quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Um ano extraordinário !




·     Á Natal Silvany

O ano de 1952 deve trazer muitas lembranças pros mais antigos. Nele foram lançados os filmes Cantando na chuva, de Stanley Donen e Gene Kelly, e Umberto D de Vittorio de Sica. Foi quando as eleições presidenciais norte-americanas abriram espaço para o macarthismo, um subproduto da chamada guerra fria.  Mas o que fez esse ano realmente importante foi o fato da nossa Fonte Nova ter começado a funcionar, muito depois da sua “inauguração” simbólica. Mesmo assim ainda iria levar algum tempo pros clubes escaparem de jogar o campeonato no velho campinho da Graça.
O ano começa de forma chinfrim, com o EC Bahia comemorando seu aniversário de 21 anos num jogo (!) contra a aguerrida equipe do São João de Plataforma arrasando-a por oito a zero. No dia dezesseis de janeiro seria o clube da colônia espanhola que mostraria as garras: sete a um no querido São Cristóvão. O primeiro BA-VI do ano seria jogado na Graça no dia 27 ainda pelo campeonato do ano anterior. O clássico recolheria ás bilheterias a soma de 73 mil cruzeiros e terminaria empatado em um gol. Foi um tempo pra cada lado. Na primeira etapa só deu Vitória que coroou a sua apresentação com um gol de Bionga. Já na segunda fase a situação se inverteu passando a dar Bahia que dominou o jogo garantindo o empate através de Isaltino de pênalti Na preliminar, os aspirantes do tricolor ganhariam do rubro negro pelo escore mínimo, com outro gol de pênalti, agora de Pernambuco.
O jogo, porém, teve uma novidade: a presença no apito do juiz que viria a ser um famoso locutor carioca, Mário Vianna. É bem verdade que o Diário de Notícias não lhe daria muita colher de chá. Na ocasião observaria que “se saiu regularmente, apitando em excesso”. No entanto, admitiu que o árbitro “soube reprimir a violência e aí residiu o sucesso de seu trabalho”. Três dias depois o Ypiranga faturaria o terceiro turno ao ganhar do Botafogo por quatro a dois entrando com a vantagem do empate contra o Vitória na decisão.

Entrávamos num agitado mês de fevereiro. Três dias depois do dia consagrado a Iemanjá haveria eleições na FBDT, onde ocorreria a recondução do esportista Raimundo Correia ao cargo. E, com mais cinco dias, teríamos a grande final do campeonato quando auri negros e rubro negros empatariam em um gol. Era o único título do Ipiranguinha na era da Fonte Nova, mas não liberaram a Fonte Nova, o que fez com que o clube tivesse de ganha-lo nas acanhadas dependências da Graça. Na ocasião passava no Cine Glória o filme A vingança do destino, baseado no romance de Ernest Hemingway e estrelado por John Garfield. Carlito do Bahia e Juvenal do Vitória seriam os artilheiros do campeonato com doze gols. 
A seleção baiana, que tinha sido incluída pela CBD na região Sul (?), começa a treinar para a estreia no Campeonato Brasileiro de Seleções dirigida por Sotero Monteiro que manteve a base do clube campeão. A capital do estado se torna neste mês a Meca da música recebendo a inesquecível orquestra de Tommy Dorsey e a cantora Aracy de Almeida. Enquanto isto Winston Churchill anuncia que o Reino Unido possui a bomba atômica e a Organização das Nações Unidas começa a se reunir na sua sede permanente em Nova Iorque.
Em março iríamos assistir jogos incríveis entre baianos e paranaenses que já foram motivo de outro artigo neste blog. Os torcedores que lotaram a Fonte Nova tem duas decepções neste dia. Veem a falta de inúmeras obras para a conclusão do estádio e a sua seleção ser esmagada por cinco a um. O mundo caiu em cima do técnico e dos jogadores fazendo com que em Curitiba acabem ganhando o jogo e a prorrogação (5 X 2 no computo total) levando uma classificação que ninguém mais acreditava. Durante os preparativos da seleção o Vitória aproveitaria pra realizar um amistoso caça-níquel contra o Bahia ganhando por dois a um.  

Mas pouco adiantou o esforço da seleção baiana, pois, no mês seguinte, se passaria pelos catarinenses acabaria morrendo no Rio Grande do Sul. Nesta época os clubes não aguentam mais esperar as obras da Fonte Nova e vão às autoridades pedirem que o campeonato de 1952 seja disputado na Fonte Nova. Enquanto isto vão realizando um monte de jogos “caça níqueis” na Graça, a exemplo de um torneio que reuniu Botafogo, Galícia e a dupla BA-VI, ganho pelo primeiro com o comparecimento de público abaixo da crítica.
Nesta ocasião os ingleses fazem uma sacanagem com o São Cristóvão. É que o clube divulgou na imprensa que faria um jogo internacional no estádio da Graça com os tripulantes da fragata britânica Benghead Bay quando lançaria novos jogadores. Mas, no dia marcado para a partida, quatro de maio, só apareceria seu quadro B pra jogar a preliminar fazendo com que o simpático clube alvi negro baiano tivesse de arranjar de última hora os amadores do Vila Real pra não deixar os torcedores "na mão”. O resultado é que não houve novos jogadores e o time do padroeiro dos motoristas venceu com dificuldades por quatro a três.   
Uma semana depois começa o campeonato de 1952 com o torneio início sendo realizado ainda na Graça. Na ocasião o Botafogo seria outro clube sacaneado pelas autoridades. Ganharia este ano dois torneios, mas nenhum deles seria na Era da Fonte Nova. O da abertura do certame baiano registraria a vitória dos diabos rubros contra os tricolores por três a dois.  Mas ainda daria tempo para outro torneio-relâmpago caça-níquel onde Galícia e Botafogo, de forma surpreendente, eliminariam a dupla BA-VI.  Enquanto rubro negros e tricolores se recusavam a disputar o terceiro lugar e a preliminar o time azulino levaria a taça pra casa.
                                                                 É o proprio Jesus?
É por volta de junho que o novo estádio começa a ser liberado com certa regularidade. Mas pode também ter influenciado na decisão do governador Regis Pacheco fatores terrenos e extraterrenos. Naqueles dias chegou em Salvador à imagem de Nossa Senhora de Fátima. Ela tinha percorrido o mundo e veio a bordo do navio Alcântara da marinha Real Inglesa atraindo multidões para a porta da Igreja da Conceição. Nove dias depois aportava por aqui o presidente Getúlio Vargas que mereceria uma série de homenagens. O jornal Diário de Notícias se somaria aos seus críticos, mas na ocasião lhe daria praticamente toda a primeira página.
Nessa época estavam construídas a tribuna de honra e grande parte das arquibancadas, mas o DN calculava que ainda faltava 50% das obras. Os investimentos teriam sido até agora de vinte e cinco milhões, mas a obra toda já tinha subido de orçamento pra oitenta milhões. O estádio estaria com uma capacidade de 30 mil pessoas (!). A Companhia Construtora Nacional estava terminando a as pistas destinadas ao atletismo e estimava-se que o poço de isolamento do campo estivesse terminado em julho. Imaginem o campo sequer era isolado facilitando as constantes invasões!
Quanto às entradas do estádio só deveriam estar pronto durante o transcorrer do ano, sendo uma pela Fonte das Pedras, outra pela Avenida Centenário, e a última pela Rua Canizares. Anunciava-se que o estacionamento seria de 30.000 metros quadrados e ficaria localizado entre o estádio, o Dique do Tororó e aquela avenida.  A novidade era que, tendo em vista as constantes reclamações de torcedores e da imprensa, estava sendo construído um muro de contenção de quatro metros de altura para impedir a entrada de “elementos menos escrupulosos, no caso os penetras” (DN, 4/7/1952).

Antes do início do campeonato ainda deu tempo da FBDT promover uma importante temporada... a do América (PE) na Fonte Nova! O clube pernambucano estreia com uma derrota contra o Botafogo pelo escore mínimo e logo depois disputa um torneio do qual falaremos algum dia neste blog. O que nos interessa, porém, é a segunda rodada, quando o resultado interessava pouco o rubro negro, e ocorre o clássico BA-VI.
Quem foi naquele dia na Fonte Nova não podia acreditar no que estava vendo. Afinal o leão da Barra estava invicto na Fonte Nova contra ele e foi esmagado sem dó nem piedade por seis a um! Nem bem haviam decorrido vinte minutos e já estava três a zero, com gols de Claudinho, Carlito e Tóia, quando o rubro negro equilibrou o jogo. Mas a reação tardava e só veio no segundo tempo, após novo gol de Carlito, com um gol de Bionga e um pênalti perdido por Juvenal. A inspiração de Carlito, marcando mais duas vezes, liquidaria definitivamente com os rivais. Neste dia o tricolor se vingava da goleada sofrida quatro anos antes por sete a um em outro torneio, só que agora tinha Carlito do seu lado. 
Neste dia aziago para o rubro negro o Bahia jogaria com Leça, Dario e Bacamarte; Guiu, Ivon e Enoque; Gereco, Claudinho, Carlito, Tóia e Testinha. Já o Vitória passaria vergonha com Nadinho, Alírio e Joel; Eduardo, Alberto e Viana; Edson Chaves, Jaime, Bionga, Juvenal e Elias. O juiz foi o também famoso “Tijolo” (Carlos de Oliveira Monteiro) sendo que na preliminar o Vitória “salvou a cara” quando os seus amadores enfiariam oito a dois nos tricolores. A partida, porém, suscitou muita reclamação da imprensa. Teria havido invasão do público, motivo de ter sido apurada apenas uma renda de 95 mil cruzeiros. É mais uma critica em relação à Fonte Nova na época sendo que o jornal irá divulgar por certo tempo, dois públicos, o que foi computado e o estimado pelos confrades.
                                Na época ainda não havia separação das torcidas pela polícia
O campeonato já ia avançado e o Bahia já disparava do Bahia na frente, conquistando o turno em vinte de julho com uma goleada de cinco a dois sobre o Guarany. Aí a FBDT fez o que já adotara em outras oportunidades, cancelou partidas em função do desinteresse e prejuízo financeiro. Na ocasião programou um hexagonal para os clubes levarem alguma grana que foi chamado de “torneio extra”. Mas o certame não foi em frente. Morreu logo na primeira rodada, que além de não dar a renda que se esperava, registrou uma espetacular goleada do rubro negro no Galícia por seis a zero. Na ocasião, o Fluminense do Rio de Janeiro ganhava a Copa Rio, torneio que prefigurou o atual Campeonato Mundial de Clubes.
Fracassado o torneio o jeito foi fazer amistosos enquanto esperavam começar o segundo turno. Em um desses, no dia dez de agosto em rodada dupla, jogaram novamente BA-VI. Na preliminar o Ypiranga bateu o Botafogo por dois à zero. E, na principal, com uma renda fraca de 60 mil cruzeiros, nosso principal clássico empatou em dois gols. O tricolor jogou praticamente com o mesmo time que tinha vencido o rubro negro de goleada, com Bandeira, Dario e Nilton; Ivon, Guiu e Enoque; Gereco, Claudinho, Carlito, Tóia e Isaltino. Já o Vitória atuou com cinco alterações, Periperi, Alírio e Joel; Eduardo, Evilásio e Pinheiro; Tombinho, Jaime, Juvenal, Elias e Edson (Viana).
O segundo turno começou cinco dias depois mostrando um Bahia com o mesmo ritmo: cinco a um no São Cristóvão, no mesmo dia em que se inaugura em Salvador a casa de assistência Mansão do Caminho. O Ypiranga excursiona ao Ceará e o Bahia a Alagoas em setembro. Anuncia-se agora, com muita expectativa, o novo BA-VI, agora pelo campeonato. A diretoria e a torcida dos leões sabiam que tinham que parar a campanha vitoriosa do tricolor.

      Olhem uma das raras fotos da Fonte Nova antiga! 

Tomaram todas às providencias pra ganhar em campo e nas arquibancadas. O juiz foi um inglês, Mister Sidney Jones. Mas o Diário de Notícias novamente não se fez de rogado com juízes de fora. Considerou que o mesmo teve má atuação, “não demonstrando superioridade sobre os nossos apitadores”. O duelo das arquibancadas foi, pela primeira vez, mais interessante que o travado no gramado. A Fonte Nova nunca tinha visto tal festa, quando a inchada rubro negra compareceu uniformizada, cobriu o estádio de fogos, e levou uma orquestra que tocou as musicas populares da época. Surgiam as torcidas modernas no Brasil e sob o comando de Natal Silvany.
Ao final este esforço seria recompensado, um a zero para o rubro negro gol de Edson para o qual teria contribuído o goleiro Leça. O DN ainda observou que houve um pênalti de Grilo em Viana não marcado pelo juiz. A renda foi uma das maiores do ano, 142.995,00, e na preliminar os quadros de aspirantes dos clubes ficaram no empate em dois gols. O Vitória formou com Periperi, Alírio e Joel; Eduardo, Evilásio e Bombeiro; Edson, Jaime, Juvenal, Viana e Tombinho. Já o Bahia esteve com Leça, Dario e Nilton; Guiu, Ivon e Grilo; Gereco, Patrocínio, Carlito, Tóia e Claudinho. O rubro negro acabaria levando mais tarde o segundo turno ganhando a partida contra o Galícia por três a um.
Já perto do final do ano, enquanto se esperava o terceiro turno, o Bahia organiza um torneio, agora entre Bahia, Vitória, Ypiranga e Curitiba. A primeira rodada é muito disputada, mas os visitantes derrotam o rubro negro pelo escore mínimo, enquanto empatam sem gols aurinegros e tricolores, com a novidade desta última peleja ser apitada pelo espanhol Sastre que também era técnico do Galícia.
                                              Foto rara da excursão do Bahia a Maceió
Mas o que importa mesmo é a segunda rodada onde jogariam de novo Bahia e Vitória. O rubro negro quase não tinha chance de faturar a taça de modo que promoveu diversas substituições durante a partida. Mas isto não é suficiente pra explicar o que aconteceu, vingança em dobro! Enquanto o Ypiranga ganhava do Curitiba por dois a um o Vitória, sem festa nem fogos, era novamente esmagado pelo Bahia por seis a um. Agora a festa seria na horta dos ex-leões com dois gols de Dario de pênalti, dois de Carlito, completando Antonino e Gilberto Fialho. Foi ás duras penas que Tombinho marcou, também de pênalti, o “gol de honra”.
Desta vez até o DN reclamou: o rubro negro realmente era um time surpreendente, para o mal e para o bem. Formou assim: Periperi, Alirio e Joel; Eduardo, Evilásio e Bombeiro (Viana); Tombinho (Edson, Vivaldo), Otonei (Jaime), Juvenal (Tombinho), Viana (Elias) e Deco (Tombinho, Dedó). Enquanto o Bahia atuou com Bandeira, Mascarenhas e Dario; Ivan (Agostinho), Guiu e Nilton; Patrocínio, Maneca (Claudinho), Carlito (Fialho), Tóia e Antoninho. Na última rodada do torneio o rubro negro faria ainda o favor ao Bahia de empatar sem gols com o Ypiranga enquanto o tricolor ganhava de dois a um do Curitiba obtendo lucro com o torneio e ficando com o título que já contamos com mais detalhes em outra ocasião neste blog.
Pouco depois começaria o terceiro turno quando o Vitória ganharia do Botafogo por quatro a dois e o Bahia colheria um surpreendente resultado ao empatar sem gols com o São Cristóvão. O ano ainda não havia acabado quando reservaram outra surpresa pro torcedor marcando o único jogo que consegui apurar no dia de Natal na Fonte Nova! Era demais, uma completa falta de respeito com as datas cristãs. Mas não se sabe de nenhuma reclamação da Arquidiocese de Salvador.
Quase que o Bahia é castigado por incorrer em pecado. O Guarany abriu o placar e manteve o resultado durante todo o jogo só nos minutos finais é que o tricolor “viraria” pra dois a um com gols de Antoninho e Testinha. Três dias depois seria a vez de Vitória e Galícia abusarem do período reservado para as festas de fim de ano quando o primeiro venceu pelo mesmo escore com gols de Juvenal contra o de Mituca de pênalti. 

·    Agradeço as informações do Setor de Publicações Raras da Biblioteca Central do Estado e do site RSSSF Brasil.Sou grato também às imagens do site Museu do Futebol e dos blogsofutebol.com.br,futeshop.blogspot.com,cinepop.com.br,dincao.com.br e supersquad.wordpress.com. 

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