quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Uma história dos BA-VIs

         Impressionante foto do primeiro BA-VI onde se percebe a relação cordial existente 

No Brasil existem vários clássicos. Alguns, face a hegemonia de certas regiões também em nosso futebol, são considerados maiores do que outros, como o FLA-FLU, o Derby paulista, o GRENAL, o Cruzeiro X Atlético, mesmo sem contarem com a afluência de público e com o legado emocional e espiritual que caracteriza o nosso BA-VI. É que um clássico também constitui um fenômeno sócio - esportivo e tem uma história que reflete em certa mnedida a sociedade que faz parte.
Nem todos os clubes e associações desportivas que existiam na Bahia no Século XIX evoluíram para a prática do futebol. Os que assim o fizeram, no início do novo século, iniciaram seus campeonatos na primeira década influenciados pela potência inglesa. A Bahia esteve entre os primeiros estados originando suas equipes de estudantes, moradores de bairros próximos ao centro da cidade e de alguns clubes sociais.
Até a década de vinte não haveriam propriamente “clássicos” pois o esporte não apresentava consolidação suficiente. O intercâmbio era pequeno, eram usados vários campos para a prática do futebol. A polarização inicial entre São Salvador e Vitória, importada do remo, dá lugar na segunda a uma mais consistente, entre Ypiranga X Botafogo. Mas só a partir de 1922, quando é inaugurado o Estádio da Graça, é que o esporte teria um lugar destacado na sociedade.

                                EC Vitoria campeão de 1972
Alguns fatores colaboraram para isto, particularmente a estruturação de cinco clubes. Baiano de Tênis e Associação Atlética transportaram para o futebol a rivalidade que já apresentavam como clubes sociais. Botafogo e Ypiranga, de tradições populares, disputavam camadas mais despossuídas. E o EC Vitória trazia certo público dada à condição de decano do esporte.
Diria que, nesta época, Associação X Baiano e Botafogo X Ypiranga eram aquilo que em pequena escala chamaríamos de “clássicos”. O intercâmbio trazido pelo estádio da Graça,  ajudaria a formar os clubes tradicionais, cujos feitos mais notável seria a convocação do zagueiro Mica do Botafogo para a seleção brasileira(1923) e a obtenção do primeiro título para a seleção baiana no amadorismo(1934).
                                        EC Bahia iniciando sua participação na I Taça Brasil

A chamada Revolução de Trinta traria consigo o profissionalismo no esporte. O processo seria concomitante com a extinção de dois dos maiores clubes existentes, Associação e Baiano, que resolvem acabar seu departamento de futebol. O estrago só não foi maior pelo fato de boa parte desses jogadores terem se juntado e criado o EC Bahia que marcaria profundamente a história do esporte local. Mas o clássico BA-VI não ocorreria no ano da fundação do tricolor pois o rubro negro não disputaria o campeonato. Este só viria a ocorrer durante o torneio início do certame em 1932, embora a primeira partida integral disputada só ocorresse em dezoito de setembro daquele ano com a vitória tricolor por três a zero.
A entrada do Bahia e do time da colônia espanhola abriu novas possibilidades para o nosso futebol que iria ser coroada nos anos quarenta. Nascendo da fusão de dois grandes o tricolor não teria dificuldades de ser o papa-títulos da cidade chamando a atenção seus jogos contra o Botafogo (o clássico do pote)e o Ypiranga (o clássico das multidões), além das partidas entre estes. Três anos depois de sua primeira edição o rubro negro venceria seu adversário no certame com goleadas de seis por duas vezes.
                                                     O grande centro avante argentino

O campeonato baiano entra porém em parafuso no início do Estado Novo quando é reduzido a apenas cinco clubes com a retirada do EC Vitória. Este só voltaria no ano seguinte quando seriam proclamados dois campeões(1938). Seria a última vez que o glorioso alvi rubro ficaria com o título e o campeonato seria suspenso retornando três meses. Na ocasião o BA-VI, mesmo ainda sem ser clássico, decidiria o torneio início, com a vitória do Bahia. O rubro negro, porém, que seria lanterna este ano nos “dois certames”, onde tomaria as maiores goleadas da sua relação com o futuro arqui rival: no primeiro jogo do campeonato ganho pelo alvi rubro (9 X 4) e na última partida do que foi ganho pelo tricolor, em 20 de novembro (10 X 2).
O marasmo no futebol baiano só melhoraria em 1942 quando o Vitória volta a armar um bom time. O rubro negro se especializava em torneios inícios e derrotaria o tricolor na final deste ano. O Galícia vive o seus tempos áureos emendando um tricampeonato. Nesta época há um início de consciência da importância do BA-VI quando o jogo, que era marcado anteriormente nas rodadas iniciais, passa a constar na tabela do meio para o fim do certame.

                                                  O campeão brasileiro de 1988

Salvador experimentava ascensão econômica e crescimento da sua população que não deixaria permanecer um acanhado estádio com arquibancadas de madeira. O ritmo da sua construção, porém, só ganhou fôlego após a Segunda Grande Guerra quando o Brasil, aproveitando a conjuntura de reconstrução da Europa, obteve a permissão de sediar a quarta Copa do Mundo.
Mas foi na antevéspera da entrada em funcionamento da Fonte Nova que o jogo entre os dois clubes se agiganta, e vai decidir títulos do campeonato estadual. O primeiro ocorre em 1947 quando o tricolor, que havia vencido dois turnos contra um do rubro negro, jogava por dois empates ou uma simples vitória para sagrar-se bi campeão. E foi o que aconteceu no estádio da Graça, quando o esquadrão de aço ganhou por três a um, gols de Gereco, Isaltino e Velau contra um de Dario. E as duas equipes formaram assim: (Bahia) Leça, Arnaldo e Grilo; Pedrinho, Rodrigues e Evilásio; Gereco, Fabrine, Zé Hugo, Velau e Isaltino. (Vitória)Sales, Lilico e Santo Amaro; Durval, Viana e Joel; Tombinho, Jairo,Milton, Silva e Dario.
                                               A Era do rádio ajudou a alavancar o clássico

E, três meses antes da inauguração do nosso histórico estádio, começa a decisão do campeonato estadual de 1950, apresentando nova conquista do Bahia, desta vez numa “melhor de quatro” sensacional onde o tricolor ganha à primeira de dois a um, perde a segunda por quatro a dois, levando o título apenas na última partida com a vitória por três a um, marcando Zé Hugo duas vezes e Camerino, contra o gol de Tombinho.
                                                 A Fonte Nova nos primeiros anos

Era a última vez que isto ocorria no acanhado estádio da Graça que encheu de gente arrecadando 137.438,00 em suas bilheterias para ver o Bahia do técnico Amaro Monteiro formar com Laça, Arnaldo e Zé Grilo; Pedrinho, Ivon e Tóia; Camerino, Gereco, Z[e Hugo, Carlito e Isaltino, vencer o time dirigido por Paulo Dantas com Periperi, Valder e Alírio; Cláudio, Diogo e Joel; Tombinho, Moacir, Bionga, Juvenal e Sinbaúma.
A inauguração da Fonte Nova em 1951 vai assegurar a definitiva ascensão do BA-Vi que é um produto por excelência do estádio. A localização da praça de esportes ajudou nesta tarefa. Ficava situado no centro da cidade num entroncamento de vários bairros, em frente ao equipamento comunitário do Dique do Tororó, em cujas proximidades havia a linha de bonde e a antiga Estrada Dois de Julho (Vasco da Gama).
                                                        O decano e leão da Barra

O clássico ressurge em um cenário renovado, projetado pelo escritório do arquiteto modernista Diógenes Rebouças, com capacidade de milhares de pessoas, e só foi possível por dois motivos esportivos, a ascensão do rubro negro nos últimos anos, fazendo com que aceitasse definitivamente no profissionalismo, e a grandeza do EC Bahia que, ao completar vinte anos já dispunha de onze títulos estaduais.
O Vitória conta com o mérito de haver ganhado o primeiro e o último confronto da Fonte Nova. Nesse ano, perto das festas juninas, ganharia o primeiro confronto por três a dois. Nos anos cinquenta o estádio se repartia em dois. A direita das cabines de rádio ficava a torcida do Bahia e á esquerda as do Vitória (ainda sem grande peso próprio), Galícia. Botafogo, Ypiranga e até a do Guarany. A polarização progressiva entre os dois absorveria os torcedores dos demais clubes tradicionais particularmente pelo fato que, logo nos primeiros anos, entre 1952 e 1958, alternam títulos de campeão estadual e Catarino presidente do Vitória criaria polêmicas para promover as partidas o que coincidia com mídias esportivas em ascensão como a da PRA-4(Rádio Sociedade).  

Ao longo dos anos um quantidade infindáveis de jogadores marcanes desfilariam na Fonte Nova tais como Carlitos(que do Vitória se transferiria para o Bahia), Quarentinha, Juvenal, Nadinho, Teotonio, Biriba, Mário, Leo Briglia, Alencar, Marito, Nelinho, Matos e Vicente.   
                                                            O esquadrão de aço

Um primeiro momento marcante do clássico foi em 1952, num jogo muito concorrido que o rubro negro venceria pelo escore mínimo, quando o rubro negro Natal Silvany coordenou uma orquestra de jazz, torcedores uniformizados e o uso de fogos. Houve ainda outros grandes BA-Vis na década. Os rubro negros se lembram do 4 X 3 aplicados no tricolor na final do certame de 1955 e do 4 X 0 na decisão do segundo turno do de 1957. Já os tricolores não se esqueceriam dos dois seis a um verificados em torneios “amistosos” em 1952 e do sabor de conquistar o título contra seu arquirrival seguidamente em 1958 e 1959.
O impacto do clássico só se reduziria nos anos finais da década quando o tricolor ganha um inédito penta campeonato e sagra-se campeão da Taça Brasil distanciando-se de seu rival e absorvendo grande parte das novas gerações. No entanto, ao sobrevir a grande crise no futebol 1965/1966 que teve o Vitória no epicentro, reequilibraria a balança obtendo este um bicampeonato. Nesta ocasião, os dois clubes fazem a decisão do primeiro campeonato sob a ditadura militar, quando se registram três resultados de dois a um, dois para o rubro negro e um para o tricolor. Além disto, os leões da Barra ficariam cinco anos sem perder para o esquadrão de aço. Na época apareciam Tinho, Ouri, Didico, Gilson Porto, Romenil e Zé Oro, entre outros menos votados.
                                               O estádio ampliado com o anel superior

O início dos anos 70 a capital do estado expressaria definitivamente a atração de indústrias para o seu entorno. Sua população dobraria em apenas uma década. No futebol, inaugurava-se a grande era de massas do futebol baiano com a inauguração do anel superior da Fonte Nova, embora com uma inesquecível tragédia. A criação do novo equipamento coincidia com a indústria cultural e do entretenimento no país. A expansão de Salvador vai levar ao adensamento e urbanização dessa área, a construção das avenidas de vale e da Estação da Lapa, o maior terminal rodoviário do Norte e Nordeste.
O novo período irá liquidando um a um os clubes tradicionais nas próximas décadas e inaugurariam uma enorme hegemonia do EC Bahia, onde o clube obteria o inédito título de heptacampeão baiano e de campeão brasileiro. Mas por mais incrível que possa parecer à rivalidade persistiria. E para isto concorreria uma série de fatores. São tempos de consolidação da indústria cultural e do entretenimento que aproveitaria a mística do clássico para fazer do povo baiano o mais aficionado pelo esporte do país.
                               Osny, um dos poucos que conseguiu ser ídolo dos dois clubes 

O Vitória conseguiu entrar no seleto grupo que participaria do Campeonato Brasileiro a partir da sua segunda edição o que lhe manteria ocupado e com boas equipes durante o ano. Nesta era, mesmo agindo quase que como um sparring estadual durante este tempo, acabou virando referência para as torcidas anti tricolores que viam a decadência ou a extinção dos demais clubes tradicionais. Estas energias desaguariam no único clube que fazia frente ao Bahia e, em algumas ocasiões, lhe arrebatava o cetro, o rubro negro.
Diversos BA-Vis se notabilizaram na época, os que terminaram em escore mínimo para o tricolor em agosto de 1971 e 1976 que passaram ao folclore dada a conotação sobrenatural. E o famoso “frango” de Gelson na decisão do certame de 1979 que asseguraria o título pelo mesmo escore. Entre a inauguração do anel superior e o fim da ditadura militar os tricolores ganhariam doze títulos e desequilibrariam a história dos clássicos com direito a quase vinte partidas invicto contra seu arqui rival.

Décadas após o final dos anos 50 o tricolor vivia sua grande era e capitalizava grande parte da geração que havia adentrado o esporte via grandes multidões. São tempos de Baiaco, de Fito, Douglas e Jesum, Osny e Picolé, André, Léo Oliveira, Joel Mendes, Rodolfo Rodrigues, Eliseu Godoy, Mario Sérgio, David, Mickey, Fischer, Andrade e Beijoca, entre tantos outros.
O sinal amarelo para o Bahia se acenderia em 1980 e 1985, ficando nas duas vezes fora da decisão, do Vitória contra o Galícia e quando o rubro negro conquistaria o título por antecipação. Vivíamos os momentos finais da ditadura militar e novas lógicas políticas. O estado iria, momentaneamente, questionar velhos caciques da política. Neste cenário, porém, o tricolor emendaria novos feitos e chegaria ao auge com a grande conquista do Campeonato Brasileiro de 1988. Uma época de Ronaldo, Charles e Bobô.

              O apelo do técnico Arturzinho para o sobrenatural
  
O reerguimento do EC Vitória, entretanto, já era uma realidade, e começou com o marco do seu patrimônio que foi o Estádio Manuel Barradas (o “Barradão”). A possibilidade de jogar e treinar em casa, de reduzir enormemente suas despesas de concentração e taxas, alavancou o clube que, a partir da nova diretoria, adotaria critérios mais profissionais de atuação. As novas condições levariam a que o clube também ombreasse com o tricolor no cenário nacional chegando a duas decisões nacionais na Fonte Nova, em 1992(Segunda Divisão) e em 1993(Primeira Divisão). É o tempo de brilharem Gibira, Pichetti, Alex Alves, Dida e João Marcleo(que jogou nos dois clubes).

No período começa uma inversão radical da hegemonia de véspera, embora o tricolor consiga explorar a seu favor agora o mando de campo da Fonte Nova em um dos BA-Vis mais lembrados: o do empate em um gol em sete de agosto de 1994 com o Recorde de público do clássico (mais de cem mil pessoas) graças a um gol de Raudnei no final.  
O rubro negro, entretanto, chegaria a ganhar todos os quatro turnos no campeonato de 1992. Ocuparia a liderança do futebol baiano por um período semelhante ao do Bahia, dos anos 90 e na primeira década do novo milênio, aonde chegaria mais uma vez a uma final nacional contra o Santos em 2010. Não se pode deixar de referir, porém, o início dos campeonatos do Nordeste e a inédita decisão do campeonato de 1999. No novo certame a dupla BA-VI confirmou a importância do clássico fora de nossas fronteiras vencendo a maioria de suas edições. Enquanto isto os dois clubes seriam declarados campeões estaduais naquele ano após uma acirrada disputa judicial quando o tricolor usou o Clube Itapagipe como biombo para não jogar no “Barradão”.
Antes que se fechasse o nosso histórico estádio um presente dos deuses do futebol, o maior jogo da história dos BA-Vis, que terminou com o escore fantástico de seis a cinco para o Vitória. O rubro negro emendaria enorme quantidade de títulos, destacando-se um “tri” e dois tetra campeonatos.  
O início da segunda década do novo século parece inverter as coisas, agora é o EC Bahia que está na Primeira Divisão e o EC Vitória na Segunda, mostrando a capacidade do esporte em promover grandes “viradas”. O futebol vive tempos bem diferentes, seja de quando foi criada a Fonte Nova, seja quando de sua ampliação. São tempos de quase absoluto predomínio da cultura de massas embora não haja mais os grandes locutores do passado. O esporte se tornou caro e se verifica um processo de elitização. Torcer, em muitos casos, é participar de torcidas organizadas como Os Imbatíveis e a Bamor.

A introdução dos pontos corridos no Campeonato Brasileiro limitou a concorrência por títulos a poucos clubes em função das folhas gigantescas para a manutenção dos clubes. Há uma pressão constante para que os nossos clubes se limitem a formação de jogadores. A própria Arena que está sendo construída não substituirá a Fonte Nova. Será um estádio modesto e voltado apenas para o futebol, insuficiente para abrigar as grandes massas torcedoras do nosso maior clássico e para atender os demais esportes que eram contemplados pelo antigo estádio.
O BA-VI, entretanto, já assegurou a sua perenidade. Enquanto continuar existindo este sentimento inexplicável do futebol, e o amor pelas cores tricolores e rubro negras, sobreviverá a todas as intempéries e crescerá com elas. Daqui a três anos comemoraremos oitenta anos do seu início naquele torneio início de 1934. Ao longo de quase sessenta anos de Fonte Nova decidiram ali títulos por trinta vezes. Cada torcedor terá seu preferido entre os mais de quatrocentos confrontos, assim como seu gol entre os mais de mil marcados. Nos anos de massa na Fonte Nova um deles reuniu mais de cem mil pessoas, cinco em torno de noventa mil presentes, e mais cinco de oitenta mil.
·   Agradeço as informações dos sites RSSSF Brasil, Wikipédia, Futebol 80 e do Setor de Publicações Raras da Biblioteca Central do Estado. Sou grato também as imagens do site wikipédia e dos blogs fabiomonteiro.worpress.com e ecv1899.worpress.com.

Um comentário:

  1. Artigo Excelente e muito rico de informações.
    O BA-VI é, sem dúvida, o maior clássico do Norte-Nordeste e do país.
    Tive a oportunidade única, de assistir aquele clássico decisivo do campeonato de 1994, que quebrou o recorde de público em BA-VI. A Velha Fonte Nova, sim, atraía públicos memoráveis que dificilmente se repetirão.
    Abraços,
    Beto

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