quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A primeira morte da Fonte Nova

                                             
 Morremos de morte igual, mesma morte Severina, que é a morte que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia, de fraqueza e de doença.                                                    
                                                                                                                         João Cabral de Melo Neto

Você já ouviu falar de alguém que morreu duas vezes? Pois foi o caso da Fonte Nova. Tem até as datas. Uma foi em 25 de novembro de 2007 e a outra em 29 de agosto de 2010. Na primeira morte lhe tiraram a alegria de viver suspendendo todos os jogos. Até os “babas” dos funcionários da SUDESB passaram a ser realizados no Ginásio Antônio Balbino. A Fonte Nova levou três anos chorando, até que veio a segunda morte, esta com requintes de crueldade. Como ela era grande e forte a assassinaram a base de dinamite. Morreu a primeira vez de morte morrida, mas a segunda foi de morte matada.
Corria o ano de 2007. A Bahia tinha um novo governador, Jacques Wagner, e o tricolor ansiava por se livrar da Terceira Divisão. O Vitória tinha subido pra Segunda no ano anterior e dava dó ver a cara dos tricolores. Pra contar com o apoio da mal tratada Fonte Nova foram buscar o antigo ídolo Bobô do esquadrão não tão de aço pra ser superintendente da SUDESB, o órgão responsável pelo estádio. Ela concordou, inclusive por ser uma forma de se livrar da maioria dos clubes monstruosos que infestavam seu gramado. Mas exigiu pintura, limpeza e manutenção. 
Mas este não foi o único objetivo. No último ano em que funcionou a Fonte Nova houve Campeonato Baiano, Copa Brasil, Campeonato Brasileiro, e otras cositas mas. No São João, por exemplo, foi realizado na Tribuna de honra o “baba do licor” dos funcionários, houve o jogo Bahia X Leônico (?) pela Taça Estado da Bahia, e a importante decisão da Copa Evangélica! Assim, aconteceu ali pelo menos 35 jogos.
                                Torcedores mortos na última tragédia da Fonte Nova em 2007
O Campeonato Baiano começou em 14 de janeiro com o jogo entre Bahia X Camaçari registrando a vitória do tricolor por dois a zero. Ao longo da fase de classificação o esquadrão de aço ainda voltaria a jogar no estádio por dez vezes, ganhando dos interioranos Fluminense (3 X 2), Itabuna (3 X 1), Catuense (5 X 1), Colo Colo (3 X 1), Atlético (1 X 0), Ipitanga (3 X 2), Poções (3 X 2) e Vitória da Conquista (2 X 1); empatando com o Juazeiro (2 X 2) e perdendo apenas do Vitória (2 X 4), no dia onze de março.
A fase final registraria o maior BA-VI de todos os tempos logo na primeira rodada. Foi à verdadeira despedida da Fonte Nova. Parece que pressentindo o que ia acontecer o estádio voltou aos velhos tempos e promoveu um jogo espetacular pra ficar na memória de todos aqueles que o assistiram, e onde o rubro negro ganharia pelo esdrúxulo escore de seis a cinco do seu arquirrival com direito a quatro gols de Índio. 
Depois disto o estádio abriria para ver o tricolor ganhar do Poções de 4 X 2 e empatar em dois gols com o Atlético perdendo o título por antecipação para o Vitória, que se deu ao luxo de empatar com o tricolor, também em dois gols, no último jogo no “Barradão”. Na fase final do certame o rubro negro alcançaria 16 pontos e o tricolor somente onze. Duas semanas depois Romário marcaria o seu milésimo gol.
                                                      Tá pensando que já morreu?

A Copa Brasil foi disputada enquanto transcorria o Campeonato baiano. O Bahia até que foi longe nesse último ano de Fonte Nova.  Estrearia, entretanto, de forma desastrosa, pegando o Itabaiana de Sergipe, para o qual perdeu por um a zero em plena Fonte Nova, só se classificando por ter ganhado fora por dois a um. Em março conseguiria passar pelo Goiás aos trancos e barrancos empatando em um gol na Fonte Nova, após empatar em três gols em Goiânia. A inchada tricolor comemorou muito o empate em um gol no Maracanã contra o clube “pó de arroz”. Bastava o empate sem gols pra sacramentar uma nova classificação. O empate ocorreu, mas por dois gols que tiraram uma passagem pras quartas de final do certame.
Junho foi mês de esquentamento pro início da Terceira Divisão. Pra não ficar parado, o tricolor realizou dois amistosos na Fonte Nova e vários outros no interior do estado. Na ocasião, empatou no estádio com o Sergipe (1 X 1), mostrando dificuldade nos jogos contra os clubes daquele estado, e ganhou do Fluminense (BA) por três a um.
Aí começou o mais importante certame do ano pro tricolor ganhando do Asa de Arapiraca por dois a zero.  O importante não era o aniversário mas a data simbólica onde isto acontecia, consagrada mundialmente a queda da Bastilha. Mas, três dias depois ocorreria o maior desastre da aviação latino-americana, quando a queda do voo 3054 provoca quase duzentos mortos. Mesmo assim o tricolor consegue evoluir de grupo após passar pelo América e Confiança, conseguindo ganhar pela primeira vez no ano de sergipanos na Fonte Nova.
                                                              Sái pra lá agorento!
O estádio seria indispensável pra que o tricolor passasse das próximas fases. Na segunda, derrotaria ali o Linhares (ES), o Nacional de Patos e o Atlético Cajazeirense (ninguém merece!). Quatro dias depois o mundo sofria com a morte do tenor Luciano Pavarotti. Enquanto isto o terceira prosseguia no certame, caindo sobre seus pés o ABC (RN) e o Rio Branco (AC), faltando apenas à última partida contra o Fast Clube (AM).
No entanto, conseguiu chegar aí às duras penas. Para o tricolor se classificar necessitava ganhar e que o Rio Branco não vencesse acabando por “rolar” coisas muito estranhas no certame. Na ocasião foi denunciado encontro de dirigentes do Bahia e ABC que tiraria preciosos dois pontos dos acreanos.  Quanto ao jogo da Fonte Nova seria um horror. A Fonte Nova teria literalmente que sequestrar o relógio do árbitro pra ocorrer o gol de Charles horas depois que havia acabado o tempo regulamentar.
Mas seja como for o tricolor chegou à fase final, onde jogaria mais sete partidas na Fonte Nova. O estádio, porém não aguentava mais a falta da manutenção adequada e os “monstros” que trouxeram pra jogar. Aí o pessoal enrolou de tudo quanto foi jeito. Disseram que era só por dois meses e que depois iriam deixar a Fonte Nova “um brinco”. Mas o estádio não foi na conversa obrigando a que o tricolor tivesse de ganhar pontos fora de casa pra subir para a Segunda Divisão.
                                                          E aí, há vida após a morte?
Deu pra ver na estreia na fase final que a Fonte Nova estava falando sério. Ora, logo agora esta “operação tartaruga” no estádio? O Bahia passaria pelo conhecido CRAC de Goiás no maior sufoco, um a zero, em quatorze de outubro.  Não conseguiria ganhar dos próximos adversários, perdendo pontos preciosos nos empates em dois gols com o Barras-PI (o que é isto?) e o Bragantino-SP.
A coisa exigia enérgicas providencias, e foi dada uma pintura sem reboco no estádio pra contornar a situação. Logo a seguir o tricolor consegue ganhar do nacional de Patos por três a zero. Mas a tinta saiu na primeira chuva levando a novo empate do esquadrão de aço, agora contra o Atlético Goianiense em um gol.
Os últimos três jogos seriam decisivos para o Bahia. Uma romaria de dirigentes e atletas foi conversar com a Fonte Nova. Pediram, suplicaram e prometeram. O estádio lhes perguntou:
- A quem estás carregando, irmãos das almas, embrulhado nesta rede? Dizei para que eu saiba.
- A um defunto de nada, irmãos das almas, que há muitas horas viaja à sua morada
           Veja quanta gente em cima do caixão da Fonte Nova!

Aí o estádio chorou e se apiedou do destino do tricolor que voltou a ganhar, desta vez do ABC por três a zero! A subida pra Segunda Divisão já estava quase garantida bastando empatar o último compromisso em Salvador, contra o Vila Nova de Goiás. Nesta ocasião, porém, a Fonte Nova percebeu uns rostos atravessados. Os mesmos que tinham ido visitá-la desta feita desapareceram pois não precisavam mais dela. No próximo ano, onde seriam realizadas eleições municipais, viriam de novo á sua presença pra garantir a subida pra Primeira.  Nesse dia, por mais que o ataque tricolor tentasse não conseguiria abrir o escore na Fonte Nova.

No entanto, uma surpresa estava reservada para todos. Olhe que o estádio já viu dias tristes e de calamidades, mas este dia vinte e cinco de novembro de 2007 ultrapassou as raias do imaginável quando, no segundo tempo, um dos trechos da Fonte Nova sem manutenção cedeu matando sete pessoas que caíram de uma altura de mais de vinte metros.
Nosso estádio chorou muito neste dia, mais do que certos dirigentes e autoridades esportivas que haviam conseguido seus objetivos. Mas a coisa deu mais repercussão que imaginavam. O mundo todo saberia da tragédia. Vinte e cinco dias antes a FIFA havia anunciado a realização da XX Copa do Mundo em 2014 no Brasil, e o governador aproveitaria a ocasião para fechar o estádio acabando de vez com as reclamações da Fonte Nova. Esta choraria ainda muito mais. Não veria mais o povo de Salvador que adorava. Nunca mais apreciaria um BA-VI nem os grandes jogos nacionais e internacionais. Despedia-se dos grandes jogadores e da emoção dos gols. Mas não foi só ela que chorou.

O próprio João Cabral de Melo perguntava as autoridades que haviam feito isto com o estádio:
- Mas então porque o mataram irmãos das almas,
- (...) Queria voar mais livre essa ave-bala. 
Não contente com isto estas se dirigiam a Fonte Nova com mau agouro:
Esta cova que estás com palmos medidos é a cota menor que tiraste em vida.
É de bom tamanho, nem largo nem fundo, é a parte que lhe cabe neste latifúndio.
(...) Aí ficarás para sempre, livre do sol e da chuva criando suas saúvas.
Um dia depois que saiu o decreto do governador fechando o estádio a própria morte apareceu. Chegou na portaria com sua gadanha e ordenou(porque a morte não pede) a abertura do portão para ela entrar. Os porteiros até tentaram enrolar mas, qual, bastou um olhar da morte pra sentirem frio até a sétima geração. O que ocorreu no dialogo entre ela e a Fonte Nova ninguém vai saber. Certamente nosso estádio disse que foi um engano que ela tinha morrido “por dentro” e que esta ainda não era a solução final da morte. Parece que convenceu a infeliz pois esta foi embora.
Nossa Fonte Nova ainda resistiu quase três anos internada em uma UTI, ameaçada de ser posta pra fora em função do Estado não pagar a conta. Foi assim eternizada pelos clássicos. Sua triste situação apareceu em Apocalipse(20.15)
e se alguém não for achado inscrito no livro da vida, esse será lançado para dentro do lago de fogo.  

Será que pensaram em enterrá-la no Dique do Tororó?


O grande escritor Lev Tolstoi deveria tê-la conhecido, pois descreveu admiravelmente o que sentia
A consciência de que sua morte está próxima e seus gritos de dor lançam-na na mais terrível solidão que entra em choque com a frivolidade das pessoas que a cercam, que a tratam como um doente inoportuno.
Machado de Assis disse que não tinha filhos e não teria transmitido seu legado pra ninguém. E, o próprio Emile Zola, observou que quando foi declarada morta foram tomadas todas as providencias para o sepultamento
Atestado, caixão, carro fúnebre, enterro, etç. O problema é que ela está física e mentalmente consciente. Aterrorizada, ela vê, ouve, fala, mas seu corpo permanece inerte. Tenta comunicar-se inutilmente com as pessoas ocupadas em enterrá-la.
Nessa época jogou uma praga contra aqueles que a enganaram: só quando morresse sairiam da Segunda Divisão. Aliás, foi por isto que o tricolor só veio a subir agora.

·        Agradeço aos textos e informações de João Cabral de Melo Neto, da SUDESB, de Machado de Assis, Tolstoi e Emíle Zolá, da Bíblia, e dos blogs Futebol 80, Wikipédia e futipédia. globo.com.Sou grato também as imagens dos blogs portallutalivre.blogspot.com,afixe.weblog.com.pt,imperfect.sr.blogspot.com e globoesporte.globo.com.


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