foi muito disputado, mas o Curitiba esteve melhor no primeiro tempo e saiu ganhando com um gol de Aladim as 24 minutos. No segundo tempo o ameaçado Bahia foi “pra cima” pressionando desde o início. As rezas dos torcedores seriam logo atendidas fazendo mudar as preocupações para o Paraná. É que aos 14 minutos o juiz marcaria um pênalti contra o Curitiba que Fito (novo batedor oficial) converteria. O gol daria novo animo para o time e a torcida que empurrava o time. Mas o estádio viria abaixo pouco depois da saída do Curitiba, quando o tricolor a recuperaria a bola e Peri desempataria. Mais ainda! O episódio suscitou tanta reclamação dos jogadores do Curitiba que o médio Cláudio e o zagueiro Hidalgo acabaram expulsos.
Estava decidido o torneio! Pelo menos é o que parecia faltando menos de trinta minutos pra acabar um jogo que tinha o Bahia na frente do placar e o adversário com dois a menos. Mas não contavam com a fibra histórica dos paranaenses. Os confrontos Bahia X Paraná no futebol sempre foram renhidos. No antigo campeonato brasileiro de seleções baianos e paranaenses se encontraram duas vezes. Na primeira, em 1952, deu Bahia, mas, dez anos depois, deu Paraná. Em nenhuma das edições do certame os baianos conseguiram ganhar na Fonte Nova, aonde chegaram a levar a goleada histórica de cinco a um.
Mas voltemos ao jogo. Perdendo e sem dois jogadores o técnico Tim faz duas substituições providenciais. Tirou o lateral esquerdo Negreiros e colocou Dreyer em seu lugar. E substituiu o ponta Leocádio por Ronaldinho. Desta forma recompôs o time sem perder que se reequilibrou em campo sem perder certa ofensividade. A garra curitibana faz o resto! Onze minutos depois o atacante Zé Roberto fez um cruzamento para a área tricolor. Neste momento ouve-se um apito fazendo com que a zaga do Bahia parasse pensando que o juiz havia apitado impedimento. Mas não foi o juiz que apitou, mas sim um torcedor. Assim, Hélio Pires entrou sozinho e decretou o empate para desespero da torcida tricolor.
O resto do jogo foi improdutivo para o Bahia que atacava sem objetividade e encontrava nove leões “coxas brancas” se defendendo. A partida terminaria duas vezes. Um novo apito faria com que os times saíssem de campo, mas teriam que voltar de novo pra cumprir mais três minutos restantes. Mas não dava mais pra nada. Neste dia foi festa em Curitiba e tristeza em Salvador. O Curitiba começava a trilhar o caminho que lhe levaria, 12 anos, depois ao título brasileiro.  
Só depois é que ficamos sabendo da história do torcedor. Esse “cara” foi caçado na Bahia em tudo quanto foi lugar. Seria um paranaense? Até os rubro negros foram acusados, imagine! Quem apitou foi Antônio Sá Teles, conhecido também como "Maciste". E era torcvedor do Bahia. Por causa de sua atitude tomou a maior gozação dos seus colegas de Trabalho. Ninguém sabe o que ele quiz fazer quando apitou. Quiz parar o ataque do Curitiba? Pois, acabou tirando o título do Bahia. É bem verdade que com o nome de Médici, mas, não deixou de ser um título nacional.
Mas, enquanto o Curitiba se sagrava campeão nos bastidores militares se definia a sucessão de Médici. Com a falta de candidatos expressivos de sua parte e a derrota das articulações contrarias a Geisel deu o irmão de Orlando. Quanto ao Torneio “do Povo” não sobreviveu. Podem ser encontradas várias razões para isto. Sugiro duas pra vocês. O fato de se tratar do último ano de Médici, e o “crime” de ser ganho por um clube de fora do eixo Rio-São Paulo.  

·         Agradeço as informações de Carlos Bride, dos sites do Curitiba, do Flamengo, radiocwb.com. br, campeoesdofutebol, 100xcorinthians e slideshare. net, de Cliofe Monteiro de Serqueira e Ronaldinho, dos blogs RSSSF Brasil, mundialsoccer.com, história do futebol e brfut.blogspot.com. Sou grato também as imagens dos blogs botafogodebiriba.blogspot.com, thiagohmlogos.com.br, jblog. com.br e pimentanamuqueca.com.br. 

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