Dos três shows musicais realizados na Fonte Nova Gilberto Gil participou de dois. O primeiro acompanhando Jimmy Cliff numa excursão em 1980 a diversos estádios brasileiros. E o último da Fonbte Nova como convidado de Ivete Sangalo que gravou um CD/DVD com a MTV alí em dezembro de 2003.
Nunca tive a oportunidade de lhe perguntar se gosta de futebol e se ia á Fonte Nova. Minha relação com Gil poderia ter surgido em 1969 quando eles foram soltos da prisão onde estavam no Quartel do realengo no Rio de Janeiro. No entanto o Grupo Comunicação, onde eu atuava, só foi procurar mesmo Caetano. E eu nem assisti os shows do TCA com que se despediram do Brasil para o exílio de alguns anos.
De modo que ela começou no início da década de 80. Como Afrânio, primo de Cybele, (que tinha sido vizinho de Gil no bairro de Santo Antônio) me deu boas informações ideológicas sobre ele, fomos pedir que fizesse shows para arrecadar fundos para a entidade dos músicos baianos.
Ele fez dois, no terceiro se negou a fazer por achar que o sindicato tinha que se concentrar em construir uma estrutura própria. Alguns diretores se chatearam na época, mas eu não, pois achei que tinha razão. Depois daí só fui encontra-lo em 1988 quando quis se candidatar a prefeito de Salvador, e que é o assunto de hoje.
O ano é importante pro futebol baiano. O EC Bahia havia montado um bom time e se sagraria campeão brasileiro, embora isto só viesse a ocorrer no início do próximo ano. O ano começou com a pré-temporada, pois o campeonato só começaria após o carnaval. O Vitória estava aprontando o seu estádio, o “Barradão”, inaugurado dois anos antes, mas ainda jogava na Fonte Nova.
O campeonato baiano era uma confusão só. Havia dois turnos, cada um com duas fases. E, por sua vez, cada uma delas tinha fase de classificação e quadrangular final. Depois de tudo isto haveria as finais, disputadas pelo pessoal que ganhou fase de turno e quem teve melhor classificação. Sacaram? Não se preocupe, nós também nada entendíamos naquele tempo!
Gilberto Gil e o jogador Washington com a camisa do Fluminense
Na discussão do PMDB de quem sucederia Mário Kertész na prefeitura ocorreria um “racha” entre os chamados históricos e o grupo que reunia Mário Kertész e o empresário espanhol naturalizado brasileiro Pedro Irujo. Estes apresentaram a candidatura de Gilberto Gil a prefeito, mas ela não seria aceita pelo governador Waldir Pires. O resultado seria o rompimento do músico com o governador e o lançamento do radialista Fernando José, funcionário de emissora do empresário.
O governador acabaria ficando com a candidatura de Virgildásio Sena, apoiado pelos históricos, mas não evitaria que a legenda do partido fosse empalmada pelo segundo grupo, tendo quem organizar a Frente Salvador (PSDB, PCdoB, PCB, PSB e PMN). No entanto, mesmo contando com dissidências de outros partidos não passaria do segundo lugar. O PT ficaria com Zezéu. Lembram-se da musiquinha?
Zezeu vou votar em você
quero ver a cidade
de felicidade votar no PT
Gil no Maracanâ
As páginas de política dos jornais da época eram preenchidas com as eleições municipais. As esportivas falavam das novas contratações dos clubes. É que todos reforçavam seus times para participar desta mixórdia, digo campeonato baiano, principalmente a dupla BA-VI. Já nas páginas de cidade e de carnaval só dava Waly Salomão que consegui, pela primeira vez nesta festa, pautar a discussão de temas culturais. Penso como sua presença seria importante nos dias de hoje num carnaval em crise.
Na campanha daquele ano o Sindicato dos Músicos que eu liderava percebeu que havia espaço político para aumentar as bandas contratadas, assim dobramos a reivindicação em relação ao ano anterior. Mas as negociações estavam emperradas. Mesmo que percebêssemos as boas intenções de Waly entendemos que o dialogo havia chegado ao limite.
Ora, sabendo da relação entre Wally e Gil imaginamos que este não interferiria nas negociações dos músicos se a questão não ganhasse corpo na sociedade. Decidimos então realizar uma ação que também pudesse chamar a atenção, agora como um impasse na festa, obrigando seus dirigentes a sentarem com o sindicato para solucionar o problema. Esta foi o “sequestro” de Waly Salomão.
Protestos de 1988
Sabendo que o expediente de Waly na coordenação era pela tarde, fomos infiltrando uns duzentos músicos em pequenos grupos no prédio, uns pelo elevador e outros pelas escadas mesmo, até que passou a ser humanamente impossível transitar pelos corredores do Edifício Oxumaré, na Ladeira de São Bento.
A ação durou toda a tarde impedindo o funcionamento da coordenação do carnaval e conseguindo muito espaço na mídia ávida de notícias sobre a festa. O episódio levou a uma intervenção da prefeitura através de Gilberto Gil. Desta forma fomos convidados para conversar com o próprio em outra sala do mesmo andar onde funcionava a Coordenação do Carnaval, embora sem a presença de Waly.
À conversa compareceram Gil, eu e alguns colegas da comissão do sindicato. Na oportunidade, comecei ressaltando a satisfação de negociar com quem “falava a nossa língua”. Fiz então, uma digressão sobre a precariedade com que tocávamos no carnaval, mostrando as dificuldades encontradas nos palanques de bairros. Como a presença de Gil era quase a confissão antecipada de que haveria um acordo passei a enumerar nossas necessidades, a contratação do dobro de bandas do ano anterior e a garantia de condições de trabalho adequadas, particularmente uma boa sonorização e estrutura dos palanques.
Gil respondeu inicialmente que as reivindicações eram exageradas. Falou das dificuldades da prefeitura, mas afirmou que estava do lado dos músicos em suas reivindicações. Deixei então que os colegas lhe respondessem, pois já tínhamos feito antecipadamente a “divisão de trabalho” na negociação (eu seria mais mole e eles mais duros).
O pessoal foi incisivo com Gil, ilustrando com seus exemplos pessoais os problemas que eu havia observado, e dizendo-lhe que não esperavam outra atitude dele que o apoio às reivindicações do sindicato. A segunda rodada de falações já foi bem melhor quando Gil afirmou que “iria ver o que poderia fazer” e elogiou a atuação de Wally á frente da Coordenação do Carnaval, o que, naturalmente, concordamos.
Poucos dias depois não deu outra coisa: fomos chamados por Wally para dizer do atendimento a todas as nossas reivindicações. O processo de negociação tinha sido o melhor desde que começamos a campanha reivindicatória do carnaval e foi muito comemorado pelos colegas, inclusive pelos que sempre desconfiam que não fosse dar certo.
Logo depois começou o campeonato baiano daquele ano. Digo a primeira fase do primeiro turno morou? O Bahia estreou ganhando de três a zero do Botafogo, gols de Bobô, Charles e Edu, enquanto o Vitória dava de dois a zero no Fluminense em Feira de Santana, gols de Junior e Edvaldo.
Enquanto o rubro negro se dava relativamente bem os músicos pelejavam pra receber as parcelas da prefeitura por tocarem no carnaval. É que neste ano foi a primeira vez que isto ocorreu. Normalmente recebíamos de vez depois da festa ou um adiantamento na véspera e o resto na outra semana. Este foi o preço que teríamos de pagar pelo bom acordo que, no futuro, daria problemas para todos os envolvidos na festa.
O Vitória ficou em primeiro em seu grupo e o Bahia também. Mas o quadrangular decisivo da chave terminaria empatado, obrigando a novo jogo entre os dois. Resultado: um a zero pro tricolor, gol de Osmar que seria o artilheiro do campeonato.
Foi nesta ocasião que o sindicato foi atingido pela sucessão municipal. Após a campanha do carnaval fui procurado por um colega que, dizendo ter vindo em se próprio nome me pediu para que a entidade assinasse um manifesto de apoio á candidatura de Gil a prefeito. Para ele era importante para Gil mostrar que tinha o apoio da categoria e o sindicato também se beneficiária participando da campanha em função do espaço para as causas musicais.
O saudoso colega Lindemberg Cardoso que fez arranjos de músicas de Gil
Estando mais experimentado nas lides politicas não disse nem que sim nem que não, colocando uma série de dificuldades para a efetivação da proposta. Eu não podia decidir pelos colegas; teria que ser feito uma consulta; poderia haver desgaste para o indicado com a proposta de outros nomes etc.
O negócio “rolou” durante certo tempo dando tempo inclusive pra acabar a segunda fase do primeiro turno (estão acompanhando?), que foi a melhor para o Vitória. O meu time estreou no quadrangular no dia do meu aniversário de quarenta anos, exatamente quando não fui por estrar “na gandaia”. Empatou essa com o tricolor sem gols. Depois ganharia da catuense por dois a um e decidiria com o Fluminense que havia ganhado do Bahia. Na ocasião ganhamos pelo escore mínimo com gol de Junior. Pronto, agora era uma fase pra cada um.
O meu colega deixou de me procurar e o apoio a Gil não saiu. O resultado é que, desde então, meu relacionamento com Gil não foi mais o mesmo. Mas o candidato que afinal seria apoiado pelo PMDB seria o radialista Fernando José. Quanto a mim já estava na campanha de Zezéu para prefeito e Geracina Aguiar pra vereadora.
Nesta época minhas tarefas políticas eram: a coordenação da campanha da vereadora, as reuniões da direção estadual do PT e da CUT, a coordenação sindical de Zezéu, e a diretoria do sindicato. E ainda teria que arranjar tempo pra ir á Fonte Nova, pois o meu rubro negro estava bem.
Gil cantando Domingo no parque no Festival da TV Record
Estava, pois a partir do segundo turno começou a degringolar. Nem se classificou para o quadrangular da nova primeira fase. E, na segunda fase, conseguiria classificação pra cair vergonhosamente contra o nosso arquirrival por quatro a zero! Vejam se isto tem cabimento. O jogo foi em três de julho um dia após ter nossas campanhas eleitorais uma expressiva participação no desfile do Dois de julho. “Matei a pau” num dia e fui esmagado no outro!
O Bahia ganhou as duas fases e entrou nas finais numa situação confortável. Estava com três pontos, enquanto o Vitória tinha um, e Catuense e Fluminense entravam com zero pela melhor campanha entre os demais. Mas o rubro negro pregaria uma peça ao tricolor na primeira etapa das decisões empatando tudo de novo, inclusive ganhando do Bahia pelo escore mínimo, com direito a gol de Hélio e de minha presença. . Ganharíamos, pelo mesmo escore, do Fluminense e Catuense, e chegaríamos a final contra o Bahia.
O jogo foi no dia sete de agosto. Mas não demos nem pra “melar”, pois o rubro negro tinha um time bastante inferior ao do tricolor que neste dia encheu a bola ganhando de três a zero, com gols de Osmar, Renato e Pereira. Até o segundo gol ainda ficamos esperando uma reação, mas no terceiro, fui pro “buraco” da arquibancada. Acho que neste dia foi a primeira vez que saí antes de terminar o jogo, só pra não ver a comemoração tricolor do título de tricampeão.
Voçê reconhece?
Dois meses depois Fernando José seria eleito prefeito e Zezeu teria 4,3%. Nosso consolo foi eleger Geracina entre os vereadores mais votados de Salvador. A gestão do novo prefeito, entretanto, seria de enorme dificuldade de articulação política, experimentando “rachas” com Mário Kertész, com partidos e vereadores de sua base inicial, e com seu próprio patrão Pedro Irujo.
No entanto, o isolamento político que experimentou não significou o mesmo em matéria empresarial, na medida em que realizou concessões a empreiteiras e outros grandes interesses empresariais. O fracasso de sua administração se projetou para a próxima administração, a de Lídice da Mata, onde faltaram verbas e sobrou sequestro de recursos. Fernando, entretanto, passou a história com um curioso Recorde: o de se constituir no prefeito que teve a menor aprovação da história de Salvador.
· Este artigo consta do meu livro Camarada Júlio, que se encontra no prelo. Agradeço ao site História do futebol e aos blogs forum.jogos.uol.com.br,meublog.blogspot.com,entretenimento.r7.com,tempomusica.blogspot.com e ensaiogeral.com.br.
alguem sabe o nome das musicas que eles cataram nesse dia
ResponderExcluirnão consigo me lembrar, mnas recordo que várias foram sucessos deles da época...
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