sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A Fonte Nova e a era dos festivais de musica (I)


Nos anos 60 eu descobriria que existia uma música “mais séria” do que o rock, a chamada Música Popular Brasileira - MPB. Estávamos então no clima dos festivais de musica. Estes reproduziam o esquema de programas de auditório que eram usados nas rádios desde a década anterior e as torcidas que havia nesse tempo, como as de “Emilinha” e Marlene.

Seu público era, essencialmente, o universitário, que era disputado pelas TVs Excelsior, Record e Globo. As duas primeiras fizeram festivais da MPB e a última, além destes, o Festival Internacional da Canção. A Record desbancaria a Excelsior e seria desbancada pelo Globo. Do outro lado, sob o pano de fundo da ditadura militar e da crescente indústria cultural, nascia uma “musica jovem” identificada com rock e atingindo a juventude das classes médias, particularmente secundarista.

A MPB de então era uma mistura onde cabia a bossa nova, canções, um samba estilizado, hinos de protesto e ritmos regionais que então ascendiam á cena musical nacional. A esquerda tradicional tinha preferência pelo o samba estilizado (em função do seu conteúdo popular) ou pelas chamadas musicas engajadas. Os românticos ou alienados como eu, adotavam o ponto de vista da arte pela arte, submetendo a letra á melodia.

     Sergio Ricardo no festival vai jogar o violão no público

O ano de 1965 começou quente no esporte, quando ocorre novos desdobramentos da agressão do jornalista Cléo Meirelles. Estranhas figuras foram à sede dos Diários Associados procurarem seu diretor Paulo Nacife. Foi o que bastou para deflagrar a crise que já estava latente. Ainda daria pra apreciar alguns jogos amistosos e pra terminar o último turno do certame anterior. Aí foi suspensa qualquer transmissão ou divulgação dos jogos. Só se salvou mesmo o Esporte Jornal.

Foi aí que se iniciaram os festivais. Acho que comecei a assisti-los para preencher o espaço deixado pela divulgação dos jogos. É que passaram a não haver mais resenhas nem páginas esportivas. Dizendo melhor, durante certo tempo houve, mas, eram preenchidas com esportes amadores e clubes do Sul do país.

Acompanhei pela TV o primeiro festival, realizado pela Excelsior em Guarujá (SP) no mês de abril. No entanto não gostei da musica que ganhou Arrastão, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, cantada por Elis Regina. Na época, enquanto seus compositores reforçavam a religião dos pescadores, Gilberto Gil fazia a critica ao conformismo religioso através de Procissão, onde tinha trechos como:

                              Caetano Veloso na época

As pessoas que nela vão passando
acreditam nas coisas lá do céu.
As mulheres cantando tiram versos
e os homens escutando tiram o chapéu,
eles vivem penando aqui na terra
esperando o que Jesus prometeu (...).

Eu também estou do lado de Jesus
Mas que acho que ele se esqueceu
de dizer que na terra agente tem
de arranjar um jeitinho pra viver (...).

Entra ano, sai ano e nada vem.
e o sertão continua ao Deus dará
mas se existe um Jesus no firmamento
na terra isso tem que se acabar.

Eu era um inveterado romântico e nenhuma delas faria a minha cabeça, ao contrário da romântica Eu só queria ser (Vera Brasil e Mirian Ribeiro) que, embora possuísse uma letra comum apresentava uma bela melodia cantada pela esplêndida Claudete Soares.

Mas todo o boicote da imprensa não conseguiu evitar o público que compareceu aos jogos finais do campeonato anterior onde o Vitória disputou uma melhor de quatro pontos contra o Bahia. O rubro negro ganhou a primeira e a terceira e perdeu a segunda, sendo que todos os jogos tiveram o mesmo placar de dois a um. Lembro-me que após o jogo final “tomei todas” a que tinha direito. Foi a única vez em minha vida que me embriaguei tendo que o saudoso amigo Hildélio me levar pra casa deixando-me escorado na porta. Até hoje não posso ver um litro de Ron Bacardi.

                                    Olhem a televisão!

Em junho começou o novo campeonato boicotado pela imprensa com o Vitória ganhando do Guarany pelo escore mínimo com um gol de Touro. O primeiro turno só iria terminar em novembro, e de forma sensacional, com a realização de um superturno entre Botafogo, Fluminense de Feira de Santana e Ypiranga. O primeiro começaria mal, mas depois ganharia todos os jogos sagrando-se campeão.

O segundo turno só começariam no início de 1966 com o alvi rubro, mostrando que iria na mesma toada, arrasando os “índios” por seis a um. Mas o Vitória estava bem e foi derrotando seus adversários. Lembro-me que só perdeu para o Galícia (0 X 1) e empatou com o Botafogo sem gols. Novo superturno em março, desta vez entre Vitória e Galícia.

Mas meu rubro negro se sairia muito bem ganhando as duas. A primeira ainda foi disputada, ganhando “no sofrimento” por dois a um. Mas na segunda os granadeiros não deram nem “pra melar” caindo por quatro à zero. Adelmo fez dois gols e Itamar e Péricles completaram o escore.

                Olhem que pérola: "Raulzito" e seus panteras!

A decisão do campeonato entre Vitória e Botafogo seria mesmo em abril. Foi muito duro aquele “bi” que ficou encravado na garganta da imprensa. Empataram por duas vezes sem gols. Para só então, no dia do meu aniversário de 18 anos, o rubro negro faturar o título graças a um gol de pênalti batido pelo zagueiro Tinho. Lembro-me bem que minha mãe Helena quando saímos de casa ficou preocupada pra que não repetisse a comemoração do ano anterior...

Dois meses depois os festivais tornaram-se uma febre. Primeiro foi o da Excelsior e, logo depois, o da Record. Confesso que disputaria a minha atenção com o futebol onde o Vitória perseguia o inédito título de tricampeão. O primeiro coincidiu com o início do certame quando se aprofunda a crise e vários clubes se recusam a participar. A Fonte Nova é fechada e os jogos são realizados no campo da Graça.

Nessa época deixava de frequentar as aulas do Instituto Valença (uma “fabrica” onde minha família me matriculou com medo que eu levasse três anos em cada ano do Colegial, como havia ocorrido no primeiro ano). Mas acabei me “dando bem” logrando aprovação direta no segundo e terceiro ano de contabilidade.
                                       Logotipo do FIC


No da TV Excelsior ganharia, para a minha satisfação, a musica engajada Porta estandarte (Fernando Lona e Geraldo Vandré) unificando esquerda e românticos, particularmente devido a apresentar uma bela melodia juntando protesto e qualidade musical.

Eu vou levando a minha vida enfim
cantando e canto sim,
e não cantava se não fosse assim
levando pra quem me ouvir
certezas e esperanças pra trocar
por dores e tristezas que bem sei
um dia ainda vão findar.

Um dia que vem vindo
e eu vivo pra cantar
na avenida girando
estandarte na mão
pra anunciar.

O Vitória ganharia “de barbada” o primeiro turno, mas eu pouco assistiria as partidas, pois meu interesse se dividia entre os festivais e a Copa do Mundo onde a seleção brasileira fez um verdadeiro fiasco. A estreia ainda “deu pra passar” quando ganhamos a Bulgária por dois a zero. Mas Pelé se contundiu e não mais jogou. Depois perdemos de Portugal e da Hungria por três a um. Resultado, no ano em que a convocação atendeu a todo tipo de interesse político, começando com uma lista de mais de quarenta jogadores (só da Bahia ninguém foi por causa do boicote da imprensa), não passamos das oitavas de final.

                         Gilberto Gil cantando no festival

Mas voltemos aos festivais. No da TV Record as coisas começaram a esquentar. Até então eu não havia entendido que havia uma disputa política em jogo, que acabou se expressando nas canções A banda (Chico Buarque) e Disparada (Geraldo Vandré e Theo de Barros). Na ocasião se colocaram duas visões estéticas, a que apontava uma atitude de ficar “pra ver a banda passar cantando coisas de amor”, e a que afirmava que “a morte, o destino, tudo estava fora de lugar” e que nós vivíamos pra consertar.

Lembro-me da torcida que fiz para a primeira, cantada por Jair Rodrigues e da emoção quando soube que Chico Buarque foi chorando exigir do júri o empate desta musica com a sua em primeiro lugar. Nesse ano teve início o Festival Internacional da Canção- FIC.

Um mês depois do festival terminou a maior crise do futebol baiano. E, em dezembro, começou o segundo turno com todos os clubes e com a liberação da Fonte Nova. Como o campeonato ficou quatro meses parado colocaram jogo no Natal, Ano Novo, o diabo. O Vitória só estreou no início de 1967, ganhando do Estrela de Março por três a zero.

                              Um filme pra não perder!

E é aí que começa a despontar o time do Leônico com o grande meia Armandinho, com Gajé na ponta, o eficiente centro avante Zé Reis e o folclórico goleiro Gomes. O Vitória foi despachado do segundo turno em doze de março ao perder para os “moleques travessos” pelo escore mínimo. Depois não adiantou ganhar do Bahia, pois o Leônico também ganhou.

Aí fomos para as finais, como sempre em abril. O Vitória mostrou que só se agigantava com a crise. Assisti aos três jogos. No primeiro Armandinho só faltou fazer chover garantindo a vitória grená por dois a zero. Na segunda parecíamos que iríamos “virar”, pois ganhamos de dois a um, com dois gols de Jorge Bassu, contra um de Geraldo. Mas na final não teve jeito. Zé Reis não perdeu nenhuma chance e fez dois gols, enquanto Bassu fazia nosso “gol de honra” e o goleiro Gomes ficava se ajoelhando toda hora no gramado. Ai que raiva...


·         Agradeço aos sites Era dos festivais, RSSSF Brasil, Wikipédia e Granadeiros Azulinos. Sou grato também as imagens do site www1.folha.uol.com.br,e dos blogs welloverocknrollprincipal.blogspot.com,arquivoculturamcroff.blogspot.com,perolaparaporcos.com,musicaempresa.musicblog.com.br e almascorsarias.com.br.


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