quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A Fonte Nova e as Diretas Já

              
Foi em 1984 que se acelerou o fim da ditadura militar. O principal motivo foi o movimento lançado nos últimos meses do ano anterior e que se desenvolveram nos primeiros quatro meses desse ano em torno da emenda do deputado Dante de Oliveira. Pra quem não se lembra ela estabelecia eleições diretas para presidente da república. A campanha levou o nome de Diretas Já e o seu comício em Salvador ocorreu em 20 de janeiro na Praça Municipal quando compareceram em torno de 20.000 pessoas.

Neste dia só tivemos pela primeira vez uma megaestrutura para as manifestações que incluía o uso do trio elétrico Trás-os-Montes. O ato coincidiu com o novo incêndio no Mercado Modelo e poucos dias depois se realizaria o primeiro ato das Diretas Já em São Paulo. Seria após o comício de Maceió que o EC Bahia ganharia do Atlético Mineiro pelo Campeonato Brasileiro por dois a zero e quebrando um “tabu” de décadas sem ganhar do galo. Como o Vitória não participava da Primeira Divisão desde 1982 a estreia do tricolor prometia. Mas sua atuação seria um desastre ficando em 27º lugar no certame.

Em fevereiro haveria uma série de comícios pelas diretas. Seria a vez de Belém (60.000 pessoas), Rio de Janeiro (50.000 pessoas) e outras cidades. Nesse mês haveria apenas três jogos na Fonte Nova pelo “Nacional”, com o Bahia ganhando do Bangu (2 X 0) e do Treze de Campinas (2 X 1) e empatando com o CRB sem gols. Mas, no dia quinze, nove dias antes do ato das diretas em Belo Horizonte (300.000), o tricolor seria massacrado pelo galo mineiro por seis a zero.


A campanha das Diretas Já não parou nem pro carnaval onde diversos grupos de foliões e blocos levantaram a questão. Até a votação da emenda Dante de Oliveira o movimento só faria crescer ocupando progressivamente o universo da população, e em especial o das classes médias.

Em março ganhava ainda mais corpo registrando-se em Salvador vários plebiscitos em categorias e áreas. Os comícios não paravam, ocorrendo um novo no Rio de Janeiro, agora para 200.000 pessoas. Na oportunidade começam a "pipocar" manifestações nos estádios de futebol, enquanto o tricolor parava de vez de ganhar na Fonte Nova, onde empataria com Fluminense (1 X 1) e São Paulo (0 X 0) e perderia para o Goiás (1 X 2).

Mas foi mesmo em abril, quando estava prevista a votação da emenda, que as coisas se intensificaram. Houve atos em Londrina (50.000), em Recife (80.000), mais um no Rio de Janeiro (com um milhão de pessoas), e ainda em Goiânia (250.000), Porto Alegre (200.000), Vitória (80.000) e outro em São Paulo (mais de um milhão de pessoas). Na ocasião a presença de governadores eleitos pela oposição e artistas como Chico Buarque, Cristiane Torloni, Irene Ravache e outros contribuíam como atrações-extras á presença de público. Mas a sensação mesmo era Fafá de Belém, com quem tive a honra de tocar no início da carreira. O período vê a renúncia do ministro da marinha Maximiniano da Fonseca e os comícios-monstro de professores paulistas.

Gilberto Gil, Alceu Valença e Regina Duarte  na campanha política

Antes da votação da emenda soubemos dos preparativos militares do governo para pressionar os parlamentares e intimidar a população de Brasília. Sob o comando do general Newton Cruz o governo estabelece medidas de emergências na cidade uma semana antes da votação, realizando em sua véspera um desfile envolvendo cerca de 5.000 soldados, cercando a Universidade de Brasília, proibindo manifestações e fazendo prisões a torto e a direito.

Na ocasião chega a ser discutida na coordenação da campanha das Diretas Já as propostas de Jair Meneghelli (paralização no dia da votação) e de Joaquinzão (paralização durante a tarde a partir do meio dia) para que o povo brasileiro pudesse acompanhar a mesma. Apesar da simpatia com a primeira esta não foi encaminhada. O que vingou mesmo na véspera da votação da emenda foi à organização de um mega-panelaço no país. 

A derrota fez imperar o “realismo político” imposto por liberais e reformistas (que já conciliavam desde antes com o regime) e apostaram no Colégio Eleitoral pra chegar ao poder. Fizeram alianças com gatos e cachorros com este objetivo, na tática que ficou conhecida como a “união contra Maluf”. Um pequeno setor do movimento social e o PT, no entanto continuaram pregando as eleições diretas e negando-se a ir ao Colégio Eleitoral. Nesse mês compareceríamos ao terceiro encontro nacional do PT, realizado no Pampas Palace Hotel em São Bernardo do Campo.

Comício em Brasília com o velho cacique liberal Ulysses Guimarães

O ato do Dia do Trabalho no Campo Grande foi um dos primeiros após a derrota. Na ocasião levamos grandes bonecos para queimar simbolizando aqueles que haviam votado contra a emenda. Ajudou na mobilização o fato de haver várias greves na época, entre outras as dos médicos e professores da rede privada. Participei da direção desta manifestação que durou três horas, pois todos queriam falar. Nesse dia a oportunidade a Câmara Municipal convocou sessão especial para homenagear os trabalhadores.

Nesse mês eu ainda acharia tempo pra voltar a São Paulo pra comparecer á plenária da CUT nacional que avaliaria o processo de construção da central. Esta decidiu pelo boicote ao Colégio Eleitoral, marcou um Dia Nacional de Luta, e propôs a Greve Geral como forma de reforçar a continuidade da luta pelas Diretas Já.

É nesta época que começa o Campeonato Baiano de 1984, quando já haviam desaparecido alguns clubes tradicionais, e restavam apenas Ypiranga, Redenção e a dupla BA-VI em Salvador, já que o Leônico mandava seus jogos em Santo Antônio de Jesus. A partida inaugural foi entre o tricampeão Bahia e a Catuense de Alagoinhas apresentando a vitória do primeiro pelo escore mínimo.  O Vitória teria uma horrível estreia ao perder do Ypiranga, no complemento da rodada, por dois a zero. Cheio de tarefas políticas e sindicais acompanhei como pude meu rubro negro, que foi de mal a pior no campeonato.



Participei do tradicional desfile do Dois de Julho animando-me apenas pela impressionante participação popular num mês de julho onde o Vitória só iria ganhar a primeira partida no dia 18, mesmo assim contra o Redenção por três a um. Quatro dias depois terminaria a fase de classificação do turno que teria meu clube em oitavo lugar! Mas uma boa surpresa estava reservada para a fase final que seria vencida pelo Serrano.

O segundo turno se iniciaria uma semana depois com a parada indigesta de pegar o clássico BA-VI logo de saída. Mas o resultado não foi dos piores, pois houve empate em um gol, marcando o nigeriano Ricky pro rubro negro e o baixinho Osny para o tricolor.

O Vitória ainda empataria fora de casa com o Atlético de Alagoinhas em três gols antes que eu embarcasse para o Congresso da CUT. E foi ás vésperas do evento que Aureliano Chaves, Jose Sarney, Marco Maciel e outras personagens egressas da ditadura militar romperiam com o governo e formariam a Frente Liberal quando se definem as candidaturas a presidente de Paulo Maluf e Tancredo Neves via Colégio Eleitoral.

                         Celebrando acordos de cúpula...

Passei o congresso tentando saber do resultado do jogo Vitória X Itabuna. Mas vocês sabem que lá no Sudeste não é fácil saber notícias da Bahia né! Só de noite que eu saberia que o Vitória continuou na sua via crucis, empatando em um gol. Agora, ao invés de perder, só empatava!

O clube entraria o mês de setembro empatando com a Catuense e o Leônico. Mas eu era feliz e não sabia, pois a situação voltaria a piorar com a nova derrota contra o Ypiranga por dois a um! Enquanto isto a cada dia aderiam novos partidos, grupos políticos, jornalistas e instituições a saída liberal da ditadura militar pela via do Colégio Eleitoral. Isto fazia com que a dupla PT/CUT e outros setores mergulhassem num grande isolamento na sociedade em função da opção do boicote.

O Vitória ainda empataria com Serrano e Fluminense, só ganhando no segundo turno quando jogou de novo com o “caixa de pancadas” Redenção, e por seis a zero. Nesse dia os gols de Lula e Ricky lavaram nossa alma. Ainda houve gente que achou que havíamos “melhorado”! Agora ficávamos em sexto na fase de classificação vendo outros clubes mais uma vez na decisão!

                  Manifestação de torcedores do EC Bahia

Foi nesta ocasião que começaram os atos em Salvador em apoio ao candidato da Aliança “Democrática”. Pra fugir deste clima nos empenhamos foi nos movimentos dos petroquímicos, bancários, rodoviários, COELBA e metalúrgicos, que reivindicando principalmente o reajuste de salário pelo INPC integral.

Voltaria à lógica no Campeonato Baiano dando Bahia na cabeça na fase final do segundo turno. Só tínhamos agora uma chance de “livrar a cara” desta péssima campanha: o terceiro turno. Iniciamos em 14 de outubro empatando em dois gols com o Ypiranga, que faria a última de suas boas campanhas no certame. Mas depois as coisas melhorariam com o rubro negro ganhando de Leônico e Itabuna por três a dois.

O BA-VI viria logo a seguir e seria um teste de fogo das possibilidades do meu Vitória. Não me esqueço desse jogo, pois foi quando Tancredo Neves veio à Bahia pra receber apoio do governador João Durval. Na ocasião foi recebido por quase todos os segmentos políticos do estado, tendo que haver palanques diferentes para compor aquele exército de adesões. Em meio a toda esta confusão minha atriz favorita Catherine Deneuve, dos filmes de Luís Bunuel, visita Salvador. Mas não deu pra vê-la nem de longe no Hotel da Bahia. 
                          Não é que é ela em pessoa!

Como não comparecia as manifestações pró-Tancredo pude ir mais assiduamente á Fonte Nova vendo Ricky fazer mais um gols no tricolor, que empataria, novamente com Osny. As últimas partidas só seriam suficientes para a nossa classificação entre os quatro, pois cairíamos de produção perdendo do Serrano (0 X 1), ganhando do Fluminense (3 X 1) e empatando com a Catuense (2 X 2).

Mas, ah que desgraça! O Vitória consegui perder o terceiro turno pra Catuense no saldo de gols depois de ganhar da própria (2 X 0) e do Itabuna (1 X 0). A derrota foi na última rodada, quando perdemos para o tricolor (0 X 1) enquanto a “laranja mecânica” de Alagoinhas goleava o Itabuna por quatro a zero.

Estávamos fora das finais que iriam ser decididas pelos vencedores de turnos que, em uma invenção da FBF, se juntavam ao clube que havia somado mais pontos no certame (que, naturalmente, não era o meu rubro negro).
A primeira fase das finais foi equilibrada embora o Bahia tivesse dobrado em vantagem, com cinco pontos contra quatro da Catuense e Serrano e dois do Leônico. Mas foi na segunda fase que o Bahia acabou disparando e ganhando o tetracampeonato por antecipação. Deu goleadas no Serrano (5 X 2) e no Leônico (4 X 1) fazendo com que o jogo contra a Catuense (1 X 1) só servisse pra colocar as faixas.

                       Oi eu aí querendo o povo no poder! 

A esperança rubro negro ficava pro ano seguinte. A do Brasil também. Mas devo dizer que o Vitória teria mais sorte que nosso pobre país. Estávamos começando a construir o nosso estádio, o “Barradão” e neste ano voltaríamos a ganhar o título estadual. Enquanto isto o povo brasileiro veria Tancredo morrer e aturaria Sarney por quatro anos na presidência infelicitando o país. Até hoje somos obrigados a suportar esse nosso Hosni Mubarak que ondetm foi reeleito presidente do Senado! Quanto as eleições diretas serviria de mote até hoje pra renovar os clubes de futebol.

                E não é que ele está de novo no Senado?

* Agradeço as informações dos sites Wikipédia e Futipédia e as imagens dos blogs:miguelcordeiroarquivos.blogspot.com,palavrastodaspalavras.wordpress.com,www1.folha.uol.com.br,cecoc.com.br,24horasnews.com.br,educacaosuina.com.br,prr3.mpf.gov.br,alexandredoradio.blogspot.com,topicos.estadao.com.br e community.livejournal.com.   

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