domingo, 23 de janeiro de 2011

O sorriso do lagarto


Hoje é aniversário de setenta anos do escritor João Ubaldo Ribeiro. E também de pouco mais de vinte anos de minha querida sobrinha Raphaella Avena a quem mando um beijinho. Atenção, o beijo é pra Rafa e não pra João Ubaldo! Não tenho essas intimidades com ele. Quando entrei na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA ele já tinha saído. Ainda não era conhecido como escritor só como um bom professor e coordenador de curso. Na época tive boas referências dele com pessoal de Ciência Política, de forma que me interessei por suas obras. Hoje me delicio com suas crônicas no jornal A Tarde do qual sou assinante.
Mas o motivo de nossa crônica de hoje é a relação de João Ubaldo com o futebol profissional. Acho que ele fez mais pelo futebol que muitos dirigentes esportivos. Ora, todo mundo conhece os “babas” de Itaparica e sabe que escreveu um romance homenageando o principal dia de futebol Sempre aos domingos. Tudo isto já seriam motivos suficientes para aqueles terem mais consideração pelo dia de seu aniversário.
Fiz um levantamento do que aconteceu no esporte baiano nestas datas e a coisa não é nada favorável ao nosso grande escritor. Descobri que o seu aniversário nunca foi comemorado na nossa Fonte Nova! Acredito que João Ubaldo não vai conseguir dormir com esta informação. Naturalmente, nossos dirigentes devem ser muito cultos e aficionados pela literatura brasileira, assim sempre fizeram muita falta entre os leitores do nosso escritor. Mas em todo caso, só por curiosidade lá vai.
Nosso personagem morava em Aracajú quando completou três anos. Nem pensava em ser um famoso escritor, assim não pode se queixar da federação. Mas mesmo assim marcaram jogos no dia do seu aniversário no antigo campo da Graça. Foi uma rodada até de certo prestígio pois dela tomaram parte três dos principais candidatos ao título, Bahia, Vitória e Ypiranga.
Mas as coisas não saíram como mandava o figurino. O rubro negro até que fez o seu papel ganhando do Guarany por quatro a dois mas empurrou os “índios” para a lanterna. E, na partida principal, o tricolor fez uma verdadeira... (posso dizer um palavrão?) sacanagem com João Ubaldo não comparecendo a campo e perdendo por WO. Espero que não se pense que a culpa foi do nosso personagem. É que o Guarany já vinha bem ruinzinho e, como o nosso querido autor sempre aborda temas inéditos, tinha que ocorrer em seu aniversário alguma coisa diferente: um dos poucos WO da história dos clássicos do Campeonato Baiano!
Dois anos mais tarde, três dias depois de completar cinco anos, nosso autor continuaria azarando o pobre Guarany que foi derrotado pelo Ypiranga por três a um, embora não conseguisse reverter o quadro da decisão onde os “índios” conquistaram seu primeiro e único título de campeão baiano.

Passariam  alguns anos pros dirigentes lembrarem de novo do querido escritor baiano, que tinha voltado a morar na Bahia e completava agora onze anos. Neste dia marcaram um jogo deveras importante, Ypiranga X São Cristóvão, o qual o mais querido venceria por dois a zero. Será que o autor declinou a sua condição de ipiranguense? Que já trabalhou como motorista pra escolherem o santo padroeiro da categoria pra ser o sparring? Em todo caso não esqueçamos que o Ipiranguinha obteria alguns dias depois seu único título na Era da Fonte Nova num eletrizante jogo contra o Vitória que terminaria empatado em um gol. As partidas, entretanto, não mereceriam prestígio, sendo jogadas no campo da Graça.
Com a consolidação do belo estádio da Fonte Nova e o dinheiro entrando no futebol baiano os dirigentes esqueceram de João Ubaldo por muitos anos. João aproveitou pra se dedicar ao jornalismo, estudar Direito, e editar jornais e revistas. Em 1964, graças a Deus, foi fazer sua pós-graduação nos Estados Unidos, mas estaria de volta, no ano seguinte, a tempo de presenciar a nova “homenagem” aos seus 24 anos.
Mas aí, me desculpem, foi uma autêntica lembrança de grego(se é que isto existe) pois a ditadura militar estava próxima de celebrar seu primeiro aniversário e João estava mais preocupado em ensinar na UFBA. Na ocasião o Ypiranga seria novamente chamado para protagonizar o evento esportivo de 23 de janeiro de 1965, e mais uma vez seria vitorioso, quatro a dois contra o Botafogo, com dois gols de Alencar e mais dois de Paraná, contra os de Arivaldo e Nilo para o alvi rubro.                                

Acho que a “homenagem” fora de hora, de época e de lugar atritou as duas partes. João Ubaldo se afastou do futebol ou este se afastou dele? Não sabemos, provavelmente nunca saberemos! Mas há pelo menos uma pista. É que João editou mais dois romances nos anos setenta, Sargento Getúlio e Vence cavalo e o outro povo e conta-se que os dirigentes esportivos tomaram a carapuça do que ele contou neste último.
Os anos da ditadura estavam quase passando quando João lançou o romance Viva o povo brasileiro que lhe mereceu o Prêmio Jabuti. Aí, a zanga dos dirigentes, que tinha passado, voltou com toda a força. Ora, dava até pra aceitar o fim da ditadura mas ficar falando do povo e ganhar prêmio era demais! Aí voltaram a ignorar nosso bom escritor nas programações desportivas da Fonte Nova.
Mas a popularidade do nosso autor não podia mais ser ignorada, e os dirigentes esportivos voltaram a pensar numa homenagem. Desta vez, poré, a culpa caba a João Ubaldo. Imagina que ele publicou em 1989 um novo romance, O sorriso do lagarto, que trata de um tal Doutor Angelo Marcos, um sujeito corrupto e perigoso que merece até investigação do detetive Peçanha! Aí foi o rompimento total. Teve dirigente que se reconheceu cuspido e escarrado no personagem. Até hoje o livro de João Ubaldo não entra em nenhuma secretaria de saúde do Brasil.
                                                     Ancoradouro da Ilha de Itaparica
Não restava outra coisa pro João Ubaldo a não ser sair da Bahia. Magoado com os dirigentes baianos foi morar em Berlim e, na volta, voltou ao jornalismo indo fixar-se no Rio de Janeiro. Na oportunidade seu trabalho era reconhecido em todo o Brasil, o que lhe valeu uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Reconhecido em Itaparica, no Brasil e no planeta mas não no mundinho da Fonte Nova.
Passou-se a década de 90, o néo liberalismo fazia agua por todos os lados, e João “matava a pau” como escritor. Estava agora até na Globo! Mas ainda buscava o reconhecimento dos cultos dirigentes esportivos da Bahia. Aí surgiu uma nova oportunidade de conciliação. Corria o ano de 1999 e os dirigentes souberam que João estava escrevendo um novo romance, A Casa dos budas ditosos, e o assunto, aparentemente estratosférico, ajudava. Agora não era possível que ele continuasse tratando de assuntos inconvenientes.
Aí os dirigentes decidiram homenagear os seus cinquenta e oito anos. Como não sabiam se João aceitaria a homenagem, resolveram marcá-la em Camaçari um dia depois. E fizeram bem, pois o time local acabou surpreendendo o Bahia ganhando por três a um. Foi assim que a nova tentativa de aproximação "foi pro espaço".
                      
No ano seguinte tentaram de novo, marcando toda uma rodada do campeonato neste dia, mas, temerosos de que surpresas desagradáveis incomodassem o nosso personagem, preferiram mais uma vez o dia 24. Na ocasião convidaram o Ypiranga pensando que era o time de João Ubaldo. Mas deu outro chabú pois foi a vez do alvi negro perder pelo escore mínimo.
Os dirigentes esportivos estavam dando azar. Os deuses do futebol não queriam que este se aporoximasse de João Ubaldo? Durante alguns anos não insistiram, perderam até a oportunidade na publicação do romance Diário do farol. O cenário político porém iria promover uma reaproximação a partir de 2003. Nesse ano desceu primeiro o Bahia e, no próximo, o Vitória, pra Segunda Divisão. O futebol baiano estava indo pro fundo do poço e chegaria á Terceira Divisão.
Só assim que voltaram a se preocupar com João Ubaldo. Em 23 de janeiro de 2005 fizeram coincidir uma rodada inteira do campeonato com a data do seu aniversário de 64 anos. Nesta época não mais existiam a maioria dos clubes que João Ubaldo tinha conhecido e o Ipiranguinha penava na Segunda Divisão (olhe que do futebol baiano!) onde está até hoje. Só se esqueceram de marcar alguma partida para a Fonte Nova. Pra piorar a história mandaram o tricolor jogar em Camaçari(desta vez ganhou por dois a um) e o Vitória ficou muito longe de Itaparica, no “Barradão”, onde ganhou do Palmeiras(João até pensou que era o de São Paulo mas foi o de  Feira!) por quatro a zero!  

O diretor de programação da FBF continuou a “meter os pés pelas mãos” no ano seguinte, perdendo a oportunidade de colocar um BA-VI na data de seu aniversário. Seria a glória pro João, melhor que todos os prêmios que tinha recebido. Mas a rodada acabou sendo na véspera do aniversário e sequer houve jogo na Fonte Nova. Talvez fosse bom pra João que torceu pro empate “politicamente correto”, embora o rubro negro ganhasse do tricolor por dois a um alegrando apenas uma parte dos seus leitores. A coisa se repetiu no ano seguinte, fazendo com que João Ubaldo perdesse a oportunidade de comemorar o seu aniversário no último ano da Fonte Nova.
Mas tudo mudou com os seus setenta anos. No dia de hoje os dirigentes resolveram se regenerar. Depois de todos esses anos marcaram uma rodada do Campeonato Baiano desta vez na data do seu aniversário. Soube que João recebeu a homenagem com surpresa e uma certa ponta de tristeza, afinal ele teria querido ver esta homenagem na sua querida Fonte Nova. Mas, pelo menos, trocaram o responsável pela programação.
A rodada deste domingo é inteirinha em sua homenagem. O jogo mais perto de Itaparica é o de Pituaçu, o importante Bahia X Vitória da Conquista. Soube que João vai fazer as pazes com os nossos dirigentes esportivos. Foi tarde mas ainda em tempo de se lembrar dele. Mas, cá entre nós, acho que ele merecia mais.

É que os malvados dirigentes não perdoaram os livros e personagens polêmicos do escritor. Desta forma colocaram dois BA-Vis em fevereiro quando poderiam perfeitamente antecipar um pra janeiro de forma a homenagear o nosso escritor. Afinal, só se comemora setenta anos uma vez. Será que estão esperando ele morrer (cruz credo, pé de pato mangalô, bato três vezes na madeira)pra fazer uma homenagem decente?
·   Agradeço aos sites netsaber, Rodrigo Lacerda e Releituras. Sou grato também as imagens dos blogs:pausadotempo.blogspot.com,emule.com.br,bahiaempauta.com.br, americanas.com.br e mirantedesolicitude.wordpress.com.

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