Houve um tempo em que nosso histórico estádio era uma verdadeira boate. Isto não tem nada a ver com o fato de muitos jogadores só andarem nestas baladas. Naquele tempo não havia ainda isto. É que a iluminação da Fonte Nova era só “pra inglês ver”. É bem verdade que haviam bonitas torres e refletores, mas, seja pela qualidade do equipamento ou pelo número insuficiente de refletores, estes não iluminavam mesmo nada, deixando o estádio em um clima de boate no segundo tempo de vários jogos. Os baianos conviveram com esta situação por muito tempo sem que os governos tomassem providências. Isto perdurou durante toda a década de cinquenta e entrou pelos anos sessenta.
Vocês conhecem a piada do sofá? Havia muita reclamação contra o namoro obsceno de uma das filhas na sala empatando até os outros moradores da casa a ver televisão. A mãe acabou “resolvendo” o problema... mandando tirar o sofá da sala. Aqui também, deram um jeito na situação... colocando uma bola branca quando a luz natural começava a sumir! Assim todos poderiam ver pelo menos onde estava a bola! Os juízes é que reclamavam bastante. Quanto aos torcedores coitados, só sabiam pra que lado se estava atacando.
Quando havia uma partida só menos mal, pois colocavam o jogo pras quinze horas embora quem reclamasse fosse os jogadores que tinham que suar mais do que o normal. O problema mesmo era quanto tinha rodada dupla ou, pior ainda, o torneio início. Enquanto as rodadas começavam 13: 30 ou 13: 45 houve torneio que começou ao meio dia. Não havia jogador que produzisse desta maneira, passando a serem apelidadas as preliminares de “esquenta sol”.
Olhem só o que agente via no segundo tempo!
Bem, mas vamos ver como essas coisas incidem no campo. No fim de março de 1955 os clubes campeões dos três turnos do campeonato do ano anterior “empurraram com a barriga” pra realizar um torneio caça níquel na Fonte Nova. Nesta época, como havia uma relação constante entre Bahia e Pernambuco foi convidado o Sport pra completar o quarteto fantástico.
O certame foi iniciado em vinte e sete de março com uma rodada dupla que apresentou Bahia X Botafogo na partida preliminar (ou “primeiro jogo” como se dizia pra não ferir susceptibilidades) enquanto Vitória X Sport jogariam na principal. Na ocasião o tricolor empatou em dois gols com os alvi rubros. No duelo dos leões, porém, os da Ilha do Retiro e os da Barra, o primeiro perdeu seu goleiro Carijó (!) nos primeiros minutos, entrando Cazuza (que não era o cantor) em seu lugar.
Mesmo assim conseguiu abrir o placar através de Soca, embora o leão baiano tenha empatado antes do intervalo com Alencar. Mas os pernambucanos não conseguiriam manter o equilíbrio da partida no segundo tempo, quando Antônio, Juvenal, e, de novo, Alencar dariam números finais ao placar com um estádio ás escuras. Nesse dia o Vitória jogou com Nadinho, Valvir e Alírio; Elói e Joel (Enoque); Tombinho, Alencar, Dimas (Juvenal), Hélio e Ciro. Já o Sport jogou com Carijó (Cazuza), Bria e Valdér; Moreira, Wilson e Pinheirense; Zingone, Traçaia, Gringo, Doca e Jeci.
Só não havia DJ
Mas voltemos ao torneio caça níquel. As rodadas restantes estavam marcadas no fim de semana, uma sábado e a outra domingo. A federação, no entanto, teve de trocar a ordem dos jogos, pois a dupla BA-VI não se conformou em jogar no sábado.
Assim, no sábado “esquenta sol”, em pleno dia da mentira, foi realizada a segunda rodada. Os deuses do futebol, no entanto, pregaram uma peça aos torcedores. É que choveu aos cântaros, deixando o gramado impraticável. Mesmo assim todos teimaram em cumprir a programação que foi muito prejudicada no critério técnico e na renda.
Na preliminar o Vitória venceu novamente, agora ao Botafogo, por dois a um, marcando Antônio e Tombinho, enquanto Alberto de falta fazia o gol de honra dos diabos rubros. Enquanto isto na principal o Bahia perdia pelo mesmo escore pra um Sport que se reabilitava. Wilson de pênalti e Zingone marcaram pros visitantes enquanto Marito faria o único gol do tricolor.
Quem precisa de "apagão"? Vejam como assistíamos aos jogos!
O Vitória ganhava assim de forma inédita um torneio no dia da mentira, tornando a rodada final meramente “pra cumprir tabela”. Cedinho de tarde, com o céu de estiagem, os times entraram novamente em campo. Na preliminar foi à vez do Botafogo “livrar a cara” ganhando dos pernambucanos por convincentes três a um. Na principal foi realizado o nosso maior clássico com o único fito de entregar a taça ao Vitória.
O rubro negro começou melhor chegando a assinalar um tento através de Antônio logo no primeiro tempo. No entanto perdeu o ímpeto e passou a administrar o resultado. O resultado é que na volta do intervalo deu chance ao Bahia de vir a campo totalmente diferente. E foi assim que os torcedores presentes viram uma reação tricolor “virando” a partida através de Naninho e Isaltino. Mas, foi quando o Vitória atacava tentando ganhar o torneio invicto foi que ocorreu a maior surpresa. Com o estádio praticamente as escuras só se via um time com camisas vermelhas atacar prum lado e um de camisas brancas pro outro. E, quanto não se via mais nada, de repente, os jogadores do segundo saíram comemorando. Muita gente nem percebeu o que aconteceu, é que Carlito do Bahia havia feito o terceiro gol.
Propaganda dos jogos na Fonte Nova
Os representantes da federação tiveram que colocar os óculos pra não entregar a taça pra equipe errada. Foi na boate da Fonte Nova que o Vitória faturaria o primeiro torneio deste ano. No mês seguinte se daria mal no super turno do certame anterior, mas, no do ano de 1955 ganharia o quarto título de sua história.
· Agradeço as informações do Setor de Publicações Raras da Biblioteca Central do Estado (Coleção Diário de Notícias). Sou grato também as imagens dos blogs rockmyblog.com,bandabrilhantina.zip.net,dancingbuenoboite.wordpresso.com,hipopotamoboite.blogspot.com,agendinhaderecife.blogger.com.br,mistershadow.blogspot.com e ectropicinteractive.com.
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