terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A Fonte Nova, a imprensa e a grande crise do futebol (I)

                                                         A crise baiana no mundo!     

Gente, vou abordar hoje um assunto que muitos já ouviram falar, embora haja uma série de mitos e versões fantasiosas: a crise que abalou o futebol baiano entre 1965 e 1966. Bem, vamos começar. Em 1964 o Brasil foi abalado por uma intervenção militar que viria pra durar 21 anos. O golpe atingiu a Bahia afastando centenas de pessoas de seus empregos, prendendo e matando outros, destituindo políticos, sindicalistas, dirigentes de entidades e instituições,e, como não poderia deixar de ser, iria afetar também o futebol.
Quem se debruçar sobre a história do nosso futebol vai encontrar diversas crises. Algumas são verdadeiros golpes e se encontram desde o surgimento do esporte “bretão”. Antes mesmo que a que vamos contar  sucedesse haviam ocorrido outras de substancial gravidade, inclusive envolvendo a imprensa. Em uma delas o pivô da crise foi o mesmo da de 65/66, o jornalista Cléo Meireles, que foi agredido por policiais no gramado do estádio da Fonte Nova. Em outra foi o futuro presidente da ABCD Moacir Nery quem foi agredido pelo próprio presidente da federação, o coronel Bendocchi Alves.
Estes dois episísódios porém, não viraram crise. Nas ocasiões o comportamento dos Diários Associados foi o de exigir do comando militar a punição dos que participaram da agressão, e agir, principalmente nos bastidores, pra transferir da Bahia o coronel. O que fez a crise que abordaremos ser a maior de todas foi à reação desproporcional da imprensa.


Muitas perguntas podem ser feitas nesta crise. Os dirigentes do grupo jornalístico avaliaram mal o apoio que tinham? Os dirigentes do Vitória e da federação estavam bem articulados? Pesou o fato do escândalo envolver membros do Lesgilativo? Os políticos da época não quiseram realmente intervir? A entrada do capital estrangeiro nas comunicações, que "rolava" na época, enfraqueceu a imprensa? Ou foi tudo isto?  Deixo com voçês a resposta.  

O campeonato estadual de 1964 começou logo em 12 de abril, quando havia muita gente presa em Salvador. O Vitória saiu na frente e ganharia o título do turno no início de agosto de forma antecipada graças ao empate entre Leônico e Ypiranga sem gols, fazendo com que o BA-VI final (1 X 1) fosse apenas pra cumprir tabela. O segundo turno começou no mês seguinte e o rubro negro não havia perdido até o início de novembro quando é derrotado pelo Galícia (2 X 0).
Mais ou menos por volta desta época começa a surgir na rádio baiana, encampada por Cléo Meirelles, a denúncia de um que um jogador rubro negro estaria irregular (o que depois não se confirmou) e que o clube iria perder pontos. O pior aconteceu quando o radialista sofrendo uma injustificável agressão num ônibus. A ação foi atribuída aos deputados Ney Ferreira e Henrique Cardoso (o "Henriquinho”) presidente e diretor de esportes do EC Vitória.
As emissoras e os jornais do grupo Diários Associados, do empresário Assis Chateaubriand, saíram em defesa de seu empregado, no que foram acompanhados por outros veículos de imprensa. Mas a ação que veio a seguir, nos primeiros dias do ano de 1965, elevou a temperatura da crise, que por enquanto, estava mais ou menos circunscrita a um inquérito que corria na Primeira Delegacia. No dia cinco de janeiro merece manchete de primeira página do Diário de Notícias:
                                                  Foi como o torcedor ficou com a crise

Ney Ferreira e seus bandidos invadem “Associados” para matar os diretores
O jornal ocupa nesse dia toda a sua primeira página com o relato de uma invasão que teria ocorrido da sede de um dos jornais do grupo com a intenção de encontrar o diretor Paulo Nacife. A “família associada” estava atingida. A invasão teria sido perpetrada “pela mesma quadrilha que tentou matar o radialista Cléo Meirelles”. A agressão no ônibus foi transformada pelo jornal, assim, em tentativa de assassinato.  O motivo era
fazer a imprensa e o rádio baianos, não intimidados com o crime, sob o mando protetor da imunidade parlamentar.
O assunto ocupa as primeiras páginas do DN durante vários dias onde se exigia providencias de órgãos e instituições e divulgava atitudes daqueles que apoiavam as suas posições. Na época a federação era dirigida pelo Bel. Renato Reis e o próprio general presidente do Conselho Nacional de Desportos-CND Elói Menezes comparece a Bahia. Times do Sul teriam cancelado temporada na Fonte Nova durante a crise que coincide com a agonia do político inglês Winston Churchill.
                                                       O Vitória era o "inimigo público"

]As iniciativas dos Diários Associados e as providencias das autoridades parecem, destinadas ao êxito. Já falei do inquérito e, neste período, é determinada uma intervenção no EC Vitória. No entanto, passadas duas semanas, nem o processo policial progride nem o interventor consegue entrar na sede rubro-negra que se encontra fechada. Na oportunidade o jornal divulga que seria realizado um festival de futebol para definir o representante baiano na Taça Brasil.(pra que então serviria o campeonato baiano?).
Alguns clubes não perdem a oportunidade em tirar dividendos da crise. Organiza-se logo tal Torneio Lomanto Jr.(naturalmente sem a participação do Vitória) e o Bahia aproveita a ocasião pra fazer amistosos com clubes do Sul. O primeiro a vir é o Corinthians que cai sob o tricolor em 31 de janeiro por dois a zero. (Um dia depois a crise atinge a FBF em função da reeleição do candidato oficial Degrimaldo Miranda, atual presidente do SMTC mas que anos antes, havia sido presidente do EC Vitória).

O Bangu chegaria à Bahia especialmente pra jogar contra o tricolor, ganhando a primeira e perdendo na revanche, ambos pelo escore mínimo. No dia treze o CND, tendo em vista o impasse, suspende todas as atividades futebolísticas no Estado da Bahia, “até a solução do impasse surgido com o EC Vitória”, pelo menos é assim que a coisa é colocada pelo Diário de Notícias. Na oportunidade o general-presidente passa um telegrama para o governador Lomanto Junior pedindo a sua interferência na questão.
É o álibi que os Diários Associados queriam pra deixar de falar do EC Vitória. A decisão do grupo empresarial, logo estendida, a todos os órgãos de imprensa local, só teve exceção com o corajoso Esporte Jornal, de Luiz Eugenio Tarquínio e Fernando Protázio que passaram aos poucos a se tornar a alternativa, num primeiro momento para os torcedores do rubro negro, mas, logo a seguir pra todos os que gostavam de futebol.

Dias depois o DN aderia a “firme decisão” da FBF de sustar a programação de jogos oficiais na Fonte Nova, embora continuassem ali a ocorrer amistosos de todo tipo, á exceção, naturalmente, os do EC Vitória. Continuava por exemplo, o caça níquel também chamado de Torneio Lomanto Junior, e, cinco dias após a decisão pomposa do CND o Náutico viria ao estado empatando em dois gols com o tricolor para um público de pouco mais de seis mil pessoas, o que já constituía um indicador de que a crise chegava aos torcedores.
O carnaval coloca um pouco de agua fria na fervura mas, passadas a festa, ela volta a se manifestar. No dia oito de março Gilberto Gil se despede da Bahia com um show no Teatro Vila Velha indo trabalhar na Gessy Lever e morar em São Paulo.  Dois dias depois é decidido o tal torneio que leva o nome do governador com o tricolor assestando uma esdrúxula goleada de seis a zero no Leônico vice-campeão do primeiro turno.
                                                       Lá se vai o dinheiro do futebol...

O campeonato estadual recomeça uma semana depois. Logo depois da ditadura militar anunciar que “não teme eleições diretas”. O CRB vem ao estado sendo derrotado na Fonte Nova pelo Ypiranga pelo escore mínimo num jogo que se constitui em fracasso financeiro já que foi assistido por apenas duas mil e quinhentas pessoas. Nesta ocasião a FBF indica novo interventor do Vitória, desta vez o Sr. João Alfredo Quadros, o que faz com que, pelo menos durante alguns dias, volte a se falar do Vitória no DN, embora apenas nos que concerne à intervenção. Anuncia-se que o Flamengo teria desistido de jogar em Salvador.
No fim do mês, enquanto o Bahia despacha o Leônico do segundo turno ao ganhar de dois à zero, o Palmeiras arrasa o Santos por sete a um no dia do aniversário da “revolução”. Nesta época o regime anuncia que debelou um foco rebelde (na verdade uma tentativa organizada do Uruguai por alguns exilados) e, ato contínuo, pressiona o Uruguai a expulsar o refugiado Leonel Brizola.


O mês de abril se inicia com a ida de uma comissão ao Rio de janeiro para tratar da crise, enquanto isto o Bahia negocia Gilson Porto para o Santos.  Enquanto isto o DN divulga...o Torneio Rio-São Paulo. Não se passa um dia sem que os clubes do Sul não tenham manchetes nas páginas esportivas divulgando as mumunhas deste certame, num evidente desserviço ao futebol baiano. E, finalmente, no mês de maio, se verifica a decisão do Campeonato Baiano.
O Bahia havia se preparado melhor para a decisão, inclusive por estar jogando constantemente e feito amistosos. Neste mês, por exemplo, enfrentaria o Santos, em jogos em Ilhéus e, como revanche, na Fonte Nova. Mas os jogos seriam um desastre tendo o tricolor caído de seis a um para o peixe na região do cacau, e, por três a um na Fonte Nova.

                                  Castelo Branco, o general-presidente de plantão na época

Foi à primeira vez na história que os jornais não noticiaram um BA-VI. Na ocasião, após uma vitória para cada lado, o rubro negro, pra decepção de grande parte da imprensa, recupera o título após sete anos, derrotando o seu arquirrival por dois a um, aliás a mesma contagem dos três jogos.  Os jornais, rádios e televisão ignoraram o título do Vitória mas a torcida não estava nem aí. Eu mesmo comemorei a valer, inclusive sendo a única vez em minha vida que cheguei bêbado em casa.
O clima de crise, no entanto, havia se espalhado pelos torcedores pois, apesar de milhares de presentes, o público poderia ter sido bem superior. Nesse mês ainda a CBD recusa convite para a seleção brasileira jogar na Bahia e o DN divulga com estardalhaço que o Palmeiras era o virtual campeão do Torneio Rio-São Paulo após derrotar o São Paulo por cinco a zero em tempos de intervenção brasileira na República Dominicana.
Em junho os jornais puderam ocupar suas páginas esportivas com a realização do Miss Brasil no Ginásio Antônio Balbino.  Mas nesta estava até o pessoal de lá de casa que chegou cedo pra ver Marilda Mascarenhas da Associação Atlética ser eleita representante da Bahia no Miss Brasil. Começava o Campeonato Baiano de 1965 que, mesmo com todo o boicote da imprensa, seria o último certame equilibrado que tive a ocasião de presenciar.
                                           "Bob" e Ethel Kennedy viriam a Bahia em 1965
                                            mas não tiveram coragem de se meter na crise! 

O governo anuncia que os funcionários públicos não terão aumento neste ano e o Bahia volta a superar a “proibição” de jogos, trazendo o Fluminense do Rio de Janeiro (pra perder por dois a zero) e o Vasco da Gama, no dia de São João (perdendo de novo, agora por três a zero).
Na ocasião o jornal Estado da Bahia era ainda mais “radical” do que o DN. Em julho mostrava imagens do planeta Marte e do futebol do Sul em suas manchetes. Ali parecia até que os clubes baianos não atuavam excetuando apenas os amadores. A promoção do amistoso Bahia X Palmeiras teve que ser paga dada a fidelidade com que cumpria o boicote que há muito tempo não era mais ao Vitória mas ao futebol baiano. Em meados do mês voltou-se quase que exclusivamente para as Olimpíadas Baianas da Primavera (lembram-se?).


Foi a gloria pros colégios da Bahia que todo dia estavam na “crista da onda” ocupando as manchetes de jornal como se os jogos amadores que fizeram fosse à coisa mais importante do mundo. Fala-se que 70.000 pessoas estiveram presentes na abertura dos jogos em 12 de agosto na Fonte Nova, num mês onde as únicas exceções da cobertura esportiva estiveram com a vitória do Fluminense de Feira de Santana contra o Juazeiro em Petrolina (3 X 1) e os distúrbios raciais em Los Angeles.
Em outubro, enfim, divulga o amistoso ocorrido na Fonte Nova entre os dois Botafogos, o da Bahia e o do Rio de Janeiro, que não podia terminar diferente que num empate em um gol. Na próxima semana, porém, tem que falar da política pois “o pau come solto” e se anuncia a presença da polícia nas dependências da Universidade de Brasília, e que uma lei dos cassados é aprovada no Congresso estabelecendo medidas especiais para os já punidos pelo A.I.-1.
Na ocasião alguns times conseguem espaço pra os seus amistosos no interior que eram uma tentativa de jogar e escapar da falência. Enquanto isto o jornal Estado da Bahia anuncia a realização da festa do box baiano no “Balbininho” com a presença de Augêncio Almeida exatamente quando a FBF começa uma luta pra reduzir as taxas cobradas pela Prefeitura na Fonte Nova. Foi no fim de novembro que chegou o irmão de Jonh Kennedy na Bahia.
                                                       (CONTINUA AMANHÃ)

·   Agradeço as informações do Setor de Publicações Raras da Biblioteca Central do Estado, do site RSSSF Brasil e de Alexandre Ramos Ribeiro e Luciano Souza Santos. Sou grato as imagens dos blogs:microfone.joz.br,tooaugustinhodonin.seed.pr.gov.br, adriano1000.blogspot.com e bloglibri.wordpress.com.  







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