terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A Bahia em guerra...contra o Paraná!

                                                    A batalha de Pirajá de Carybé                                            

O futebol tem jogos antológicos. Entre outros menos votados ficaram famosos o jogo Brasil X Uruguai no Maracanã (quando perdemos a Copa do Mundo de 1950) e a Batalha dos Aflitos (onde o Grêmio conseguiu subir para a Primeira Divisão). No entanto, não se fala sobre os confrontos espetaculares que a Fonte Nova participou. Hoje eu vou falar de um, que aconteceu na estreia de baianos e paranaenses no Campeonato Brasileiro de Seleções de 1952 e que se constituiu em uma verdadeira batalha, ocorrida cem anos depois daquele território ter se desmembrado de São Paulo e quarenta anos após se iniciar a Guerra do Contestado. Na ocasião a imprensa baiana apelou pro legado histórico-emocional do Dois de Julho pra passar pelos paranaenses.   
Durante todo o primeiro semestre do ano de 1952 a Fonte Nova, apesar de inaugurada em janeiro do ano anterior, pouco funcionou. É que, como já informei em outros artigos, a inauguração foi simbólica, faltando um monte de obras pra acabar o nosso estádio. Nesta época, haviam jornalistas que não sabiam o que fazer. Como não lhes era permitido criticar o governador Regis Pacheco, que pouco interesse mostrava na construção, acabavam reclamando pontualmente de alguma coisa.
Naquele ano o EC Bahia comemoraria seu aniversário de fundação goleando por oito a zero a equipe do São João de Plataforma, “clube tradicional do subúrbio”, segundo o afâ do Diário de Notícias em promover a empreitada. Nove dias depois o tricolor disputaria contra o Ypiranga suas pretensões no terceiro turno, perdendo por três a zero. Dois dias depois chegava o vice presidente Café Filho na Bahia sendo entusiasticamente recebido pelas elites locais, e pelo Diário de Notícias, que dedicou aos seus compromissos várias páginas diárias. No Rio de Janeiro o Fluminense sagrava-se campeão derrotando o Bangu na final com dois gols de Telê Santana.
                                            A reconquista da Bahia de Juan Bautista Maino 
O Galícia anunciava que traria Artur Frienderich para ser seu técnico ao tempo em que Mário Vianna era confirmado como juiz do clássico BA-VI. O árbitro saiu-se apenas “regularmente”, no jogo que resultou em empate em um gol, sendo a renda de 73.000,00 bastante inferior a que poderia ser auferida na Fonte Nova.  Três dias depois o Ypiranga aplicaria quatro a dois no Botafogo liquidando praticamente o terceiro turno em seu favor.
Até então os jogos eram realizados no acanhado campo da Graça. Esta situação iria envolver inclusive a decisão do campeonato do ano anterior entre Ypiranga X Vitória, o que constituiria uma desfeita com o clube canário que assim não pode comemorar seu único título obtido na era da Fonte Nova. Talvez o clima eleitoral na FBDT tivesse contribuído para isto, de forma a que não atrapalhasse a recondução de Raimundo Correia para o cargo em cinco de fevereiro. De todo modo seria naquele bairro que o campeonato se decidiria cinco dias depois.
Acabado o campeonato baiano, alguns clubes fazem amistosos, outros viajam em temporadas, e a seleção baiana começa a treinar para estrear no Campeonato Brasileiro de Seleções. Um BA-VI com pouco público verifica a vitória do rubro negro por dois a um, enquanto a cantora Aracy de Almeida chega à Bahia pra cantar pela PRA-4(Rádio Sociedade). Pouco depois os clubes foram em romaria ao novo governador pedir que o próximo certame fosse disputado na Fonte Nova. Mas ainda demoraria meses pra que isto acontecesse.    
                              Olhe aí também o povo do Contestado preparado para a luta!

Durante este certame, a depender dos interesses da CBD, a Bahia era colocada nas mais esdrúxulas regiões. Nesse ano faria parte da Quarta região, a do Sul (sic!), tendo as primeiras partidas sido contra os paranaenses no mês de março. A seleção faria vários treinos contra clubes da capital e parecia estar bem preparada sob o comando do técnico campeão baiano, Sotero Monteiro.
Em março teríamos duas importantes visitas, a da seleção do Paraná, mas também a da formidável orquestra norte-americana de Tommy Dorsey. Mereceria manchete de primeira página do Diário de Notícias. Passaria três dias em Salvador, onde se apresentaria no Cassino Oceania, no Baiano de Tênis e no Instituto Normal (chamado atualmente de ICEIA). O negócio era chique mesmo, exigindo-se no segundo traje passeio para os homens. Menos de quatro anos depois o mundo ficaria sem sua genialidade musical.
Cinco dias depois os paranaenses pisariam em solo baiano. O jogo só seria no dia 16, no entanto, aproveitaram aqueles dias para fazer o reconhecimento do gramado da Fonte Nova (coisa que nem os clubes baianos podiam) e realizar treinos coletivos. O Vitória, estranhamente, se prontificou a servir de sparring dos paranaenses que esconderam o jogo como podia. Dividiram a sua seleção entre A e B e colocaram a segunda pra fazer o jogo-treino contra o rubro negro que contava com jogadores na seleção baiana. O resultado foi enganoso para os baianos que ganharam por dois à zero, gols de Lídio e Nouca. Mas logo depois o time A enfrentava o time B reforçado com alguns jogadores do leão da Barra e ganharia pelo mesmo placar sem aplicar-se demasiadamente em campo.
A seleção baiana ainda treinava e, pouco antes do jogo, o técnico Sotero Monteiro, havia dispensado o jogador Mituca, com quem teve entrevero nos treinos.
A Fonte Nova reabriu especialmente pra partida entre as duas seleções. No dia do jogo o DN colocou a manchete
Avante bahianos
Nesse dia passava no Cine Liceu o drama Terra em fogo estrelado por Cary Grant e José Ferrer. Os baianos acorreram em massa ao espetáculo que teve o maior público desde a inauguração (segundo o DN 35.000 pessoas), que, porém, foram saindo desde os dez minutos do segundo tempo quando se consumava a vergonhosa goleada dos baianos por cinco a um. Juvenal fez o tento dos baianos, contra os de Leônidas (3), Afinho e Miltinho.
Naquele tempo não dava pra acreditar no público divulgado e que levou as bilheterias da Fonte Nova uma renda que somou 334.000 cruzeiros e fração. Na preliminar jogaram Periperi X Fiais registrando dois a zero para os primeiros. A Bahia foi formada com metade do time do Ypiranga, Periperi, Pequeno e Bacamarte; Augusto, Guiu e Raimundo; Raimundinho, Nouca, Juvenal e Isaltino. Já o Paraná jugou com Nivaldo, Fedato e Aurélio; Arnaldo, Hugo e Wilson; Cordeiro, Miltinho, Leônidas, Afinha e Renatinho.
                                                      O povo de Canudos participaria?
O que ocorreu depois foi o diabo! A imprensa baiana “caiu de pau” na seleção. A culpa principal do fracasso foi debitada ao técnico Sotero Monteiro (conhecido como "raposa" dado a sua matreirice) embora sobrasse para muitos jogadores. Pra o DN somente Isaltino teria se salvado da debacle. Pra vocês terem uma ideia damos algumas manchetes e comentários do jornal:
Humilhada a Bahia esportiva (manchete)
Lerdos em campo levaram-nos á debacle completa (...). Foi ele(Sotero) o autor intelectual da derrota dos bahianos. Não perdemos para o Paraná (!), perdemos para Sotero. Se os craques nada fizeram em campo, é porque estavam cumprindo ordens emanadas do personagem que, como a imitar Nero (aí pegou pesado!), que queria aparecer na história (...) inclusive incendiar Roma. 
Antes do jogo em Curitiba “rolou” de tudo na imprensa baiana só temperadas por uma ou outra notícia. Logo depois do jogo o general Góes Monteiro conseguiu ocupar um certo espaço falando das más condições da área militar, mas foi quase só. A imprensa era uma preocupação com o que poderia acontecer no Paraná. Chegou a comparar a situação com o desastre de 1944 quando os baianos perderam em Recife por nove a um! O enxame contra Sotero vez logo a primeira vítima, pois este sequer viajaria com a delegação. A FBDT convocaria novos jogadores e reconvocaria Mituca.
No dia 21 de março, o DN pergunta “Que faremos agora?” No outro dia chega a chamar a seleção de “suicida” em sua edição de 22 de março, quando o Cine Pax passa a comédia O meu dia chegará, com Zé Trindade. Pela leitura dos jornais da semana se percebe que ninguém acreditava na seleção. No máximo se buscava levantar a moral dos jogadores para uma reabilitação. Mas isso foi na véspera, quando pararam de “jogar merda no ventilador”, e falam de forma piegas que
a fibra, o entusiasmo e o amor à Bahia, serão nossas armas. 
O time da seleção baiana entrou em campo quase totalmente modificado. O goleiro era Leça do Bahia. Na zaga só tinha ficado Raimundo I do auri negro, sendo as demais vagas ocupadas por Orlando Maia e Ivon. E o ataque sofreu uma verdadeira revolução, formando com Jereco, Mituca, Antônio Mário, Israel e Isaltino.
Naquele tempo não tinha esse negócio de gols de saldo ou gol fora de casa. Assim, os baianos tinham que ganhar a partida no tempo normal por qualquer escore levando a classificação pra uma prorrogação de trinta minutos, que era entendida como um outro jogo. Aí, se ganhassem a mesma passariam para enfrentar Santa Catarina.
O que aconteceu em Curitiba é coisa que até Deus duvida! Aos treze minutos os baianos já ganhavam por três a zero.  Aposto que na Bahia ninguém respirava colado no rádio. Mas, aí os paranaenses acordaram e começaram a pressionar Leça que estava em grande dia. Antes do fim do primeiro tempo Cordeiro diminuiu o placar. No segundo tempo os locais foram pra cima, mas a contusão do zagueiro Nelson esfriou bastante os ataques paranaenses. Mesmo assim Afinho faria o segundo gol. Agora teria uma prorrogação pra saber quem passava.   
Dizem os enviados baianos que o clima engrossou. Que os torcedores estavam atirando tudo que viam no campo. Mas aí foi o “indesejável” Mituca que começou o seu show particular, assinalando o primeiro gol logo aos três minutos, passando os baianos a se defender. Bem que os paranaenses tentaram reagir no segundo tempo da prorrogação, mas aí foi expulso Hugo deixando sua equipe com nove homens. Mituca, de novo e há alguns minutos antes do final, daria o golpe de misericórdia nos locais, assinalando o segundo gol baiano. Na soma do resultado cinco a dois para a Bahia. Ninguém em sã consciência poderia prever um resultado deste.
                                                           A heroína Maria Quitéria

O DN estava de alma lavada. Chegou a comparar esta vitória com as ocorridas no Dois de Julho.
Colheu a Bahia a reabilitação que o povo esperava (manchete)
Onze craques voluntariosos reergueram o nosso prestígio.
Tremulou vitorioso, em terras longínquas, o pavilhão da Bahia, quando diminutas eram as possibilidades de êxito de nosso selecionado (...). Mas se eram escassas as nossas possibilidades de êxito, o amor, o sangue, a fibra, o entusiasmo, enfim, todas as virtudes que caracterizam os bahianos, estavam, em excesso, abrigadas no coração daqueles heróis, como a relembrar a epopeia do Dois de julho, quando a Bahia viu-se livre do jugo português.
                                                  E os 300, se meteriam nesta nova luta?

Foram ainda usadas outras palavras e expressões para se referir aos nossos “craques”. A vitória seria fonte de baianidade. Uma epopeia escrita com sangue (!), suor e lágrimas. Uma prova do “senso de responsabilidade” dos atletas (que, aliás, havia sido assacado no primeiro jogo). O resultado é que, em apenas uma semana os jogadores passaram de covardes a heróis.
Quanto ao selecionado baiano, "símbolo da epopéia do Dois de Julho", ainda passaria por Santa Catarina, mas sucumbiria ás margens do Rio Guaíba contra a seleção do Rio Grande do Sul. Mas, tal como Tommy Dorsey, em sua musica I cant dream cant I, continuam perguntando: Eu posso sonhar, não posso?

·         Agradeço as informações do Setor de Publicações Raras da Biblioteca Central do Estado (Coleção Diário de Notícias) e do site letras.terra. com.br. Sou grato também as imagens dos blogsfillodagaliciadobrasil,risorico.blogspot.com,correio24horas.com.br,peregrinacultural.worpress.com, parana-online.com.br, defesabr.com e herencialatina.com. 

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