quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A Fonte Nova, a imprensa e a grande crise do futebol (II)

                                                            O futebol baiano na UTI

Hoje vamos continuar a história da maior crise do nosso futebol. Ontem comecei a contar o primeiro ano da crise, agora vamos terminar. O início de novembro de 1965 dá um evidente sinal da inconsequência da atitude da imprensa baiana. Começava o sensacional super turno do Campeonato baiano entre Fluminense, Ypiranga e Botafogo, ganho espetacularmente pelo ultimo.
Foi quando ocorreu a convocação do selecionado brasileiro para a Copa do Mundo do próximo ano onde há pela primeira vez, uma grande quantidade de atletas, 43. A CBD abrirá espaço pra Pernambuco e a Bahia fica de fora pois vive uma crise na federação, diminuição de público no estádio, sérias dificuldades dos clubes e boicote da imprensa.
Mas os jornais não fazem nenhuma reflexão sobre este fato, pelo menos que chegasse a público. Isso fica ainda mais claro quando o médico da CBD Hilton Gosling abre uma crise no futebol nacional acusando a Comissão Técnica da seleção de escalar jogadores sem condições físicas e outras atitudes condenáveis. Na ocasião os jornais do Sul, (inclusive os próprios dos Diários Associados) utilizaram uma política mais responsável, divulgaram as denuncias e as respostas sem, no entanto, boicotar a seleção.
Quanto ao jornal Estado da Bahia se preocupava com assuntos mais importantes, como a instituição do horário de verão e as semifinais da Taça Brasil, torneio em que, na etapa inicial, havia ignorado a presença do Vitória. Antes de terminar o ano o Gemini 7 entra em órbita, mas quem está fora de órbita é o jornal que, no máximo, informa algumas excursões de times baianos.
Quanto ao jornal Diário de Notícias começa o ano de 1966 sem mais ter página esportiva. Enquanto isto Lomanto Jr. dá apoio a Luiz Viana Filho como candidato a governador, mas ele não lhe retribuirá ignorando sua intenção de se candidatar ao Senado. O Botafogo (BA) aparece no noticiário, mas, não nos enganemos, é em função de organizar um grito de carnaval em sua sede. Merece, porém, destaque do jornal as eleições da FBF onde há uma oposição que lança o presidente do Galícia Graça Lessa como alternativa.
Nesse tempo abre espaço pra algumas noticias esportivas. Sabemos assim, que começa a disputa do Torneio dos Campeões do Norte entre Bahia e Sport e que a seleção baiana infantil conquistou o III Campeonato Brasileiro de Voleibol.   O mês se finda com a determinação da ditadura para que haja eleições indiretas mesmo pra governador. 

O jornal continua destacando a ação do grupo constituído do Fluminense, Bahia, Galícia, Botafogo e Leônico que teriam mostrado “acessíveis a uma solução conciliatória” na crise.  Três destes (Fluminense, Galícia e Leônico) vão a audiência com o governador para relatar a crise. Mas as noticias do jornal merecem o mesmo crédito daquela que divulga no dia 12, copiada da agência UPI, que dá conta da “morte de Che Guevara” numa ação de guerra na República Dominicana, onde, aliás, desconheço que esteve.
O boicote continua firme no mês de março de 1966 quando volta a ser divulgado um torneio "tão importante" para a Bahia como o Rio-São Paulo. Enquanto isto se verifica novo super turno noi campeonato estadual, agora pra decidir o campeão do segundo turno entre Vitória e Galícia, e que acabaria por ser ganho pelo rubro negro.
Anuncia-se na ocasião o roubo da Taça Jules Rimet, uma estranha ação perpetrada em Londres exatamente quando o Brasil poderia ficar com o troféu caso ganhasse a Copa do Mundo pela terceira edição seguida. Uma semana depois, a CBD sob regime de caserna, após convocar uma “penca” de jogadores instituí livro de ponto para os atletas (ninguém merece!). Enquanto isto são retomados os protestos de rua contra a ditadura militar, inclusive em Salvador.

A partir daí somente a seleção ocupa as páginas esportivas dos jornais e o noticiário das emissoras dos Diários Associados. Se o Esporte Jornal não existisse seria preciso cria-lo, pois foi ele quem cobriu as grandes finais do Campeonato de 1965 entre Vitória e Botafogo. Foram jogos sensacionais e muito disputados. A última vez que o alvi rubro disputaria o título do estado ignorado solenemente pela imprensa baiana.
O rubro negro ganharia o título após dois empates sem gols e com um pênalti batido por Tinho no último jogo. Mesmo assim tomando o maior sufoco que consagraou o goleiro Ouri como o melhor em campo. O rubro negro formaria com Ouri, Mundinho, Romenil, Nelinho e Tinho; Edmundo, Olívio, Fontoura e Kleber; Adelmo e Itamar. Já o alvi rubro, no auge de sua forma, atuou com Beto, Quidu, Da Silva, Lapão e Pão; Vadú, Alencar e Parará(Nilo); Nilson, Cabinho e Machado.
Foi o melhor presente que recebi na vida, ser bicampeão no dia do meu aniversário de 18 anos. Cinco dias depois saía a manchete do Esporte Jornal
Imprensa do país ressalta feito do bi campeão baiano
Em junho, no entanto, dois fatos se impõem s divulgação do jornal. No dia quinze o governo do estado baixa a Portaria 6362, assinada pelo diretor de educação e cultura Davi Mendes Pereira, fechando a Fonte Nova. E, três dias depois, é realizado no ginásio o Miss Bahia, sendo vitoriosa a representante de Ilhéus Florianael Portela. Enquanto isto o campeonato de 1966 estava começando no campo da Graça, mesmo com a defecção de Bahia, Fluminense, Galícia e Leônico que se somaram ao boicote. O cerco a esta altura era praticamente total ao Vitória que, pelo menos no esporte não estava nem aí, ganhando o primeiro turno em apenas dois meses. 

Em julho começa a Copa do Mundo que já era quase assunto exclusivo do jornal, mas este dá azar afundando lastimavelmente no empreendimento acompanhando o desastre da seleção brasileira. Sobra agora voltar-se para a Olimpíada Baiana da Primavera pra poder preencher suas páginas esportivas. Até outubro não ouviremos falar de outra coisa tendo que voltar-se para o noticiário político pra apreciar a criação da Frente Ampla e a nova cassação de parlamentares e um prefeito do MDB.
Parecia que iriamos entrar em outro ano com esta bendita crise. No dia treze de novembro uma pequena luz aparece na divulgação da presença do Vasco da Gama na inauguração do estádio municipal de Feira de Santana quando ganha ás duras penas do Fluminense local pelo escore mínimo graças a um gol contra de Val ao “apagar das luzes”.  Dois dias depois da proclamação da república sua inspiração mostrou que ela servia pra alguma coisa: resolver problemas do futebol. Sai, enfim, a notícia tão esperada em manchete de primeira página do Diário de Notícias:
Futebol baiano retornou á normalidade.
As matérias veiculadas na edição não mostram um pingo de autocrítica. Depois de quase dois anos abdicando de seu serviço oriundo de concessão pública que é de informar as pessoas, traz uma série de pérolas:
                                                      O governador Lomanto Junior
Dentro em pouco empresas de rádio, jornais e televisão, estarão novamente prestigiando nossas atividades esportivas, enquanto o público terá oportunidade de VOLTAR ao estádio da Fonte Nova para REVER seus ídolos e clubes preferidos.
Muitos torcedores, porém se surpreenderam com tais palavras, pois, independente dos Diários Associados, continuaram assistindo aos jogos e vendo seus craques. Mas o jornal continua, e, sem “se mancar”, envereda pelo auto elogio:
A imprensa baiana e o público esportivo, QUE SOUBE COMPREENDER AS RAZÕES DO SILÊNCIO, deram assim um exemplo de unidade raramente observada em qualquer parte.
Debita a resolução da crise ao enviado da CBD, coronel João de Souza Carvalho, que teria conseguido que
os responsáveis pelo atual estado de coisas (no qual convenientemente se exclui) se afastam da direção das entidades desportivas com o compromisso de não mais se candidatar a reeleição para os postos que se encontravam ou outros
                        
As páginas do jornal se encheram de notícias do esporte logo no outro dia. Não nego que, na época, só consultava o jornal pra ler futebol. Até que enfim iamos poder ver nossos clubes na grande imprensa. Logo de saída fala de um quadrangular da paz entre Bahia, Vitória, Ypiranga e Botafogo, e, sem “se mancar” pois o Vitória era o legítimo bicampeão, de uma “Taça Bahia” pra indicar o representante baiano na Taça Brasil.

Por último, o EC Vitória volta aos jornais no dia 24 de novembro, depois de 21 meses e onze dias fora das páginas do Diário de Notícias em manchete na página esportiva:
Vitória vai enfrentar o Leônico
Mas, quis o destino que a notícia fosse errada, pois o jogo acabaria sendo adiado para o dia seguinte devido às chuvas. Dois dias depois sai o Quadrangular dos “bajuladores”, o Coronel Souza Carvalho, mais uma vez sem o Vitória, envolvendo Bahia, Galícia, Botafogo e Ypiranga. O pequeno público presente mostrou que os torcedores ainda iriam demorar pra entender que a crise havia terminado. O Bahia se classificaria para a final do torneio com o Galícia mas o jogo terminaria empatado em dois gols. O resultado é que isto adiaria ainda mais o início do segundo turno do campeonato de 1966.
No dia onze de dezembro o Galícia, surpreendentemente, venceria o torneio do coronel ao ganhar do tricolor por dois a um. Uma semana depois começaria o segundo turno com a participação de todos os clubes e a programação de jogos no Natal, Ano Novo e onde desse, pra recuperar o tempo perdido!

·       Agradeço as informações do Setor de Publicações Raras da Biblioteca Central do Estado, do site RSSSF Brasil e de Alexandre Ramos Ribeiro e Luciano Souza Santos. Sou grato também as imagens dos blogs:evandroesilvabr.blogspot.com, 15mindecafe.wordpress.com, knnap06.blogspot.com, professorwilliam e bahianoticias.com.br.

Nenhum comentário:

Postar um comentário