terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O torneio dos puxa - sacos

Estávamos em  1970 e em meio ao período mais duros da ditadura militar. Em março era sequestrado o cônsul japonês Nobuo Okuchi, o que ocasionaria a libertação de diversos presos políticos embarcados para o México. Na ocasião vi a atitude com simpatia, particularmente pela coragem de seus autores. Enquanto isto Salvador foi sacudida pela Chacina da Graça, um acontecimento que fez com que a imprensa baiana entrasse definitivamente para a cobertura policial e de criminosos notórios, quando Marcelino Souto Maia, filho da burguesia baiana, matou a mãe, o pai, a avó e um irmão.  
Em dois de abril de 1970, ACM deixava a prefeitura de Salvador e reassumia o seu mandato de deputado federal de olho em sua indicação como governador que já era articulada há anos. Ficou em Brasília até sair a decisão de Médici. Na ocasião o jornal A Tarde publicaria esta reportagem em 25 de abril:
Milhares de pessoas acorreram ontem por volta das 21 horas ao Largo dos Mares, a fim de integrar-se na romaria que foi feita á Igreja do Bonfim, em agradecimento pela escolha do deputado Antônio Carlos Magalhães(...) Em diversos pontos estavam estendidas faixas alusivas á sua pessoa por onde ia recebendo palmas e flores dos populares postados nas calçadas(...)Não resistindo á emoção, o Sr. Antônio Carlos chorou copiosamente ao elevar suas preces ao Senhor do Bonfim, durante alguns minutos.
Apesar de tomar posse somente em março de 1971, quando foi inaugurada a Fonte Nova, nossos dirigentes esportivos se somaram ao côro das elites que queriam ficar bem com o novo mandatário. Assim marcaram um torneio que não tinha outra função a não ser “puxar o saco” do substituto de Luiz Viana Filho. É caso inédito na história do esporte baiano. Já haviam sido realizadas inúmeras iniciativas para agradar autoridades, embora estas ocorressem apenas quando aquelas se encontraram investidas das benesses do poder. Desta vez porém, havia um mês que o nome do governador tinha sido indicado pela ditadura. Sequer tinha sido aprovado pela Assembléia Legislativa.
A escolha dos clubes foi feita de modo a evitar as surpresas do passado quando clubes de fora do estado arrebataram a taça do homenageado. Assim, estranhamente, só se escolheram clubes locais pra participar. Mas não ficaram somente nisto. Naquele tempo já havia o costume dos políticos escolherem times diferentes de modo a que não ficassem mal com ninguém. Há certo tempo ACM se dizia torcedor do EC Vitória mas seus dois filhos homens se dividiam entre a dupla BA-VI.  Desta forma, pra não contrariar o líder político, colocaram na primeira rodada a dupla BA-VI pra enfrentarem, respectivamente, Leônico e Galícia.
Tudo estava preparado pro torneio sair “politicamente correto” e modo conveniente. Mas a vida tem muitas surpresas e uma destas apareceu logo na primeira rodada. O tricolor ainda se deu bem ganhando do “moleque travesso” pelo escore mínimo, mas o rubro negro iria de mal a pior perdendo pro time da colônia espanhola por dois a um. Dois dias depois viria a segunda rodada, quando empatariam os líderes sem gols enquanto o Vitória, equipe do futuro governador, perderia mais uma vez, agora pro Leônico por um a zero.
Bem, pelo menos nada parecia acontecer de mal. Se não deu pro Vitória então tinha que dar pro Bahia. Era o que se previa na rodada final quando o sofrível Vitória enfrentaria o líder tricolor e o Galícia jogaria contra o Leônico. Na preliminar o Galícia até que quis ajudar a não contrariar o grande o “cabeça branca” empatando sem gols com o Leônico.
Tudo então estava favorável pro Bahia levar a taça, agradando pelo menos um dos filhos do líder, que muito tempo depois, dirigiria a Rede Bahia. Mas não é que esqueceram da velha rivalidade? Nesse dia o rubro negro jogou o que não havia feito nesta semana nem no campeonato que oi tricolor iria voltar a ganhar este ano. Obteve a vitória mais convincente do torneio, dois a zero, preferindo, ao arrepio da política, entregar o título ao Galícia. Este, mesmo se esforçando pra perder, acabou conquistando o que seria o seu último título na Primeira Divisão do futebol da Bahia.
Quanto ao homenageado nem se sabe se apareceu pra entregar a taça pro valoroso time da colônia espanhola. Certamente ficou constrangido! Não sei se foi por este motivo que, no ano seguinte, demorou tanto a pagar as empresas que trabalharam na construção do anel superior da Fonte Nova, inclusive a EMBACIL de meu pai Franklin Oliveira e de meu tio José Carvalho.
                                       Lula ajudando ACM a levantar
Mas foi o país que os presos políticos foram que iria concentrar a minha atenção nos próximos meses, vez que ali seria realizada a Copa do Mundo. Na época estava entusiasmado com uma seleção cheia de craques e sob a direção de Zagalo antigo ponta esquerda do Botafogo do Rio de Janeiro. Mesmo sem grande consciência política percebia que havia política metida no meio. Afinal, só isto justificaria a convocação de Dario, por “sugestão” do general-presidente de plantão Garrastazu Médici.

A oposição ventilou na época que o técnico João Saldanha havia sido demitido por ter sido do PCB. Isso pode ter contribuído, mas não creio que foi decisivo para a substituição.Esse técnico não tinha  experiência na função e houve escândalos o envolvendo como por exemplo ter corrido com um revolver atrás de um jogador que fugiu da concentração. No dia em que chegou a seleção foi logo escalando o seu time, o que desestimulava a disputa de posições. Foi Zagalo quem conseguiu armar o time certo, ouvindo o que estava na boca dos torcedores, montando um “quadrado mágico” onde estavam Gerson, Tostão, Pelé e Rivelino que acabou levando a seleção a recuperar-se do desastre de 1966.

                                       Médici levantando a taça de 1970

Comemorei as suas vitórias com tudo o que tinha direito. Durante a Copa soubemos do novo sequestro, desta vez do embaixador da Alemanha ocidental Ehrenfield com Holleben, com mais quarenta presos sendo liberados para a Argélia. Alguns anos depois comecei saber o que aconteceu no país sob a cobertura da copa. Ainda está longe de acabar a recuperação desse período. Seja como for nunca mais torci para a seleção com a inocência destes dias passando a ter consciência do que está em jogo em cada momento do cenário futebolístico mas também politico.

Estava se encerrando uma década. A TV Itapoá comemoraria seus dez anos e surgiria a TV Aratu como uma opção ao seu monopólio. Salvador começava a surgir como uma nova metrópole. Nos últimos meses desse ano o Brasil estabeleceria unilateralmente o mar territorial de duzentas milhas e Salvador Allende assumiria o governo do Chile. Nas eleições baianas voltavam cena politica Lomanto Junior, Josaphat Marinho e Heitor Dias. O primeiro, mesmo perdendo a indicação da ARENA para senador seria o deputado federal mais votado. O resultado do pleito foi a ampla vitória da ARENA fazendo o MDB retroceder a níveis anteriores de 1966.

Mas o que se destacou mesmo nestas eleições foram os votos nulos com pichações de rua propondo esta atitude. A campanha, entretanto, acabou reduzindo o número de votos necessários para a eleição de parlamentares. Não me lembro em quem votei pois não segui a recomendação. Na ocasião foi presa quase toda a redação do jornal O Pasquim. No finzinho da década nossa juventude tomou dois grandes golpes  com uma diferença de poucos dias, a morte de Jimmy Hendrix e Janis Joplin.

·      Agradeço as informações de Paulo Fábio Dantas Neto e do blog RSSSF Brasil. Sou grato também as imagens dos blogs ideiasaprovadasdebile.blogspot.com,atarde.com.br,flickr.com, blogdostreck.com.br e emule.com.br.

2 comentários:

  1. Apesar de te conhecer há tempos fico espantada com a sua lucidez e memória.
    Apesar de ser tricolor até que fiquei feliz em saber da vitória do Galícia, time do coração do meu pai que ensinou-me a gostar de futebol. Inclusive ele foi jogador do Galícia e do Bahia.
    Abraços,
    Solange Santana Alves.

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  2. Nao entendo,em outras publicacoes relata o bahia campeao do torneio antonio carlos magalhaes 1970 e outras que foi o galicia ,qual é a correta ?

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